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Vidas Secas, Graciliano Ramos

sábado, 30 de maio de 2009

CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

Os abalos sofridos pelo povo brasileiro em torno dos acontecimentos de 1930, a crise econômica provocada pela quebra da bolsa de valores de Nova Iorque, a crise cafeeira, a Revolução de 1930, o acelerado declínio do nordeste condicionaram um novo estilo ficcional, notadamente mais adulto, mais amadurecido, mais moderno que se marcaria pela rudeza, por uma linguagem mais brasileira, por um enfoque direto dos fatos, por uma retomada do naturalismo, principalmente no plano da narrativa documental, temos também o romance nordestino, liberdade temática e rigor estilístico.

Os romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.

Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas. Estudou em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos jornais "Correio da Manhã e A Tarde", passou a fazer jornalismo e política elegendo-se prefeito em 1927.

Foi preso em 1936 sob acusação de comunista e nesta fase escreveu "Memórias do Cárcere", um sério depoimento sobre a realidade brasileira. Depois do cárcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945, integrou-se no Partido Comunista Brasileiro.

Graciliano estreou em 1933 com "Caetés", mas é São Berdado, verdadeira obra prima da literatura brasileira. Depois vieram "Angustia" (1936) e Vidas Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis.

Podemos justificar isto com passagens do texto:
"Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos."
"A caatinga estendia-se de um vermelho indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas"
"Resolvera de supetão aproveitá-lo (papagaio) como alimento..."
"Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores".
ESTUDO DOS PERSONAGENS

Baleia - cadela da família, tratado como gente, muito querido pelas crianças.
Sinhá Vitória - mulher de Fabiano, sofrida, mãe de 2 filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha muito na vida.
Fabiano - nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.
Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção da própria miséria que vivem.
Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados.
Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do bar).
ESTUDO DA LINGUAGEM

Tipo de discurso: indireto livre
Foco narrativo: terceira pessoa

Adjetivos, figuras de linguagem:
Metáfora: " - você é um bicho, Fabiano".
Prosopopéia: compara Baleia como gente
ANÁLISE DAS IDÉIAS

Comentário Crítico:

Esse livro retrata fielmente a realidade brasileira não só da época em que o livro foi escrito, mas como nos dias de hoje tais como injustiça social, miséria, fome, desigualdade, seca, o que nos remete a idéia de que o homem se animalizou sob condições sub-humanas de sobrevivência.

Crítica temática

sexta-feira, 29 de maio de 2009

A Crítica Temática na Actualidade

Werner Sollors


Nesta altura pode não ser uma das questões centrais da crítica temática perguntar o que é um tema mas, antes, como é que descobrimos um tema num texto? Quais são os problemas envolvidos na ideia de “ser acerca de alguma coisa”, quando afirmamos que um determinado texto é “acerca” de um tema? Bremond lembrava os leitores que “não existe ‘em-e-de-si-próprio’ no tema”, e chamava a atenção para a variedade de interesses cruzados, e muitas vezes inconscientes, que podem guiar a construção de um tema por exemplo estético, lógico, estatístico, genealógico, psicanalítico, estruturalista, nacionalista ou autobiográfico. Menachem Brinker defendia a ideia que uma afirmação pode ser absolutamente ou relativamente “acerca” de alguma coisa [...].

Pavel estabeleceu uma distinção entre um texto que força explicitamente os leitores a interessarem-se por um tema (o lesbianismo na obra de Balzac “A Rapariga de Olhos Dourados”), e um texto que precisa de um esforço especial (mesmo forçado) por parte do crítico para identificar um tema (Twelfth Night e o homoerotismo); Theodor Wolpers observou que na crítica ideológica “têm sido sugeridos temas ou posições ideológicas que só muito remotamente estão relacionados com os sentidos intrínsecos da obra estudada”. Como é que se chega a tais distinções? Para Pavel, a máxima berkeleyana da crítica temática não declarada é a seguinte: “Para um tema, ser identificado é ser”. Os censores podem participar neste jogo livre da estruturação temática - como aconteceu com aquele pobre bibliotecário de Alabama que queria fazer desaparecer da biblioteca o belo livro infantil The Rabbits’ Wedding (1958), de Garth Williams, porque o casamento da coelha branca com o coelho preto parecia tematizar, talvez mesmo advogar, o casamento inter-racial - que na altura era ainda ilegal naquele Estado.

[...] Será que podemos esperar algum tipo de acordo geral quanto ao que é explícito e implícito nos textos - uma decisão que pode ter consequências muito sérias? O processo de “estruturação temática” - identificação de temas - parece estar envolvido em mistério. Na era da indeterminação, pode ser mais fácil afirmar que uma obra não é acerca de uma tema em particular, sobretudo se se tratar de uma escolha absurda. Nili Diengott usou uma vez “A Station of the Metro”, de Ezra Pound, como exemplo de um poema sobre o qual não se podia dizer que era acerca do preceito de que devemos beber leite com frequência. Do mesmo modo, Erwin Panofsky observou que o tecto da Capela Sistina pode ser mais bem compreendido se reconhecermos que Michelangelo representa a queda e não um “déjeuner sur l’herbe” (Diengott 1988, 95-107; Kaemmerling 1991, 188). Existirão algumas regras básicas de plausibilidade para a identificação de temas na prática contemporânea?

Angústia, Graciliano Ramos

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.


Angústia é um romance publicado por Graciliano Ramos em 1936. À época Graciliano estava preso pelo governo de Vargas e contou com ajuda de amigos, entre os quais José Lins do Rego, para a publicação.

A obra apresenta um narrador em primeira pessoa, Luís da Silva, funcionário público de 35 anos, solitário, desgostoso da vida e que acaba se envolvendo com sua vizinha, Marina. Com traços existencialistas, Luís mistura fatos do passado e do presente, narra num ritmo frenético como um grande monólogo interior.

Segundo o crítico Alfredo Bosi "tudo nesse romance sufocante lembra o adjetivo “degradado” que se apõe ao universo do herói problemático; estamos no limite entre o romance de tensão crítica e o romance intimista. Foi a experiência mais moderna, e até certo ponto marginal, de Graciliano. Mas a sua descendência na prosa brasileira está viva até hoje".

O leitor de Angústia certamente lembrará de Crime e Castigo, de Dostoiévski, pois em ambos há as angústias de um crime, o medo de ser pego, a febre; em Angústia o crime é o clímax, enquanto em Crime e Castigo é o ponto de partida para a história, e a personagem consegue a redenção. Outra influência marcante é a dos naturalistas brasileiros, especialmente à Aluízio Azevedo, o determinismo e a animalização do homem. O narrador não quer ser um rato, luta contra isso; compara-se o tempo todo os homens aos bichos, porcos, formigas, ratos, e usa-se verbos de animais para as reações humanas.

Ficha de Leitura

* Título: Angústia
* Autor: Graciliano Ramos
* Ano de Publicação: 1936
* Local de Publicação: Brasil
* Contexto Histórico: Estado Novo, auge do Romance de 30, com temáticas nordestinas; Graciliano está preso pelo governo de Vargas
* Modo/gênero/subgênero: Narrativo / Romance
* Período literário: Romance de 30
* Obras anteriores do autor: Caetés (1933); São Bernardo (1934)
* Obras posteriores do autor: Vidas Secas (1938); Memórias do Cárcere (1953)
* Temas: angústia, solidão, ausência de sentido para a vida
* Tempo: narrado no pretérito
* Espaço: Maceió (Alagoas)
* Narrador: Onisciente autodiegético, 1ª pessoa, Luís da Silva

Personagens

* Luís da Silva: 35 anos, funcionário público, fora muito pobre, homem solitário, acha-se feio
* Julião Tavares: filho de negociante, patriota; gordo, mulherengo, antagonista; é morto por Luís
* Marina: graciosa vizinha por quem Luís se apaixonaria
* D. Adélia: mãe de Marina
* Seu Ramalho: pai de Marina
* D. Vitória: empregada de Luís da Silva
* Moisés e Pimentel: amigos do jornal
* Vizinhos: Lobisomen, D. Rosália e o marido caixeiro-viajante, datilógrafa

Trechos

“Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição.” Cap. 1

“Os defeitos, porém, só me pareceram censuráveis no começo das nossas relações. Logo que se juntaram para formar com o resto uma criatura completa, achei-os naturais, e não poderia imaginar Marina sem eles, como não a poderia imaginar sem corpo.” Cap. 14

“Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há pior espécie de prostituição.” Cap. 17

“É uma tristeza. A senhora lavando, engomando, cozinhando, e seu Ramalho na quentura da usina elétrica, matando-se para sustentar os luxos daquela tonta. Sua filha não tem coração.” Cap. 18

Semiótica na moda: uma imagem vale mais que mil palavras

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Maria Elisa Magalhães Barbosa



A SEMIÓTICA NA MODA

De acordo com Lúcia Santaella “o estudo da linguagem e dos signos é muito antigo. A preocupação com os problemas da linguagem começam na Grécia. A semiótica implícita compreende todas as investigações sobre a natureza dos signos, da significação e da comunicação, é uma semiótica explícita quando a ciência semiótica propriamente dita começou a se desenvolver” (SANTAELLA, 2002: XII).

Winfried Nöth relata que para Peirce “a semiótica não é uma ciência especial ou especializada, como são as ciências especiais, a física, a química, a biologia, a sociologia, a economia, etc., quer dizer, ciências que têm um objeto de estudo delimitado e de cujas teorias podem ser extraídas ferramentas empíricas para serem utilizadas em pesquisas aplicadas” (NÖTH, 1995: 5).

A noção de signo é básica na lingüística. Signo é a menor unidade de um código dado. As famílias de signos não cessam de se multiplicar pelo planeta.

O desenvolvimento a partir de raízes estruturalistas foi evidente nos trabalhos de Roland Barthes (1915-1980). Ele foi um estruturalista e propagou o programa semiológico de Saussure. No quadro do paradigma estruturalista atingiu o clímax com o seu sistema da Moda (1967).

Abordando a cultura de massa Barthes analisou e encontrou a chave para as primeiras análises semióticas. Definiu o signo como um sistema constituído de E, uma expressão R em relação e C um conteúdo (ERC).

Tal sistema sígnico primário pode se tornar um elemento de um sistema sígnico mais amplo. Se a extensão é de conteúdo, o signo primário se torna a expressão de um sistema sígnico secundário. Neste caso, o signo primário é de semiótica denotativa, enquanto o signo secundário é de semiótica conotativa.

Na crítica literária e cultural, Barthes empregou o conceito de semiótica conotativa para revelar as mais diversas significações ocultas em textos. No seu estudo Mitologias, ele definiu tais sistemas de significações secundárias como mitos. Os meios de comunicação de massa criam mitologias e ideologias como sistemas conotativos. No nível conotativo, ele esconde significações secundárias e ideológicas e no denotativo elas expressam significações primárias “naturais”.

