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Uma Nova Crítica Humanista

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Noel Nascimento



Um novo humanismo, reação ao tremendo fracasso do século XIX, este conseqüência de todas as teorias negativistas dos valores tradicionais a produzirem um cepticismo generalizado que encontrou sua expressão máxima em Anatole France; um novo humanismo com sementes na inquietação dos povos, no inconformismo da juventude e da intelectualidade; um novo humanismo já pronunciado pela preocupação kierkegaardeana com a dissolução do indivíduo no anonimato e no impessoal, até mesmo pela filosofia existencial; um novo humanismo que surge com papas como João XXIII, da promulgação de Decretos como o da Dignitatis Humanae, com guia spacifistas como Gandhi, Bertrand Russel ou Luther King; um novo humanismo representado principalmente pela sagrada preocupação com a dignidade do homem e sua liberdade; um novo humanismo que tem raízes também no pensamento daqueles se voltaram para o problema de alienação humana, denunciando e verberando as opressões; um novo humanismo prevendo uma Reconstrução, como a previa Jacques Maritain, que se firma com o personalismo de Emmanuel Mounier, e que sobreleva a importância do Homem no Universo - tal como o vê Teilhard du Chardin; um novo humanismo prestes a caracterizar toda uma época de luzes, suscita agora uma crítica ordenadora do caos literário, uma crítica que exalte os valores absolutos e os valores imperecíveis.

Esta crítica deve ser a crítica humanista, a única realmente totalizante porque não se deterá no exame de formas e sim procurará valorizá-las pelo conteúdo de exaltação da natureza, da vida, do homem e seu trabalho, de suas lutas - sacrifícios, vitórias e derrotas, de sua razão, de seu senso moral e de justiça, de sua sabedoria e de seu mistério, de seus sentimentos do bem e do belo, e pela estilística - a qual fixará espelhado na obra o homem artista. Além da formas, do assunto ou do autor, um fato novo deve caracterizá-la - a preocupação com um elemento de fora da obra propriamente dita, mas que participa dela recebendo-a, apreciando-a, aproveitando-a: o público.

Até o momento há predominância do New Cristicism anglo-americano ou de toda uma crítica resultante das teorias formalistas de arte, a qual só reconhece como valores estéticos os valores de forma, considerando todos os valores conteudísticos - até mesmo os de beleza, verdade ou bondade, elementos extraliterários, sem significação numa obra de arte. Uma arte que se afastou do público, criou uma crítica também divorciada do público.

Não surgiu no Brasil e não é conseqüência de romances nacionais, do Concretismo ou da Semana de 1922, nasceu alhures com Bachelard, Charles Mauren, Roland Barthes, Jean Starobinsky, Lucien Goldmann, Jean Pierre Richard, analisando o romance ligado à filosofia do estruturalismo lingüístico.

Para Serge Doubrovski, ela nada mais é que a abertura da reflexão literária para o freudismo, o marxismo, o estruturalismo e o existencialismo. Então se deveria acrescentar a fenomenologia.

O que se diz, após o Modernismo, é que a crítica do século XIX é genética, historicista, extrínsica, quer saber "como" se originou um poema; enquanto a moderna é estruturalista, intrínsica, egocêntrica, que investiga "o que é" um poema. Preestabelecidos como valores estéticos apenas as propriedades formais, supõe-se que a única crítica valida e correta é a que encara a obra como independente construção lingüística e objeto unicamente de análise de estruturas, como se não tivesse vínculo com o real e o humano.

Outros consideram a obra uma coleção de sinais cujo significado está num alhures psicanalítico, em tal ou qual universo metafísico do autor, mas igualmente isolada da natureza e da sociedade.

Na estética contemporânea vêm prevalecendo duas direções: uma que se volta para as formas, e outra que se volta apenas para o conteúdo. Uma estética humanista supera a divisão, unificando em sua visão forma e conteúdo, porém ainda não é suficientemente conhecida.

Como a idéia do "desinteresse" na arte é a predominante, impôs-se universalmente o campo da arte pura, da crítica pura. Muitos acham que podem divorciar a crítica da filosofia ou de uma filosofia de arte, de uma estética, sob o pretexto de que uma posição ideal da arte é inalcançável pela crítica, e falam numa crítica autônoma, reflexiva, a melhor opção até o momento.

O mal maior parece provir da importação do estruturalismo lingüístico, ora campo de prova de doutorado, de eruditismo elitista que, se não revive discussão sobre o sexo dos anjos, possibilita teses sobre sexo e casamento dos vocábulos. Então a crítica consiste em dissecar o texto cobaia e julgá-lo pela disposição dos ossos. O Estruturalismo e a Lingüística têm originado concepções antihumanistas e ultra-reacionárias. Na antiga União Soviética, Stalin fez prevalecer a idéia de que a linguagem não passa de superestrutura e que a língua do futuro seria a russa. No Ocidente, levou à prática e às últimas conseqüências a idéia do "desinteresse" e de que os valores estéticos são apenas os de forma, e a arte passou a ser vista como um produto verbal, com funções fônicas e sentidos sonoros, não necessitando de explicação fora dela, não necessitando de análise do homem e da realidade social. Representa alienação, marginalização, afastamento dos escritores e artistas do processo social, negando-lhes o real valor que sempre tiveram na luta contra a opressão, pela paz e pelo progresso. É um fascismo na literatura.