Para Barthes, “o mito é sempre uma linguagem roubada” (BARTHES, 1993: 131). Para J. Lotman, “a arte e a cultura em geral são consideradas como sistemas de modelagem secundárias” (LOTMAN, 1979: 7). Para Pierce, é um significado, que aparece como resultado de um acordo interpretativo dos intérpretes do signo.

Barthes vê uma nova abordagem de semiologia ou a nova mitologia, já não será capaz de separar tão facilmente o significante do significado, o ideológico do fraseológico.



UMA IMAGEM VALE MAIS DO QUE MIL PALAVRAS

A teoria semiótica nos habilita a penetrar no movimento interno das mensagens, o que nos dá a possibilidade de empreender os procedimentos e recursos empregados nas palavras, imagens, diagramas, sons, nas relações entre elas, permitindo a análise das mensagens.

As mensagens podem ser analisadas em si mesmas, nas suas propriedades internas, quer dizer, nos seus aspectos qualitativos, sensórios, tais como, na linguagem visual, por exemplo as cores, linhas, formas, volumes, movimento, dinâmica, quando, em terminologia semiótica, analisa-se os quali-signos das mensagens.

Para Embacher, citado por Maria Luiza Feitosa de Souza “a moda (indumentária), uma anciã em meados da Idade Média, emerge poderosa neste fim de século, com toda a complexidade de objeto epistemológico dos mais instigantes.” (SOUZA, 2003)

O mesmo autor verbera que “o vestuário participa da constituição da identidade e é por ela constituído, e verifica também a possibilidade do indivíduo, ao construir seu próprio estilo, ser capaz de tornar-se representante de si mesmo, criando uma identidade, que articula as igualdades e as diferenças que constituem e são constituídas pela história desse mesmo indivíduo” (Idem. Ibidem). Isto porque, “a grande realização humana na conquista da identidade pessoal é conseguir adequar os papéis sociais que é obrigada a desempenhar, à capacidade de pautar essa identidade pelo seu desejo.” (Idem, Ibidem)

E sintetiza mostrando ser esta situação “uma autonomia que emancipa o sujeito proporcionando-lhe, entre outras coisas, um estilo próprio de vestir. Um estilo capaz de expressar o que ele está–sendo e o que ele é sem-estar-sendo, coerente com o movimento contínuo de concretização que lhe permite ser representante de si, com autonomia, na busca da mesmidade.” (Idem, Ibidem)

Ana Paula Celso de Miranda e Maria Carolina Garcia, afirmam que “atitudes levam as pessoas a gostarem ou não das coisas, aproximarem-se ou afastarem-se delas. Esses gostos e desgostos são chamados atitudes.” (MIRANDA, 2003)

Estas mesmas autoras, citando Eco, afirmam que “sendo a moda símbolo na essência, parece certo afirmar que à ela se aplica perfeitamente transferência de significados, visando a comunicação integrante de sociedades, onde tudo comunica, sendo assim, o vestuário é comunicação.” (MIRANDA, e GARCIA, 2003)

O indivíduo possui tendência psicológica a imitação e proporciona a satisfação de não estar sozinho. Imitar não só transfere a atividade criativa, mas responsabilidade sobre a ação dele para o outro. A necessidade de imitação vem da necessidade de similaridade. Daí a moda é a imitação de modelo estabelecido que satisfaça a demanda por adaptação social, diferenciação e mudança, que é adotada por um grupo social.

A moda, dentre outras, possui, duas vertentes singulares: uma é a individualidade e a outra a necessidade de integração social. Salomon, a nós trazido por Ana Paula Celso de Miranda e Maria Carolina Garcia ensina que “moda é processo muito complexo que opera níveis. Em um extremo, está o macro, fenômeno que afeta muitas pessoas simultaneamente, ela exerce efeito muito pessoal no comportamento individual. As decisões de compra do consumidor freqüentemente motivadas pelo desejo de estar na moda.” (MIRANDA e GARCIA, 2003)

As mencionadas autoras, agora com substrato em Freyre registram que “a moda se impõe (...) é a pressão, sobre esse gosto de um consenso coletivo.” (MIRANDA e GARCIA, 2003)

Dos muitos símbolos e expressões, a roupa é uma das mais importantes linguagens não verbalizadas do eu que passa de controle social. Por ela as pessoas procuram comunicar para os outros, esta percepção de si, que demandam a integração social mediante o que é culturalmente aceito. A moda é um dispositivo social, portanto o comportamento orientado pela moda é fenômeno do comportamento humano generalizado e está presente na sua interação com o mundo. Nesse sentido afirma Baudrillard que “se modernidade define-se pela hegemonia do código, a moda, enquanto dimensão total dos signos, é sua instância emblemática. A moda constitui uma ruptura profunda no pensamento discursivo, mergulhando-o na irreverência absoluta, ela desarticula o esquema tradicional da representação”. (BAUDRILLARD, 1996)

Que nos impõe profundamente à moda é a ruptura com uma ordem imaginária: a da Razão sobre a todas as formas.

Umberto Eco assevera que a moda é um exercício contínuo de recuperação das formas repertoriadas, num processo de estilização ao qual é indiferente qualquer dimensão de profundidade.

Para Baudrillard na tolerância do passado está envolta na ambigüidade do simulacro. Ao ressuscitar o passado, a moda, o exclui. A moda é sempre retrô, mas com base na abolição do passado: morte e ressurreição espectral das formas. A moda é a preeminência do trabalho morto dos signos sobre a significação. A moda simula o dinamismo interno do ser, isto é, o próprio devir. Nesse sentido é que ela se situa numa relação de contemporaneidade e de complementaridade com o museu. Moda e museu são cúmplices e se opõem conjuntamente a todas as culturas anteriores feitas de signos inequivalentes e de estilos incompatíveis.

Os modelos regem o campo da moda. Existe, uma diferença fundamental entre a função totalizante da moda na modernidade e a função do ritual na ordem primitiva, à qual escapa o efeito estético da ostentação pelos signos que caracteriza o sistema da moda. A moda assume diante da funcionalidade econômica o aspecto de festa e de gratuidade. Exerce uma fascínio que advém dos aspectos de inutilidade e de arbitrariedade que lhes são próprios.

O sistema da moda é paradoxal e enquanto código absoluto ela está acima de qualquer valor. A imoralidade da moda torna-a impenetrável à racionalidade revolucionária.

A única alternativa para Baudrillard é a descontração sígnica, ou seja, a desestruturação do código, que se obtém jogando-o contra si mesmo.

O design na moda, nos possibilita entender a semiótica, que é como uma embalagem, um rótulo que é utilizado na moda para despertar sensações. São elementos comuns do design: o brilho, que são sinais visuais, que pontilham a rastro da roupa. Esse rastro marca com uma clareza a oposição entre brilho e não–brilho. Essa opção marcante entre duas qualidades, a de brilhar e a de não-brilhar dá essa alternativa uma predominância qualitativa e icônica.

Para Lúcia Santaella (2002: 24 e ss.),

O signo está apto a provocar em um intérprete sentimentos, isto é, um interpretante emocional. Ícones tendem a produzir esse tipo de interpretante com mais intensidade. Os interpretantes emocionais estão sempre presentes em quaisquer interpretações, mesmo quando não nos damos conta deles.

Um signo pode ser energético, que corresponde a uma ação física ou mental, quer dizer, o interpretante exige um dispêndio de energia de alguma espécie. A moda tende a produzir esse tipo de interpretante com mais intensidade, pois os índices chamam nossa atenção, dirigem nossa retina mental ou nos movimentam na direção do objeto que eles indicam conotação do brilho nas roupas surge por trás da linha do horizonte e a conotação de revelação na forma que está por trás do uso da roupa e que da a predominância metafórica.

A imagem é uma opção na moda que mantém a unidade de todo o conjunto. As imagens indicam todo o processo que é visto e a predominância referencial dessa imagem.

O brilho, a imagem e a conotação fazem parte de todo esse processo no mundo da moda. Há alguns traços comuns que são caracteres semióticos comuns no mundo da moda. O poder da imagem está nas cores. Algumas cores predominam outras apenas são pinceladas. O azul é uma cor fria. O amarelo, uma cor quente, o branco é inexistência de cor, o laranja o brilho do sol, o vermelho é uma cor carregada.

Elas encantam, emocionam. A síntese das cores é o branco. As linhas são eficazes, porque sugerem movimento, dando a sensação de uma certa leveza. As linhas diagonais, as simétricas, as circulares, todas as linhas imaginárias ou não, transmitem ao tecido um significado bem próprio. Significado esse que leva o interpretante a viajar nos padrões da moda.

As formas que são elementos distribuídos no tecido são reforçados pela cor que funciona como traço distintivo entre um padrão e outro.

Enquanto o primeiro é mais formal, o segundo é mais subjetivo e ainda mais significativo.

A distribuição de elementos, desenhos, símbolos e outros caracteres também faz com que o tecido fique ainda mais chamativo para o usuário. Nos padrões da moda, há um certo apelo sinestésico, isto é as imagens visam produzir sensações não só visuais, como também sensações táteis, olfativas com o apelo sinestésico do cheiro de roupa nova.

Nas relações entre a imagem e mensagem predomina a complementaridade. Quer dizer as mensagens são organizadas de modo visual seja capaz de transmitir tanta informação que já passaram visualmente e acrescentar informações específicas que o visual não é capaz de transmitir. Isso fica claro nas diferenças das cores que criam uma distinção que vem a ser especificada pelas palavras que dão nome às cores.

As palavras também se relacionam com as imagens, predominando também a complementaridade. Quer dizer, as mensagens são organizadas de modo que o visual seja capaz de transmitir a informação. Os padrões são especificados pelas diferentes cores, diferentes matizes, diferentes desenhos, que as roupas trazem formando assim uma distinção de padrões dentro da moda.

Padrões esses que dizem respeitos aos elementos culturais, as convenções de época que a moda incorpora. Os elementos culturais e convenções só funcionam simbolicamente para um interpretante. Dependendo do tipo de intérprete, dependendo especialmente do repertório cultural que o intérprete internalizou, alguns significados simbólicos se atualizarão, outros não.

Os interpretantes por estarem no mundo, por fazerem parte dos desígnios da vida, os efeitos que os signos poderão porventura produzir no seu dia-a-dia são tão enigmáticos quanto o próprio desenrolar da vida.

A moda atende cegamente aos ditames do consumo. Se uma imagem é um bom produto, se vende bem, essa imagem será perseguida sem tréguas e sem limites.

A conclusão a que se chega é no sentido de que emoções são signos e, como tais a moda nos causa emoções. Nesse ponto, o caminho parece estar aberto para a nossa análise semiótica da moda como uma emoção, em pecado emocional que é um signo.

Qualquer signo, todo signo, mesmo um signo mental, deve estar corporificado. Estando corporificado, o signo tem qualidades materiais que lhe são peculiares como uma entidade ou evento que ele é, independente de sua função representativa.

Em conclusão, cita-se Barthes, para quem “o signo é, pois, composto de um significante e um significado. O plano dos significantes constitui o plano de expressão e dos significados o plano de conteúdo”. (BARTHES, 1997: 43)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978

––––––. Elementos de semiologia. 17ª ed. São Paulo: Cultrix, 1997

––––––. O sistema da moda. São Paulo: Nacional, 1979

––––––. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993

BAUDRILLARD, Jean. A troca semiótica e morte. São Paulo: Loyola. 1996

––––––. Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes, 1972

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1969

LOTMAN, I. M. et al. Semiótica de la cultura Madri: Cátedra, 1979

MIRANDA, Ana Paula Celso de. e GARCIA, Maria Carolina. Influenciadores e hábitos de mídia no comportamento do consumo de moda – parte 3. Disponível em www.recmoda.com.br/bazar/008.html. Acesso em 18 nov. 2003

NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.

PEIRCE. Charles Sanders. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix

RAMOS, Maria Luiza. Os avessos da linguagem. Belo Horizonte: Imprensa Universitária, 1990

SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

SOUZA, Maria Luiza Feitosa de. Resenha sobre o livro: Moda e identidade – a construção de um estilo próprio – Airton Embacher – Anhembi Morumbi, publicado no Jornal da Tarde – julho de 1999. Disponível em: www.pucsp.br/pos/cos/moda/resenhal.htm. Acesso em 18 nov. 2003.

Metáfora

A intuição de que estamos diante de uma metáfora começa quando, ao fazermos uma leitura imediata, nos deparamos com uma impertinência. Ou se atribui a um referente algo que não lhe diz respeito ou se classifica o referente numa classe a que não pertence. Constatada a impertinência, o receptor da mensagem vai aplicar à situação um algoritmo metafórico. Se a aplicação for plausível teremos a metáfora, caso contrário, um lapso, uma impropriedade ou outro fenômeno.

O algoritmo da metáfora comporta até quatro elementos:

*

comparado.
*

comparante.
*

atributo explícito.
*

atributo implícito.

O atributo explícito só aparece em metáforas de segundo tipo. O atributo implícito deve ser pertinente ao comparante e ao comparado, o atributo explícito pertinente ao comparante. Determinar o atributo implícito é decifrar a metáfora, mas não o atributo na sua essência e sim todas as modificações e acréscimos que decorrem de sua ligação com o comparante. Para tanto, temos que nos basear no contexto selecionando entre os atributos possíveis aquele ou aqueles mais plausíveis. A decifração fica mais direcionada se o comparante tiver atributos marcados.

Atributo marcado

É aquele que tem com seu sujeito uma relação simbólica, ou seja, a cultura convenciona que o atributo marcado é um símbolo de seu sujeito ou vice-versa. Assim, 'altura' é um atributo marcado de 'girafa', 'peso' é um atributo marcado de 'elefante'.

Assim como na comparação, o objetivo da metáfora é dar expressividade a uma atribuição.

A metáfora é uma comparação elíptica em que sempre está ausente o atributo comum. Em muitos casos também faltam as balizas de comparação: 'como', 'tal qual', etc. Quando não há baliza de comparação, a estrutura sintática da metáfora de tipo I fica igual à usada para estabelecer identidades. Daí a metáfora ser vista como uma impertinência na leitura imediata.

Sejam as frases:

Quintiliano é o autor de Instituições Oratórias.

Aristóteles é genial.

Maria é uma flor.

A primeira frase serve para o estabelecimento de uma relação de equivalência. O significado de Quintiliano é considerado equivalente ao de autor de Instituições Oratórias. Equivalência redutível a uma relação tautológica do tipo A é A.

Na segunda frase, o que se estabelece é uma relação determinado determinante. O termo genial é determinante de Aristóteles, trata-se de uma atribuição.

Na terceira frase, temos uma metáfora.

A forma sintática das três frases é a mesma. Em função disso a metáfora numa leitura imediata aparece como impertinência. Esta semelhança entre as formas sintáticas não é ocasional. Sendo a metáfora uma comparação elíptica, ela nos é apresentada pela mesma forma que se usa para estabelecer identidades. É provável que alguma operação mental menos rigorosa que as operações lógicas estabeleça que o semelhante pode ser tratado como idêntico. Pelo mesmo tratamento relaxado das relações entre os objetos surgem os sofismas de arredondamento, por exemplo.

Metáforas tipo I

São as que explicitam comparado e comparante.

Observe os enunciados que mostram a mesma metáfora:

Maria é uma flor.

Maria é como uma flor.

Maria: uma flor.

Maria flor.

Imaginemos as frases acima proferidas num contexto em que 'Maria' é uma mulher. Pela leitura imediata concluímos que estamos diante de uma impertinência, pois, 'mulher' e 'flor' são classes disjuntas.

O algoritmo da metáfora consiste em determinar:

O comparado: Maria.

O comparante: flor.

O atributo implícito: provavelmente bela, delicada, perfumosa, suave, etc.

A determinação do atributo implícito nem sempre é simples. A pertinência ao contexto é fundamental. A metáfora é um recurso de semântica aberta e em certos casos as incertezas quanto ao atributo implícito são grandes.

Metáforas tipo II

São aquelas que explicitam comparado e atributo explícito.

Exemplo: cor quente.

Comparado: cor.

Comparante: temperatura

Atributo explícito: quente

Atributo implícito: capacidade de gerar impressões fortes e enérgicas.

Um segundo exemplo: amargo regresso

Comparado: regresso

Comparante: sabor

Atributo explícito: amargo

Atributo implícito: ruim, desagradável, etc.

Metáforas tipo III

Nesse tipo de metáfora, o comparante substitui o comparado.

Exemplo: a chave do problema.

Comparado: solução

Comparante: chave

Atributo implícito: capacidade de abrir portas, caminhos, etc.

Um caso particular é aquele em que ao comparante se atribui características do comparado. Exemplos:

O homem é um caniço pensante.

O basset é um salsichão de patas.

Pela metáfora não se compara apenas objetos, mas também fenômenos. Assim, são metáforas:

Correr como raio.

Ficar gelado de medo.

Chorar lágrimas de sangue.

Metáfora original e metáfora lexicalizada

A metaforização é um processo de vasto uso na criação de léxico. Uma metáfora pode se vulgarizar a ponto de se converter em léxico. Em muitos casos, a percepção da origem metafórica chega a se dissipar. A metáfora lexicalizada, a rigor, deixa de existir como metáfora.

Quando dizemos 'Maria é uma flor' estamos sugerindo que o enunciado seja decodificado por um algoritmo metafórico, no qual Maria continua a denominar uma mulher e flor continua a designar um vegetal, ou seja, na metáfora original nem comparado, nem comparante sofrem mutação ou transferência de sentido. Maria continua a designar a Maria e flor continua a designar a flor. Se a comunidade começar a chamar a Maria sempre por flor teremos uma lexicalização. O termo flor passará a ser signo para a Maria. Neste caso estamos diante de uma lexicalização que teve origem numa metáfora. Será justo dizer que flor passou por uma transferência de sentido? Isso gerou a clássica concepção dos tropos como 'palavra tomada em outro sentido'. Essa concepção designa, a rigor, o processo de lexicalização originado a partir de tropos. Na metáfora original não há nenhuma alteração de sentido dos signos nela envolvidos.

Hipérbole

A hipérbole é um caso especial de metáfora, usada para passar uma impressão de grau extremo em que o comparante caracteriza-se por ser um extremo em relação ao comparado.

Exemplo: demorou um século

Comparado: tempo da demora.

Comparante: um século.

Atributo implícito: demora.

O comparante é um extremo na classe dos eventos demorados da qual faz parte o comparado.

Um caso notável de hipérbole é aquele que se orgina de arredondamentos. O comparante é um arredondamento extremado que se relaciona com o comparado. Um exemplo: 'Moro onde não mora ninguém'. Numa leitura imediata, temos uma contradição. O comparado cabível seria onde quase ninguém mora.

Geralmente a hipérbole apela para o maravilhoso. Alguns exemplos:

Cuspir fogo pela boca.

Comer o pão que o diabo amassou.

Chorar lágrimas de sangue.

Agregado de significação da metáfora

Na frase 'Maria é uma flor' consideremos que a intenção seja dizer que Maria é bela. Mas por que então usar a metáfora e não o termo próprio? Com a metáfora não se diz apenas que Maria é bela mas também como é essa beleza, que tipo, que grau. A metáfora agrega significação ao discurso relativamente ao enunciado próprio que vem da sua decifração. Esse agregado de significação é que torna a metáfora um recurso espetacular de expressão, insubstituível, em muitos casos, por outros recursos.

Excelência da metáfora

Será tanto melhor quando:

*

os atributos implícitos inferidos forem muitos.
*

os atributos implícitos forem pertinentes ao comparado.
*

os atributos implícitos forem muito característicos do comparante.
*

pela metáfora se obtiver palpabilidade.
*

a metáfora intensificar ou atenuar.

Funções da metáfora

A metáfora é usada quando:

*

não há termo próprio para a situação.
*

o termo próprio não tem a conotação desejada.
*

se quer evitar a repetição do termo próprio.
*

se quer fazer comparações palpáveis.
*

se quer direcionar a atenção para o significante.
*

se busca novidade.

Comparações desconcertantes

Se o enunciado 'X é Y' não admitir leitura imediata trata-se de metáfora. Esse é o procedimento que comumente adotamos diante de enunciados do tipo dado. Diante de frases deste tipo, nossas mentes começam a trabalhar automaticamente na busca de uma semelhança entre X e Y, que viabilize a metáfora. O caso mais frustrante seria aquele em que X e Y são tão díspares que a única semelhança que se pode imputar aos dois é a do ser. A qualidade de uma metáfora está associada à semelhança induzida entre os elementos X e Y.

A definição aristotélica da metáfora

A definição aristotélica da metáfora: palavra tomada em outro sentido, embora seja pertinente à metáfora, não a enquadra. Outros recursos de estilo se enquadram na definição aristotélica de metáfora como o ato falho, a impropriedade, a ironia, o oxímoro.

A metáfora não precisa ser uma palavra, mas uma unidade semântica, que não precisa ser mínima como é a palavra.

A metáfora não está presa a uma forma. Podemos dizer: Maria é uma flor ou Maria flor ou ainda Maria é como uma flor.

Nas três formas subsiste a mesma metáfora.

A metáfora não se diferencia da comparação por termos de comparação: como, tal qual, etc. A diferença entre comparação e metáfora é que na metáfora o atributo comum está elíptico. A metáfora é um algoritmo analógico.

Tropos

A metáfora, juntamente com a metonímia, a alegoria, a ironia, o oxímoro e alguns trocadilhos formam um grupo de recursos de Retórica semânticos chamados de tropos. Os tropos caracterizam-se por parecerem impertinências numa análise superficial, ora impertinências lógicas, ora contextuais.