Segundo o estruturalismo lingüístico o que importa é o conhecimento das leis que presidem a linguagem e isso pode significar que a computação dos modelos que se controem segundo as regras matemáticas ou lógicas, possibilitem às máquinas comporem poemas, escreverem contos, etc.

Temos obras analisadas segundo o existencialismo, o marxismo, a fenomenologia ou a psicanálise. São muitas as visões que não podem explicar o que é o belo, o talento, o que diferencia um texto medíocre de um criativo, ou até mesmo um conto de uma novela ou de uma poesia. Pois muito mais limitado, ainda, é o poder interpretativo do estruturalismo lingüístico.

Dividir o texto em componentes, camadas fônicas, morfosintáticas e semânticas, não leva a compreendê-lo como boa ou má obra literária. Analisar e julgar texto pelo texto é o mesmo que examinar uma caixa de fósforos sem saber o que é o fogo, ignorando a derrubada das matas, a serraria, os operários e tudo o mais que a ela relaciona. Lembra a descrição que fez um advogado de uma nota promissória, dizendo tratar-se de uma folha de papel de forma retangular, com tais e quais medidas e dizeres, espaço para assinaturas, sem saber caracterizá-la como título de crédito.

De fato, Valery já o tinha notado: "A literatura não é mais que o desenvolvimento de certas qualidades da linguagem". Mas esse desenvolvimento é determinado e não uma determinante, é o enriquecimento com expressões que obedecem às paixões do artista. Adequando-se à expressão de sentimentos, o discurso literário difere do científico e do filosófico. Existe uma linguagem literária, mas não são as suas regras que explicam a criação artística. Uma regra como a que diz "dada uma seqüência de linguagem marcada (Poética), suprimem-se as restrições seletivas" - não é o que faz o poeta dizer que "ouviu estrelas", que "seus sapatos são dois barcos", ou que "está louco de felicidades". Linguagem literária é simplesmente aquela que obedece à lógica artística1, expressando conhecimento divinatório, construída com imagens que refletem um real visto por um temperamento amoroso e num ritmo peculiar que é o modo de ser, o movimento do espírito do autor. A arte pode romper com a verossimilhança, mas nunca com o real.

A palavra e o exame da palavra não resolve o problema da crítica. Mãe, flor, solidão, bem, ódio, vermelho ou amarelo, não existem como vocábulos ou palavras vazias, são seres, idéias, estados de espírito, sentimentos, imagens, conceitos, significados dos termos. Se a linguagem é literária, é a alma que grita num simples ai.

O que interessa à Nova Crítica Humanista não é a estrutura, porém a inteligência do texto.



A Estilística



A Estilística não deve ser encarada como o estudo da técnica, como tem sido, ou então puramente lingüística. Em ambos os casos, o estilo é considerado apenas quanto à forma e é visto como expressão verbal pura e simplesmente. Mas o ritmo faz o estilo e determina a forma. Ritmo é conteúdo, é o espírito em movimento, uma vida correndo no texto. É o sangue dando vida à palavra, tornando-a significante, símbolo e poesia, é a realidade íntima e profunda do artista, é o coração batendo dentro do poema. O ritmo se imprime com ou sem metro ou rima, palavra por palavra, e não é apenas cadência, andamento, mas o respirar em "estado de graça". É o ritmo que faz o canto, a música da linguagem. E a harmonia musical de um estilo não é simples jogo de palavras, porém reflexo da harmonia interior do artista. O bom estilo é o que exprime com fidelidade o temperamento amoroso do artista, e o ritmo expressa sua realidade íntima.

O tema e o ritmo constituem o conteúdo, nascem juntos, um é dependente do outro, e isto explica porque há autores que só vibram, só se emocionam em nível de produzir artisticamente, em face de determinada temática. Assunto pobre em sentido humano pode resultar numa arte má, numa vulgarização pelo conteúdo, caso de muitos autores contemporâneos. Principalmente porque pode ser visto sem a predominância da bondade do artista.

Este fato não é compreendido pela crítica moderna, atual, que destaca o Marquês de Sade, tanto quanto autores de estórias de aberrações eróticas.



Afinal, o ritmo imprime movimento ao tema, é o meio e fim, é o estilo mesmo, impresso na forma. As idéias, os sentimentos, as sensações de vida só se transformam em arte através do ritmo, pela revelação do estilo, que a faz sobreviver pela essência humana.