Semiótica na moda: uma imagem vale mais que mil palavras

terça-feira, 26 de maio de 2009

Maria Elisa Magalhães Barbosa



A SEMIÓTICA NA MODA

De acordo com Lúcia Santaella “o estudo da linguagem e dos signos é muito antigo. A preocupação com os problemas da linguagem começam na Grécia. A semiótica implícita compreende todas as investigações sobre a natureza dos signos, da significação e da comunicação, é uma semiótica explícita quando a ciência semiótica propriamente dita começou a se desenvolver” (SANTAELLA, 2002: XII).

Winfried Nöth relata que para Peirce “a semiótica não é uma ciência especial ou especializada, como são as ciências especiais, a física, a química, a biologia, a sociologia, a economia, etc., quer dizer, ciências que têm um objeto de estudo delimitado e de cujas teorias podem ser extraídas ferramentas empíricas para serem utilizadas em pesquisas aplicadas” (NÖTH, 1995: 5).

A noção de signo é básica na lingüística. Signo é a menor unidade de um código dado. As famílias de signos não cessam de se multiplicar pelo planeta.

O desenvolvimento a partir de raízes estruturalistas foi evidente nos trabalhos de Roland Barthes (1915-1980). Ele foi um estruturalista e propagou o programa semiológico de Saussure. No quadro do paradigma estruturalista atingiu o clímax com o seu sistema da Moda (1967).

Abordando a cultura de massa Barthes analisou e encontrou a chave para as primeiras análises semióticas. Definiu o signo como um sistema constituído de E, uma expressão R em relação e C um conteúdo (ERC).

Tal sistema sígnico primário pode se tornar um elemento de um sistema sígnico mais amplo. Se a extensão é de conteúdo, o signo primário se torna a expressão de um sistema sígnico secundário. Neste caso, o signo primário é de semiótica denotativa, enquanto o signo secundário é de semiótica conotativa.

Na crítica literária e cultural, Barthes empregou o conceito de semiótica conotativa para revelar as mais diversas significações ocultas em textos. No seu estudo Mitologias, ele definiu tais sistemas de significações secundárias como mitos. Os meios de comunicação de massa criam mitologias e ideologias como sistemas conotativos. No nível conotativo, ele esconde significações secundárias e ideológicas e no denotativo elas expressam significações primárias “naturais”.

Para Barthes, “o mito é sempre uma linguagem roubada” (BARTHES, 1993: 131). Para J. Lotman, “a arte e a cultura em geral são consideradas como sistemas de modelagem secundárias” (LOTMAN, 1979: 7). Para Pierce, é um significado, que aparece como resultado de um acordo interpretativo dos intérpretes do signo.

Barthes vê uma nova abordagem de semiologia ou a nova mitologia, já não será capaz de separar tão facilmente o significante do significado, o ideológico do fraseológico.



UMA IMAGEM VALE MAIS DO QUE MIL PALAVRAS

A teoria semiótica nos habilita a penetrar no movimento interno das mensagens, o que nos dá a possibilidade de empreender os procedimentos e recursos empregados nas palavras, imagens, diagramas, sons, nas relações entre elas, permitindo a análise das mensagens.

As mensagens podem ser analisadas em si mesmas, nas suas propriedades internas, quer dizer, nos seus aspectos qualitativos, sensórios, tais como, na linguagem visual, por exemplo as cores, linhas, formas, volumes, movimento, dinâmica, quando, em terminologia semiótica, analisa-se os quali-signos das mensagens.

Para Embacher, citado por Maria Luiza Feitosa de Souza “a moda (indumentária), uma anciã em meados da Idade Média, emerge poderosa neste fim de século, com toda a complexidade de objeto epistemológico dos mais instigantes.” (SOUZA, 2003)

O mesmo autor verbera que “o vestuário participa da constituição da identidade e é por ela constituído, e verifica também a possibilidade do indivíduo, ao construir seu próprio estilo, ser capaz de tornar-se representante de si mesmo, criando uma identidade, que articula as igualdades e as diferenças que constituem e são constituídas pela história desse mesmo indivíduo” (Idem. Ibidem). Isto porque, “a grande realização humana na conquista da identidade pessoal é conseguir adequar os papéis sociais que é obrigada a desempenhar, à capacidade de pautar essa identidade pelo seu desejo.” (Idem, Ibidem)

E sintetiza mostrando ser esta situação “uma autonomia que emancipa o sujeito proporcionando-lhe, entre outras coisas, um estilo próprio de vestir. Um estilo capaz de expressar o que ele está–sendo e o que ele é sem-estar-sendo, coerente com o movimento contínuo de concretização que lhe permite ser representante de si, com autonomia, na busca da mesmidade.” (Idem, Ibidem)

Ana Paula Celso de Miranda e Maria Carolina Garcia, afirmam que “atitudes levam as pessoas a gostarem ou não das coisas, aproximarem-se ou afastarem-se delas. Esses gostos e desgostos são chamados atitudes.” (MIRANDA, 2003)

Estas mesmas autoras, citando Eco, afirmam que “sendo a moda símbolo na essência, parece certo afirmar que à ela se aplica perfeitamente transferência de significados, visando a comunicação integrante de sociedades, onde tudo comunica, sendo assim, o vestuário é comunicação.” (MIRANDA, e GARCIA, 2003)

O indivíduo possui tendência psicológica a imitação e proporciona a satisfação de não estar sozinho. Imitar não só transfere a atividade criativa, mas responsabilidade sobre a ação dele para o outro. A necessidade de imitação vem da necessidade de similaridade. Daí a moda é a imitação de modelo estabelecido que satisfaça a demanda por adaptação social, diferenciação e mudança, que é adotada por um grupo social.

A moda, dentre outras, possui, duas vertentes singulares: uma é a individualidade e a outra a necessidade de integração social. Salomon, a nós trazido por Ana Paula Celso de Miranda e Maria Carolina Garcia ensina que “moda é processo muito complexo que opera níveis. Em um extremo, está o macro, fenômeno que afeta muitas pessoas simultaneamente, ela exerce efeito muito pessoal no comportamento individual. As decisões de compra do consumidor freqüentemente motivadas pelo desejo de estar na moda.” (MIRANDA e GARCIA, 2003)

As mencionadas autoras, agora com substrato em Freyre registram que “a moda se impõe (...) é a pressão, sobre esse gosto de um consenso coletivo.” (MIRANDA e GARCIA, 2003)

Dos muitos símbolos e expressões, a roupa é uma das mais importantes linguagens não verbalizadas do eu que passa de controle social. Por ela as pessoas procuram comunicar para os outros, esta percepção de si, que demandam a integração social mediante o que é culturalmente aceito. A moda é um dispositivo social, portanto o comportamento orientado pela moda é fenômeno do comportamento humano generalizado e está presente na sua interação com o mundo. Nesse sentido afirma Baudrillard que “se modernidade define-se pela hegemonia do código, a moda, enquanto dimensão total dos signos, é sua instância emblemática. A moda constitui uma ruptura profunda no pensamento discursivo, mergulhando-o na irreverência absoluta, ela desarticula o esquema tradicional da representação”. (BAUDRILLARD, 1996)

Que nos impõe profundamente à moda é a ruptura com uma ordem imaginária: a da Razão sobre a todas as formas.

Umberto Eco assevera que a moda é um exercício contínuo de recuperação das formas repertoriadas, num processo de estilização ao qual é indiferente qualquer dimensão de profundidade.

Para Baudrillard na tolerância do passado está envolta na ambigüidade do simulacro. Ao ressuscitar o passado, a moda, o exclui. A moda é sempre retrô, mas com base na abolição do passado: morte e ressurreição espectral das formas. A moda é a preeminência do trabalho morto dos signos sobre a significação. A moda simula o dinamismo interno do ser, isto é, o próprio devir. Nesse sentido é que ela se situa numa relação de contemporaneidade e de complementaridade com o museu. Moda e museu são cúmplices e se opõem conjuntamente a todas as culturas anteriores feitas de signos inequivalentes e de estilos incompatíveis.

Os modelos regem o campo da moda. Existe, uma diferença fundamental entre a função totalizante da moda na modernidade e a função do ritual na ordem primitiva, à qual escapa o efeito estético da ostentação pelos signos que caracteriza o sistema da moda. A moda assume diante da funcionalidade econômica o aspecto de festa e de gratuidade. Exerce uma fascínio que advém dos aspectos de inutilidade e de arbitrariedade que lhes são próprios.

O sistema da moda é paradoxal e enquanto código absoluto ela está acima de qualquer valor. A imoralidade da moda torna-a impenetrável à racionalidade revolucionária.

A única alternativa para Baudrillard é a descontração sígnica, ou seja, a desestruturação do código, que se obtém jogando-o contra si mesmo.

O design na moda, nos possibilita entender a semiótica, que é como uma embalagem, um rótulo que é utilizado na moda para despertar sensações. São elementos comuns do design: o brilho, que são sinais visuais, que pontilham a rastro da roupa. Esse rastro marca com uma clareza a oposição entre brilho e não–brilho. Essa opção marcante entre duas qualidades, a de brilhar e a de não-brilhar dá essa alternativa uma predominância qualitativa e icônica.

Para Lúcia Santaella (2002: 24 e ss.),

O signo está apto a provocar em um intérprete sentimentos, isto é, um interpretante emocional. Ícones tendem a produzir esse tipo de interpretante com mais intensidade. Os interpretantes emocionais estão sempre presentes em quaisquer interpretações, mesmo quando não nos damos conta deles.

Um signo pode ser energético, que corresponde a uma ação física ou mental, quer dizer, o interpretante exige um dispêndio de energia de alguma espécie. A moda tende a produzir esse tipo de interpretante com mais intensidade, pois os índices chamam nossa atenção, dirigem nossa retina mental ou nos movimentam na direção do objeto que eles indicam conotação do brilho nas roupas surge por trás da linha do horizonte e a conotação de revelação na forma que está por trás do uso da roupa e que da a predominância metafórica.

A imagem é uma opção na moda que mantém a unidade de todo o conjunto. As imagens indicam todo o processo que é visto e a predominância referencial dessa imagem.

O brilho, a imagem e a conotação fazem parte de todo esse processo no mundo da moda. Há alguns traços comuns que são caracteres semióticos comuns no mundo da moda. O poder da imagem está nas cores. Algumas cores predominam outras apenas são pinceladas. O azul é uma cor fria. O amarelo, uma cor quente, o branco é inexistência de cor, o laranja o brilho do sol, o vermelho é uma cor carregada.

Elas encantam, emocionam. A síntese das cores é o branco. As linhas são eficazes, porque sugerem movimento, dando a sensação de uma certa leveza. As linhas diagonais, as simétricas, as circulares, todas as linhas imaginárias ou não, transmitem ao tecido um significado bem próprio. Significado esse que leva o interpretante a viajar nos padrões da moda.

As formas que são elementos distribuídos no tecido são reforçados pela cor que funciona como traço distintivo entre um padrão e outro.

Enquanto o primeiro é mais formal, o segundo é mais subjetivo e ainda mais significativo.

A distribuição de elementos, desenhos, símbolos e outros caracteres também faz com que o tecido fique ainda mais chamativo para o usuário. Nos padrões da moda, há um certo apelo sinestésico, isto é as imagens visam produzir sensações não só visuais, como também sensações táteis, olfativas com o apelo sinestésico do cheiro de roupa nova.

Nas relações entre a imagem e mensagem predomina a complementaridade. Quer dizer as mensagens são organizadas de modo visual seja capaz de transmitir tanta informação que já passaram visualmente e acrescentar informações específicas que o visual não é capaz de transmitir. Isso fica claro nas diferenças das cores que criam uma distinção que vem a ser especificada pelas palavras que dão nome às cores.

As palavras também se relacionam com as imagens, predominando também a complementaridade. Quer dizer, as mensagens são organizadas de modo que o visual seja capaz de transmitir a informação. Os padrões são especificados pelas diferentes cores, diferentes matizes, diferentes desenhos, que as roupas trazem formando assim uma distinção de padrões dentro da moda.

Padrões esses que dizem respeitos aos elementos culturais, as convenções de época que a moda incorpora. Os elementos culturais e convenções só funcionam simbolicamente para um interpretante. Dependendo do tipo de intérprete, dependendo especialmente do repertório cultural que o intérprete internalizou, alguns significados simbólicos se atualizarão, outros não.

Os interpretantes por estarem no mundo, por fazerem parte dos desígnios da vida, os efeitos que os signos poderão porventura produzir no seu dia-a-dia são tão enigmáticos quanto o próprio desenrolar da vida.

A moda atende cegamente aos ditames do consumo. Se uma imagem é um bom produto, se vende bem, essa imagem será perseguida sem tréguas e sem limites.

A conclusão a que se chega é no sentido de que emoções são signos e, como tais a moda nos causa emoções. Nesse ponto, o caminho parece estar aberto para a nossa análise semiótica da moda como uma emoção, em pecado emocional que é um signo.

Qualquer signo, todo signo, mesmo um signo mental, deve estar corporificado. Estando corporificado, o signo tem qualidades materiais que lhe são peculiares como uma entidade ou evento que ele é, independente de sua função representativa.

Em conclusão, cita-se Barthes, para quem “o signo é, pois, composto de um significante e um significado. O plano dos significantes constitui o plano de expressão e dos significados o plano de conteúdo”. (BARTHES, 1997: 43)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978

––––––. Elementos de semiologia. 17ª ed. São Paulo: Cultrix, 1997

––––––. O sistema da moda. São Paulo: Nacional, 1979

––––––. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993

BAUDRILLARD, Jean. A troca semiótica e morte. São Paulo: Loyola. 1996

––––––. Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes, 1972

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1969

LOTMAN, I. M. et al. Semiótica de la cultura Madri: Cátedra, 1979

MIRANDA, Ana Paula Celso de. e GARCIA, Maria Carolina. Influenciadores e hábitos de mídia no comportamento do consumo de moda – parte 3. Disponível em www.recmoda.com.br/bazar/008.html. Acesso em 18 nov. 2003

NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.

PEIRCE. Charles Sanders. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix

RAMOS, Maria Luiza. Os avessos da linguagem. Belo Horizonte: Imprensa Universitária, 1990

SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

SOUZA, Maria Luiza Feitosa de. Resenha sobre o livro: Moda e identidade – a construção de um estilo próprio – Airton Embacher – Anhembi Morumbi, publicado no Jornal da Tarde – julho de 1999. Disponível em: www.pucsp.br/pos/cos/moda/resenhal.htm. Acesso em 18 nov. 2003.

Literatura Inglesa

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Quando falamos de literatura inglesa nos referimos a literatura escrita em inglês, e texto moderno, médio ou antigo, ou a literatura em inglês ainda quetenha sido escrita por autores não ingleses.
Pre-moderna: medieval
A literatura medieval é um tema muito amplo, que abarca todas as obras escritas na Europa durante a Edade Media, aproximadamente desde a caída do Império Romano do ocidente (500 d.C.) até o començo do Renascimento Florentino a finais do século XV. A literatura de este período está dominada pelos temas religiosos, incluindo a poesía religiosa e a haliografía (a vida dos santos), mas também se produziram trabalhos científico e seglares importantes. as obras iam desde as mais sagradas a as mais profanas, pasando por outros muitos temas.
Era moderna recente ou renascimento
"English Renaissance" o renascimento inglês são os términos que se utilizam para descrever o movimento artístico e cultural da Inglaterra desde principios do século XVI até mediados do século XVII. Se associa com o renascimento paneuropeo que segundo vários historiadores nasceu no século XIV na Italia. Esta época da historia cultural inglesa se conhece também como "os anos de Shakespeare" ou "a era isabelina", que fazem referência ao autor e a monarca mais importantes da época, respectivamente. Porém, não é muito exato relembrar esta época deste modo porque, Shakespeare não foi um escritor conhecido em seu tempo e o Renascimiento inglês começa antes e termina depois do reinado de Elizabeth
Literatura isabelina
A era isabelina teve uma producção literaria próspera, em especial no campo do teatro. William Shakespeare foi um autor sobresaliente de poesia e obras teatrais. Outras figuras importantes do teatro foram Christopher Marlowe, Thomas Dekker, John Fletcher e Francis Beaumont. Se desenvolveu também o gênero de comedia urbana.
Literatura Jacobea
Depois da morte de Shakespeare, foi o poeta e dramaturgo Ben Jonson quem liderou a literatura jacobea. Vários autores seguiram seu estilo como Beaumont e Fletcher, a todos eles se lhes denominou "filhos de Ben". Outro estilo popular da época foi o teatro de venganza que se fez popular por John Webster e Tomas Kyd.
Literatura da Restauração
A reabertura dos teatros proporcionou a oportunidade de representar obras satíricas sobre a nova nobreza e a crescente burguesía. A mobilidade da sociedade que seguía as agitações sociais da geração anterior proporciou o material para a comedia costumbrista. Aphra Behn foi a primeira novelista e dramaturgo profissional mulher. A alegoría de John Bunyan, o peregrino, é uma das obras mais lidas deste período.
Literatura da era de Augusto
A época de principios do século XVIII se conhece como a era de Augusto ou literatura neoclásica. A poesia destes anos era muito formal como demonstram os trabalhos de Alexander Pope. A novela inglesa não foi muito popular até o século XVIII, ainsa que muitos trabalhos foram muito importantes, como Robinson Crusoe (1719) de Daniel Defoe. A mediados do século XVIII a novela se asentou por autores como Henry Fielding, aurence Stern e Samuel Richardson, que aperfeisoaram a novela epistolar; Richardson foi moralista enquanto que Fielding e Stern se aproximaram mais ao gênero cômico.
Romanticismo
A reação fazia a industrialização e o urbanismo empurrou aos poetas a explorar a natureza, como o grupo de "Os poetas do ago" no que incluimos a William Wordsworth. Estes poetas romanticos levaram a literatura inglesa um novo grau de sentimentalismo e instrospecção. Entre os autores mais importantes da segunda geração de poetas romanticos encontramos a Lord Byron, Percy Bysse Shelley e John Keats
Literatura victoriana
A forma da literatura que mais importancia cobrou nesta época foi a novela. A maioria dos autores estavam mais preocupados em conhecer os gostos da classe média que lia, que em satisfazer aos aristocratas. Entre as obras mais conhecidas desta época resaltamos: os trabalhos de forte conteúdo emocional das irmãs Brontë; a sátira Vanity Fair de William Makepeace Thackery; a novela realista de George oiot; e os perspicazes retratos da vida dos terratenentes e da clase profissional de Anthony Trollope. Charles Dickens saiu em cena em 1830 baixo tendência da publicação por entregas.
Literatura moderna
Entre as duas Guerras Mundiais encontramos importantes novelistas como D.H. awrence e Virginia Woolf, membro do grupo Bloomsbury.O Sitwells também cobrou força entre os movimentos literarios e artísticos, mas foi menos influente. Os escritores de literatura popular mais importantes foram P.G. Wodehouse e Agatha Christie.
Literatura pós-moderna
Dois exemplos da literatura pós-moderna inglesa são : John Fowles e Julian Barnes. Alguns escritores importantes de principios do século XXI são : Martin Amis, Ian McEwan, Will Self, Andrew Motion e Salman Rushdie.

A renovação da retórica

sábado, 23 de maio de 2009

É

surpreendente a Retórica ter surgido pujante há mais de dois mil anos, numa época de parcos recursos de análise, que nem de longe se comparam aos que dispomos hoje. Mais surpreendente ainda é a hibernação milenar em que a Retórica ingressou após seu período áureo, mesmo sendo objeto de furiosa exegese e matéria de estudo das melhores cabeças por séculos.

Um fato é certo: a Retórica não está completa. Não se disse tudo que há para dizer e muito do que foi dito merece reparos. Considerando que matérias como a Lógica e a Lingüística, nascidas no mesmo berço que a Retórica, já atingiram o estatuto de ciência moderna, por que a Retórica não teve evolução relevante em tantos séculos? Por que só na segunda metade do século XX surgiram contribuições notáveis à Retórica?

Afinal, o que há de errado com a Retórica? Ela não é matéria digna de atenção? Algum preconceito esmagador paira sobre ela? A Retórica está intrinsecamente impedida de alcançar o estatuto de ciência?

Há quem diga que a evolução do conhecimento se dá por saltos qualitativos, por ruptura de paradigmas. Digo que isso é válido quando o conhecimento anterior tem alguma premissa refutável que abala suas fundações, o que me parece não ser o caso da Retórica. Mas há outros modos de progresso do conhecimento. Há o progresso por generalização, expurgo e também por desbravamento. É por essas vias que julgo possível um avanço do conhecimento da Retórica. Primeiramente generalizando-a, não limitando-a à oratória da persuasão e do debate ou a mero apêndice da estética literária, mas estendendo-a até os seus limites naturais, o que inclui abordar desde o bate-papo no bar da esquina até o discurso filosófico mais denso, passando pelo jornalístico, didático, literário, etc.

Em segundo lugar, expurgar tudo que na Retórica venha de postulação estética ou moral e de tendências para a normatividade. Moral e estética sempre contaminaram a Retórica. Mesmo as tentativas mais recentes de revitalizá-la padecem desse mal.

E, finalmente, desbravamento. Nem todos os limites da Retórica foram demarcados. Há os que ainda não foram abordados.

Feitas as correções de rota necessárias, com certeza a Retórica ganhará novo alento.