Em cartas aos jovens poetas franceses, Nazim Hikmet afirmava que rima, metro e ritmo e outros elementos do verso não eram essenciais na poesia. Enganava-se quanto ao ritmo. Imagem e ritmo são, em suma, os componentes do poema.

Destaque-se a importância da Lingüística, ecoimando-a de enfoques sectaristas que a elegem como fator unívoco de explicação do texto. Veja-se que uma linguagem estritamente oral, de campo, de investigação sociolingüística, pode tornar-se esotérica ou vulgarizar a obra, transformada numa cópia servil da realidade, empobrecendo o estilo, num academismo pelo avesso. Os escritores que realmente têm espírito de criação popular não necessitam preocupar-se com lingüística. O Brasil não se exprime através de cactus, palmeiras, de jeca-tatu, nem de linguajares típicos. Vocabulário típico, sintaxe típica, criam uma espécie de dialeto regionalista que restringe a inteligência do texto, suprime o público e contribui para o isolamento da língua portuguesa.

O que há de positivo é a extinção de artificialismo, pois quando há representação, diálogo, ou monólogo, é necessário que a linguagem seja a falada. Mas admitir abolição narrativa, da descrição, sob o pretexto de que o escritor não escreve sobre, nem trata de algo, - isso não faz sentido. Poi o que dizem é que o escritor não trata de um assunto, mas sim faz uma escritura.

Afinal, uma obra pode e deve ser julgada pelo conteúdo.



O Realismo



Generalizou-se o equívoco de estetas, críticos, escritores e poetas de nosso tempo ao suporem que o Realismo já não é o critério de julgamento de uma obra artística. Quando não o confundem com o antigo naturalismo, de verossimilhança e correção de detalhes, julgam-no o mesmo da Questão Coimbrã, e o consideram ultrapassado pelas teorias formalistas ou pela idéia de "desinteresse", de que o real, o social e o humano constituem fatos extraliterários.

Há sim desconhecimento de que o Realismo firmou-se no pensamento universal, refletindo as conquistas da filosofia e da ciência; que representa a superação do antagonismo entre o materialismo e o idealismo; pois saiu de cena a idéia que considera inexistentes a matéria, as cousas, os objetos. As posições neopoistivas lideradas pelo Círculo de Viena e o pragmatismo tornaram-no incontestável. O agnosticismo nega somente a possibilidade de um conhecimento total da natureza.

Na atualidade é um Realismo Humanista, que vê no homem, além da convergência de fatores sociais e biológicos, a dignidade de pessoa. As idéias éticas e sociais não são consideradas forças alheias à arte e à literatura, e são vistos no fenômeno literário tanto os aspectos materiais da vida, quanto o sonho, a lenda, o mito, o ideal, o imaginário - tudo que é humano. Não é iconoclasta, nem contrário à fé, mas a favor de esperança. Estabelecendo que "arte é a natureza vista através de um temperamento amoroso"3, reconhece nela a importância fundamental do sentimento, superando a questão de oposição entre razão e sentimento. O Realismo Humanista se enriquece do conteúdo positivo do Romantismo e das conquistas formais do Modernismo.

Razão e sentimento formam o senso do bem e do belo. A emoção que origina a arte é a mesma de todos os amores humanos. Estes sempre constituem o seu conteúdo. Veja-se, por exemplo, o que ocorre com a literatura e a crítica no Brasil. O que significa a busca do caráter nacional, o chamado "instinto de nacionalidade" na literatura? Nada, senão que os autores brasileiros não divorciam da arte e da literatura o seu amor à Pátria.

- Uma Nova Crítica Humanista, com apoio no Realismo, na Estilística e na atual reconstrução humanista, tem por finalidade realçar o valor estético conteudístico, suscitando arte de vanguarda na luta pela concretização dos grandes ideais humanos. Preocupada com o público, tem de ser crítica totalizante que mostre o que é o autor, o que significa o assunto e quais as qualidades do texto. Reconhecendo a importância do típico na obra, deve agora considerar que cumpre exaltar, acima de tudo, a pessoa humana.

Uma Nova Crítica Humanista é brasileira em sua origem. O brasil é o País em que se concentram e se fundem todas as raças, cuja literatura é a de valorização de uma natureza e de um homem índio, negro, branco ou amarelo, mameluco, mulato, mestiço, que afirma o princípio e igualdade de todos os homens como pessoas.

Uma Nova Crítica Humanista pode conduzir, na arte, à reafirmação de valores espirituais imperecíveis, colocados acima dos desejos do poder e dos bens materiais do Homem.



1 Que é Lingüística? Suzete Haden Elgin, da Universidade da Califórnia, tradução de Alzira Soares da Rocha, Helena Maria Camacho, Junéia Mallas, Zahar Editores, Rio, 1974.

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