Sobre as definições... e a Retórica

sexta-feira, 22 de maio de 2009

“Uma definição normalmente induz a pensar que o definiens merece uma atenciosa consideração. Por isso uma colecção de definições inclui a nossa escolha (choice) dos argumentos e o nosso juízo sobre o que é considerado mais importante.”



Russel, B. e Whitehead, A.,. Principia Mathematica, Cambridge, 1962, pp 11-12





“A retórica antiga reagiu nitidamente contra a obsessão socrática de definir tudo o que nos circunda e considerar a definição como principal tarefa do pensamento. Essa obsessão contagiou Platão, que também se convenceu de que a ideia fixa de se querer dizer de cada coisa ‘o que ela é’, ti esti, isto é, transformar cada pedaço de realidade num definiendum, fosse a coisa mais natural. (...) Mas não é preciso chegar às definições paradoxais para reconhecer a origem em grande parte retórica do processo de definir. (...) A lógica ocidental fez sua a dicotomia sancionada por Aristóteles no décimo capítulo do segundo livro dos Segundos Analíticos, pela qual todas as definições possíveis se reduzem a dois tipos: as nominais, que explicam o significado de um termo, como, por exemplo, que triângulo” significa um polígono com três lados; e as reais, que revelam a essência e o porquê de uma coisa, como, por exemplo, que ‘o trovão é o fragor das nuvens’. Mas poucos recordam que Aristóteles foi o primeiro a teorizar junto com a definição lógica também uma definição retórica. No segundo livro da Retórica, indica a definição como o sétimo dos lugares comuns retóricos (...)”

Plebe, A. e Emamuele, P., Manual de Retórica, S. Paulo: Martins Fontes, 1992, pp. 48-50

Resumindo...

Existem definições lógicas (sobre a verdade) e
definições retóricas (sobre o preferível).

A Retórica, reportando-se ao mundo do preferível, só pode ser definida... retoricamente.

Literatura espanhola

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Como uma das línguas mais importantes do mundo, o espanhol tem uma literatura muito rica. Aqui você vai poder aprender um pouquinho mais sobre as novelas espanholas, os dramas, os contos e a poesía.
Obras recentes em castellano

O poema épico do Mío Cid é o clássico mais importante da literatura espanhola, trata da vida e atos do héroe nacional Rodrigo Díaz de Vivar, também conhecido como Cid Campeador.

Os escritores mais importantes do século XIV foram: López de Ayala, o príncipe Don Juan Manuel, sobrinho do rei Alfonso X, cujo Livro dos exemplos do conde Lucanor e de Patronio foi o primeiro livro de contos em espanhol. e o poeta satírico Juan Ruiz.
O renascimento e a época dourada da literatura espanhola

O espírito do renascimento estava invadindo as letras espanholas e Espanha se estava convertindo também em um poder europeo dominante. No reino do emperador Carlos V, se publicou a primeira novela picaresca em 1554, o Lazarillo de Tormes, seu autor é desconhecido.

Os últimos anos do século XVI e a maioria do s. XVII foram os melhores anos da literatura espanhola e se conheceram como os anos dourados. A obra chave deste período é a magnifica prosa que escreveu Miguel de Cervantes Saavedra, Don Quijote de la Mancha..

Nestes anos também houveram grandes dramaturgos como: Lope de Vega Carpio, Tirso de Molina, Guillén de Castro e Bellvís, e Juan Ruiz de Alarcón. Calderón de la Barca foi o último e provavelmente melhor escritor da época.
Literatura neoclássica

No século XVIII o neoclassicismo francês influenciou enormemente na literatura espanhola. Houveram três autores que destacaram dentro do decline literario, foram: Leandro Fernández de Moratín, Ramón de la Cruz e o poeta Juan Meléndez Valdés.
O Romantismo

Com a morte de Fernando VII em 1833, o romantismo se propagou com muita rapidez, era de origem dramático mas superficial. Muitas das obras dos escritores mais importantes: Ángel de Saavedra, duque de Rivas, José de Espronceda, e José Zorrilla e Moral, foram muito originais em suas peças curtas..

Dois autores pos-românticos importantes foram Rosalía de Castro (que escrevia em gallego) e Gustavo Adolfo Bécquer.
Movimentos de finais do s. XIX e principios do s. XX

Benito Pérez Galdós dominou a novela realista durante a segunda metade do s. XIX, mas Pedro Antonio de Alarcón, José María de Pereda, Armando Palacio Valdés, Juan Valera e Alcalá Galiano, e Emilia Pardo Bazán também escreveram novelas de ficção muito importantes.

Mas foi em poesía onde se conseguiram mais conquistas. A lírica de Antonio Machado e do magnífico Juan Ramón Jiménez são das mais importantes e finas da língua. José Moreno Villa, Rafael Alberti, Vicente Aleixandre, Luis Cernuda, Jorge Guillén, Dámaso Alonso e muitos outros formaram uma geração de poetas brilhante; mas a figura mais cautivadora desta época foi o poeta e dramaturgo Federico García Lorca.
Geração de 98

A finais do século os escritores da Geração de 98 começaram a avaliar e revitalizar a vida cultural espanhola. Migue de Unamuno, ensaista, poeta, novelista e professor, enfatizou o aspecto quijotesco dos valores espanhois e exerceu grande influencia sobre a juventude espanhola. Azorín escreveu uns contos de grande qualidade. Ramón do Valle Inclán impregnou suas novelas e obras de teatro do sentido poético do fantástico e o raro. Pío Baroja e Nessi encheram suas novelas com um espírito feróz que rejeitava os valores tradicionais e tratava de influenciar as pessoas para que se "puzessem en movimento".
Desde a guerra civil até o presente

Durante a Guerra Civil muitos escritores como: Salinas, Guillén, Juan Larrea, etc, tiveram que ir ao exilio. Entre os novelistas que apareceram depois da Guerra está o Premio Nobel Camilo José Cela, Carman Laforet e José María Gironella. Salvador de Madariaga foi reconhecido como historiados e biógrafo. Nos anos 50 e 60 se viveu um regresso a normalidade política e literária.

Alguns escritores de renome desde a II Guerra Mundial são: Max Aub, Miguel Delibes, Juan Goytisolo, Ana María Matute, Rafael Sánchez Ferlosio, Luís Martín-Santos e Gonzalo Torrente-Ballester; os poetas: Manuel Altoaguirre e Gerardo Diego; e os dramaturgos: Antonia Buero Vallejo, Alejandro Casona e Alfonso Sastre. os escritores pos-franquistas refletiram em suas obras os desenvolvimentos da Europa, entre os mais importantes se encontram: Juan Benet, Carmen-Martín-Gaite, Eduardo Mendonza, Soledad Puértolas, Carmen Riera e Ana Maria Moix. Entre os dramaturgos: Férnando Arrabel, Antonio Gala, Fermín Cabal e Alonso de Santos. e entre os poetas: Ana Rossetti, Antonio Carvajal, Guillermo Carnero, Jaime Silas e Antonio de Villena.

O Quinze, de Rachel de Queiroz

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Análise da obra

Publicado em 1930, o romance O Quinze, de Rachel de Queiroz, renovou a ficção regionalista. Possui cenas e episódios característicos da região, com a procissão de pedir chuva, são traços descritivos da condição do retirante. O sentido reivindicatório, entretanto não traz soluções prontas, preferindo apontar os males da região através de observação narrativa.

Em O Quinze, primeiro e mais popular romance de Rachel de Queiroz, a autora exprime intensa preocupação social, apoiada, contudo, na análise psicológica das personagens, especialmente o homem nordestino, sob pressão de forças atávicas que o impelem à aceitação fatalista do destino. Há uma tomada de posição temática da seca, do coronelismo e dos impulsos passionais, em que o psicológico se harmoniza com o social.

A obra apresenta a seca do nordeste e a fome como conseqüência, não trazendo ou tentando dar uma lição, mas como imagem da vida.

Não percebe-se uma total separação entre ricos e pobres, e esta fusão é feita através da personagem Conceição que pertence realmente aos dois mundos. Evitando assim o perigo dos romances sociais na divisão entre "bons pobres" e "maus ricos", não condicionando inocentes ou culpados.

Estrutura da obra

O título do livro evoca a terrível seca do Ceará de 1915. A própria família de Rachel foi obrigada a fugir do Ceará: foi para o Rio de Janeiro, depois para Belém do Pará. Compõe-se de 26 capítulos, sem títulos, enumerados.

A classificação de O Quinze é, sem dúvida, de romance regionalista de temática social. Mas com uma visão que foge ao clichê tradicional. Não há, na história, a divisão batida de \"pessoas boas e pobres\" e de \"pessoas más e ricas\". A autora registrou no papel a sua emoção, sem condicionar o romance a uma tese ou à preocupação de procurar inocentes e culpado pela desgraça de cada um ou mesmo do grupo envolvido na história.

A história é recheada de amarguras. Bastaria a saga da família de Chico Bento para marcar o romance com as cores negras da desgraça. A morte está por toda parte. Está no calvário da família de retirantes, está em cada parada da caminhada fatigante, está no Campo de Concentração. Morte de gente e de bichos.

A história de amor entre Vicente e Conceição poderia ser o lado bom e humano da história. Não é. A falta de comunicação entre os dois, o desnível cultural que os separa constituem ingredientes amargos para um desfecho infeliz. É como se a seca, responsável por tantos infortúnios, fosse causadora de mais um: a impossibilidade de ser feliz para quem tem consciência da miséria.

Romance de profundidade psicológica. A análise exterior dos personagens existe, mas sem relevo especial dentro do livro. A autora vai soltando uma característica aqui, outra além, sem interromper a narrativa para minúcias. O lado introspectivo, psicológico é uma constante em toda a narrativa. Ao mesmo tempo em que o narrador informa as ações dos personagens, introduz interrogações e dúvidas que teriam passado por sua cabeça, por seu espírito.

Tempo

A autora situa a história do romance no Ceará de 1915. O fato histórico importante da época era a própria seca, obrigando os filhos da terra, principalmente do sertão, a migrarem para o Amazonas ou para São Paulo, à procura de vida melhor. Não há avanços nem recuos. A história é contada em linha reta, valorizando o presente, o cotidiano das pessoas. O passado é evocado raramente, muito mais por Conceição. A passagem do tempo dentro do romance é marcada de maneira tradicional, obedecendo à seqüência de início, meio e fim.

Cenário

O cenário do romance é o Ceará. Especificamente, a região de Quixadá, onde se situam as fazendas de Dona Inácia (avó de Conceição), do Capitão (pai de Vicente) e de Dona Maroca (patroa de Chico Bento).

Há também, em menor escala, o cenário urbano, destacando a capital, Fortaleza, para onde migram os retirantes e onde mora Conceição.

Linguagem

O sucesso do livro está atrelado à simplicidade da linguagem (a mais difícil das virtudes literárias!). Não há exibicionismo da autora no uso de palavreado erudito. Mesmo quando a dona da palavra é uma professora (Conceição), o diálogo flui espontâneo, normal, cotidiano.

Sua linguagem é natural, direta, coloquial, simples, sóbria, condicionada ao assunto e á região, própria da linguagem moderna brasileira. A estas características deve-se ao não envelhecimento da obra, pois sua matéria está isenta do peso da idade. Em O Quinze, Rachel usa o que lhe deu fama imediata: uma linguagem regionalista sem afetação, sem pretensão literária e sem vínculo obrigatório a um falar específico (modismo comum na tendência regionalista).

A sobriedade da construção, a nitidez das formas, a emoção sem grandiloqüência, a economia de adjetivos são recursos perceptíveis em todo o livro.

Foco narrativo

O Quinze é romance narrado na terceira pessoa, ou seja, o narrador é a própria autora. O narrador é onisciente. Estando fora da história, o narrador vai penetrando na intimidade dos personagens como se fosse Deus. Sabe tudo sobre eles, por dentro e por fora. Conhece-lhes os desejos e adivinha-lhes o pensamento.

Discurso livre indireto. Em vez de apresentar o personagem em sua fala própria, marcada pelas aspas e pelos travessões (discurso direto), o narrador funde-se ao personagem, dando a impressão de que os dois falam juntos. Isto faz com que o narrador penetre na vida do personagem, no seu íntimo, adivinhando-lhe os anseios e dúvidas.

Personagens

Conceição - Não com os alunos, mas com a própria vida. Conceição é forte de espírito, culta, humana e com idéias um tanto avançadas sobre a condição feminina. O único homem que lhe despertou desejos é o primo Vicente. Conceição tem uma admiração antiga e especial pelo rapaz, talvez porque ele é real, sem as falsidades comuns dos moços bem-educados. Ao descobrir que ele não é tão puro, a admiração esfria, criando uma barreira intransponível para a realização plena do seu amor. Tinha vocação para solteirona: "Conceição tinha vinte e dois anos e não falava em casar. As suas poucas tentativas de namoro tinham-se ido embora com os dezoito anos e o tempo de normalista; dizia alegremente que nascera solteirona". Conceição sente-se realizada ao criar Duquinha, o afilhado que lhe doaram Chico Bento e Cordulina. É uma realização íntima, preenchendo o vazio da decepção amorosa.

Vicente - Filho de fazendeiro rico, com condições de mandar os filhos para a escola, Vicente, desde menino, quis ser vaqueiro. No início, isso causava tristeza e desgosto à família, principalmente à mãe, Dona Idalina. Com o tempo, todos passaram a admirar o rapaz. Vicente é o vaqueiro não-tradicional da região. Cuida do gado com um desvelo incomum, mas cuida do que é seu, ao contrário dos outros (Chico Bento é o exemplo) que cuidam de gado alheio. Tem boas condições financeiras, mas é humano em relação à família e aos empregados. Vicente tinha dentes brancos com um ponto de ouro. Na intimidade, quando se põe a pensar na vida e na felicidade, associa tais coisas à Conceição. Tem uma admiração superior por ela. Gradualmente, à medida que vai notando a maneira fria com que ela passa a tratá-lo, Vicente começa a descrer no amor e na possibilidade de casar e ser feliz.

Chico Bento - Chico Bento é o protótipo do vaqueiro pobre, cuidando do rebanho dos outros. Ele é o vaqueiro de Dona Maroca, da fazenda das Aroeiras, na região de Quixadá. Ele e Vicente são compadres e vizinhos. Como é peculiar da pobreza brasileira e nordestina, Chico Bento tem a mulher (Cordulina) e cinco filhos, todos ainda pequenos. Pedro, o mais velho, tem doze anos. Expulso pela seca e pela dona da fazenda, Chico Bento e família empreendem uma caminhada desastrosa em direção a Fortaleza. Perde dois filhos no caminho: um morre envenenado (Josias), o outro desaparece (Pedro). Antes de embarcar para São Paulo, é obrigado a dar o mais novo (Duquinha) para a madrinha, Conceição. De Fortaleza, Chico Bento e parte da família vão, de navio, para São Paulo. É o exílio forçado, é a esperança de vida melhor e, quem sabe, de riqueza para quem só conheceu miséria no Ceará.

Cordulina - É a esposa de Chico Bento. Personifica a mulher submissa, analfabeta, sofredora, com o destino atrelado ao destino do marido. É o exemplo da miséria como conseqüência da falta de instrução.

Josias - Filho de Chico Bento e Cordulina, tem cerca de dez anos de idade. Comeu mandioca crua e morreu envenenado na estrada.

Pedro - Filho de Chico Bento e Cordulina, é o mais velho, tem doze anos de idade. Desapareceu quando o grupo ia chegando a Acarape.

Manuel (Duquinha) - É o filho caçula de Chico Bento e Cordulina; tem dois anos anos de idade. Foi doado à madrinha, Conceição.

Paulo - Irmão mais velho de Vicente, ele é o orgulho dos pais (pelo menos no início). Estudou, fez-se doutor (promotor) e casou-se na cidade com uma moça branca. Depois de casado, passou a dedicar o seu tempo à família, quase não se interessando mais pelos pais e pelos irmãos. Só então os pais deram valor a Vicente.

Mocinha - Irmã de Cordulina, ficou como empregada doméstica em Castro, na casa de sinhá Eugênia. Arranjou um filho sem pai e tudo indica que vai viver da prostituição.

Lourdinha - Irmã mais velha de Vicente. Casou-se com Clóvis Garcia em Quixadá. No final, têm uma filha, símbolo da felicidade que as pessoas simples e descomplicadas conseguem conquistar.

Alice - Irmã mais nova de Vicente. Mora na fazenda com os pais e os irmãos.

Dona Inácia - Avó de Conceição, espécie de mãe, pois foi quem a criou depois que a mãe verdadeira morreu. É dona da fazenda Logradouro, na região de Quixadá. Não aprova as idéias liberais da neta, principalmente no que diz respeito a ficar solteirona.

Dona Idalina - Prima de Dona Inácia. Idalina é a mãe de Vicente, Paulo, Alice e Lourdinha. Vive com o marido, Major, na fazenda perto de Quixadá.

Major - Fazendeiro rico na região de Quixadá. Entrega a administração da fazenda ao filho Vicente. Orgulha-se de ter um filho doutor: o Paulo, promotor em uma cidade do interior do Ceará.

Dona Maroca - Fazendeira, dona da fazenda Aroeiras na região de Quixadá. Na época da seca, mandou o vaqueiro, Chico Bento, soltar o gado e procurar, por conta própria, meios para sobreviver.

Mariinha Garcia - Moça bonita, de família rica, moradora de Quixadá. Com auxílio de Lourdinha e Alice, faz tudo para conquistar Vicente, mas as tentativas resultam inúteis.

Luís Bezerra - Compadre de Chico Bento e Cordulina. Trabalhara também nas Aroeiras sob o comando de Dona Maroca. Agora, é delegado em Acarape, povoado do interior do Ceará. Foi ele quem conseguiu passagens de trem para que a família do compadre chegasse a Fortaleza.

Doninha - Esposa de Luís Bezerra, madrinha do Josias, o filho de Chico Bento que morreu envenenado na estrada.

Zefinha - Filha do vaqueiro Zé Bernardo. Conceição, acreditando numa conversa que tivera com Chiquinha Boa, acha que Vicente tem um caso com Zefinha.

Chiquinha Boa - Trabalhava na fazenda de Vicente. Na época da seca, achando que o governo do Ceará estava ajudando os pobres que migravam para a capital, deixou a zona rural.

Enredo

A obra O Quinze aborda a seca de 1915, descreve alguns aspectos da vida do interior do Ceará durante um dos períodos mais dramáticos que o povo atravessou. O enredo é interessante, dramático, mostrando a realidade do Nordeste Brasileiro e se dá em dois planos.

No primeiro plano enfoca o vaqueiro Chico Bento e sua família, o outro a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado, e Conceição, sua prima culta e professora. Conceição é apresentada como uma moça que gosta de ler vários livros, inclusive de tendências feministas e socialistas o que estranha a sua avó, Mãe Nácia que é representante das velhas tradições. No período de férias, Conceição passava na fazenda da família, no Logradouro, perto do Quixadá. Apesar de ter 22 anos, não dizia pensar em casar, mas sempre se "engraçava" à seu primo Vicente. Ele era o proprietário que cuidava do gado, era rude e até mesmo selvagem. Com o advento da seca, a família de Mãe Nácia decide ir para cidade e deixar Vicente cuidando de tudo, resistindo. Trabalhava incessantemente para manter os animais vivos. Conceição, trabalhava agora no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes, e descobre que seu primo estava "de caso" com "uma caboclinha qualquer". Enquanto ela se revolta, Mãe Nácia à consola dizendo:

"Minha filha, a vida é assim mesmo... Desde hoje que o mundo é mundo... Eu até acho os homens de hoje melhores."

Vicente se encontra com Conceição e sem perceber confessa as temerosidades dela. Ela começa a tratá-lo de modo indiferente. Vicente se ressente disso e não consegue entender a razão. As irmã de Vicente armam um namoro entre ele e uma amiga, a Mariinha Garcia. Ele porém se espanta ao "saber" que estava namorando, dizendo que apenas era solícito para com ela e não tinha a menor intenção de comprometimento. Conceição percebe a diferença de vida entre ela e seu primo e a quase impossibilidade de comunicação. A seca termina e eles voltam para o Logradouro.

O segundo plano é, sem dúvida, a parte mais importante do livro. Apresenta a marcha trágica e penosa do vaqueiro Chico Bento com sua mulher e seus 5 filhos, representando os retirantes. Ele é forçado a abandonar a fazenda onde trabalhara. Junta algum dinheiro, compra mantimentos e uma burra para atravessar o sertão. Tinham o intuito de trabalhar no Norte, extraindo borracha. No percurso, em momento de grande fome, Josias, o filho mais novo, come mandioca crua, envenenando-se. Agonizou até a morte. O seu fim está bem descrito nessa passagem:

"Lá se tinha ficado o Josias, na sua cova à beira da estrada, com uma cruz de dois paus amarrados, feita pelo pai. Ficou em paz. Não tinha mais que chorar de fome, estrada afora. Não tinha mais alguns anos de miséria à frente da vida, para cair depois no mesmo buraco, à sombra das mesma cruz."

Uma cena marcante na vida do vaqueiro foi a de matar uma cabra e depois descobrir que tinha dono. Este o chamou de ladrão, e levou o resto da cabra para sua casa, dando-lhes apenas as tripas para saciarem. Léguas após, Chico Bento dá falta do seu filho mais velho Pedro. Chegando ao Aracape, lugar onde supunha que ele pudesse ser encontrado, avista um compadre que era o delegado. Recebem alguns mantimentos mas não é possível encontrar o filho. Ficam sabendo que o menino tinha fugido com comboeiros de cachaça. Notem:

"Talvez fosse até para a felicidade do menino. Onde poderia estar em maior desgraça do que ficando com o pai?"

Ao chegarem no campo de concentração, são reconhecidos por Conceição, sua comadre. Ela arranja um emprego para Chico Bento e passa a viver com um de seus filhos. Conseguem também uma passagem de trem e viajam para São Paulo, desistindo de trabalhar com a borracha.

Memórias Sentimentais de João Miramar, Oswald de Andrade

terça-feira, 19 de maio de 2009

1- ENREDO

O enredo da obra é simples: João Miramar relata sua história pessoal.

Ao longo de capítulos revolucionariamente curtos, repassa os principais fatos que marcaram sua existência. As impressões deixadas pela: a) infância; b) viagem ao exterior; c) retorno ao Brasil; d) 1ª Guerra Mundial; e) namoro com Célia; f) casamento; g) nascimento de sua única filha (Celiazinha); h) o caso extraconjugal; i) a falência; j) divórcio motivado pelo insucesso financeiro; k) morte da ex-esposa; l) recuperação da guarda da filha e da fortuna.

A história do narrador é banal. Não tem nada de especial. Nem acontecimentos bombásticos que orientam para um final que exprima a vitória do verdadeiro amor, nem conseqüências necessárias resultantes de um determinismo psico-social. Já aí vemos o quanto Oswald distancia-se de toda literatura que o precedeu tanto na escolha quanto no tratamento do tema.

Além destas, a outra grande inovação é o trabalho de Oswald com a linguagem. Ao longo da obra o que mais chama atenção não é a narrativa mas a maneira que o narrador emprega para sugerir sua trajetória pessoal. Contudo, esta é uma questão que será tratada em outro momento.

2 - TEMPO, ESPAÇO e PERSONAGENS

Memórias Sentimentais de João Miramar é uma obra até certo ponto caótica. Em virtude disso, a análise de categorias como tempo, espaço e personagens é quase impossível.

A época o local em que os fatos ocorreram não tem importância. O que importa é a maneira pela qual o narrador filtrou aquelas experiências e, principalmente, a linguagem que emprega para contá-las ao leitor.

A obra parece seguir uma ordem vagamente cronológica.

É como se os espaços não existissem para além das sugestões, das emoções que provocaram no narrador. Por isso, ele não se dá ao trabalho de fazer descrições, remetendo o leitor aos locais onde os fatos ocorreram pela simples menção de seus nomes (São Paulo, Paris, etc.).

Cada personagem tem sua vida própria, mas sua interferência na narrativa só existe sob a perspectiva do narrador. Por isso, com exceção de algumas características muito gerais, nenhuma delas (nem mesmo o narrador) foi delineada, descrita física e psicologicamente. Tem um nome, isto basta. Contudo, há um traço que une-as:- seu apego excessivo ao dinheiro. É a partir deste ponto que a narrativa foi construída com o intuito de desmascarar, de satirizar suas relações sociais (ou devemos dizer econômicas?)

3 - FOCO NARRATIVO

O foco narrativo na obra é predominantemente de 1ª pessoa. João Miramar relata os principais momentos de sua trajetória.

"Entrei para a escola mista de D. Matilde." (Cap. 5)

"Não disse nada do que queria dizer a Madô." (Cap. 10)

"Molhei secas pestanas para o rincão corcunda que vira nascer meu pai." (Cap. 58)

Em alguns momentos, o narrador de 1ª pessoa cede espaço a outros narradores também de 1ª pessoa. Isto ocorre quando são transcritas cartas e bilhetes.

"76. CARTA ADMINISTRADORA

"Ilmo. Sr. Dr.

Cordeais saudações

Junto com esta um jacá de 15 frango que é para a criancinha se não morrê.
Confirmo a minha de 11 próximo passado que aqui vai tudo em ordem e a lavoura vai bem já estou dando a segunda carpa.

Fiz contrato com os colonos espanhol que saiu da Fazenda Canadá assim mesmo perciso de algumas familhas a porca pintada deu cria sendo por tudo 9 leitão e o Migué Turco pediu demissão arrecolhi na ceva mais de três capadete que já estão no ponto a turbina não está foncionando bem esta semana amanhã o Salim vem concertal.

O descascador ficou muito bom por aqui vão todos bom da mesma forma com a graça de Deus que com D. Célia fique restabelecido da convalecença é o que eu lhe desejo."

O emprego da transcrição de cartas e bilhetes de outras pessoas é um recurso muito empregado na literatura desde o romantismo . A utilização deste artifício sempre foi feita dentro de um contexto, seguindo um padrão a fim de não prejudicar a unidade lógica da narrativa. Todavia, isto que não ocorre em "Memórias Sentimentais de João Miramar".

Há momentos, ainda, em que foco narrativo de 1ª pessoa deixa de existir. Isto acontece quando a narrativa cede espaço à poesia.

"158. RECREIO PINGUE-PONGUE

Miramar a vida é relativa
O acontecimento não teria sido
Se nascesses só
Sem a mãe que te deixou virtudes caladas
O acontecimento te ofertou
A filhinha de olhos claros
Abertos para os dias a vir
És o ele de uma cadeia infinita
Abraça o Dr. Mandarim
E soma ele o azul desta manhã
Louçã"



Miramar (o narrador) dirige-se à Miramar (o homem), proporcionando ao leitor a oportunidade de conhecer a síntese deste diálogo interior de natureza poética. O foco se desloca de 1ª para 3ª pessoa e novamente para 1ª pessoa (afinal o "eu lírico" é sempre de 1ª pessoa mesmo quando não expressados abertamente os sentimentos do autor).

Em alguns capítulos a narrativa é impessoal, como se o narrador fosse de 3ª pessoa. Através deste artifício o autor dá a impressão que a narrativa vai se construindo por si mesma sem a interferência do narrador de 1ª pessoa que predomina na obra.



"40. COSTELETA MILANESA
Mas na limpidez da manhã mendiga cornamusas vieram sob janelas de grandes sobrados.
Milão estendia os Alpes imóveis no orvalho."



Foco de 1ª pessoa centrada no narrador personagem, foco de 1ª pessoa centrada em outras personagens, foco movendo-se de 1ª para 3ª pessoa e desta novamente para 1ª por força do emprego da poesia, foco impessoal dando a impressão de 3ª pessoa, tudo isto compõe o mosaico criado por Oswald de Andrade. Através do constante deslocamento do foco narrativo, Oswald de Andrade dá origem a um verdadeiro desconcerto da obra (quiçá para demonstrar a intensidade do desconcerto do mundo burguês).


4 - LINGUAGEM

A linguagem empregada nesta obra é telegráfica. O autor não narra, mas sugere através de capítulos curtos uma história com começo meio e fim. Contudo, cada capítulo é uma unidade que até pode ser lida independente das demais. O sentido de cada parte não se perde fora do contexto geral da obra.

Mas, isto não quer dizer que a prosa de Oswald de Andrade seja fácil. Ao contrário, cada um dos capítulos, apesar de extremamente curto, é uma charada, um enigma a ser desvendado. Oswald não facilita o trabalho do leitor.

Seu estilo opõe-se de um lado aos exageros científico-detalhistas da escola Realista e à passionalidade-emotiva da narrativa da escola Romântica. Em cada um dos capítulos o trabalho essencial do autor foi com a linguagem. Não se deixou envolver nem pela ciência nem pela emoção, filtrou a ambas procurando dar uma nova conformação a literatura.

No início, a linguagem fragmentada lembra muito a maneira de falar das crianças. Miramar (o narrador), relata sua infância.



"1-O PENSIEROSO

Jardim desencanto
O dever e processões com pálios
E cônegos
Lá fora
E um circo vago e sem mistérios
Urbanos apitando noites cheias
Mamãe chamava-me e conduzia-me para dentro do oratório de mãos grudadas.
- O anjo do Senhor anunciou à Maria que estava para ser a mãe de Deus.
Vacilava o morrão do azeite bojudo em cima do copo. Um manequim esquecido avermelhava.
- Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não tem pernas, são como o manequim de mamãe até embaixo. Para que nas pernas, amém."



A narrativa é ágil, funcional, quase um fluxo de consciência. O narrador intencionalmente não pretende fixar-se neste ou naquele detalhe que retrata ao leitor, antes mistura-os intencionalmente para sugerir sua falta de capacidade de concentração (exatamente como uma criança). Prova disto é o último parágrafo, em que as idéias referidas anteriormente adentram na oração desfigurando-a, mudando seu sentido.

A ausência de pontuação reforça a tese de que o narrador relata sua infância como se fosse uma criança.

A medida que a obra prossegue e o narrador vai crescendo, a narrativa também vai se modificando. Começa o trabalho mais detalhado com a linguagem.



"33- VELEIRO

A tarde tardava, estendia-se nas cadeiras, ocultava-se no tombadilho quieto, cucava té uma escala de piano acordar o navio.
Madame Rocambola mulatava um maxixe no dancing do mar.
Esquecia-me olhando o céu e a estrela diurna que vinha me contar salgada do banho como estudara num colégio interno. Recordava-me dos noivados dormitórios de primas.
Uma tarde beijei-a na língua."



No capítulo acima fica evidente que a preocupação do narrador já é outra, diferente daquela existente no início. Aumenta a intensidade do substantivo "tarde" com um verbo criado a partir dele mesmo "tardava". Cria o verbo "mulatava" para designar a ação da personagem de unir o nacional (maxixe) e o estrangeiro (dancing). A narrativa já não é um fluxo de consciência, mas o produto de um trabalho poético em que não se abre mão do emprego da metáfora ("...a estrela diurna vinha me contar salgada do banho..").

Em alguns momentos a poesia vai tomar integralmente o texto.



52- INDIFERENÇA

Montmartre
E os moinhos do frio
As escadas atiram almas ao jazz de pernas nuas

Meus olhos vão buscando lembranças
Como gravatas achadas

Nostalgias brasileiras
São moscas na sopa de meus itinerários
São Paulo de bondes amarelos
E romantismos sob árvores noctâmbulas

Os portos de meu país são bananas negras
Sob palmeiras
Os poetas de meu país são negros
Sob bananeiras
As bananeiras de meu país
São palmas claras
Braços de abraços desterrados que assobiam
E saias engomadas
O ring das riquezas



Brutalidade jardim
Aclimatação

Rue de La paix
Meus olhos vão buscando gravatas
Como lembranças achadas."



Miramar (o narrador) é sem dúvida alguma um poeta modernista dialogando com a literatura romântica à medida que refere-se à sua viagem ao exterior . Não podemos deixar de notar a evolução que vai ocorrendo lentamente na arte do narrador. Da infância para a mocidade, desta para a maturidade (tomada de consciência de sua própria cultura).

Mas, não é só de poesia que o narrador serve-se para sugerir sua história. Há momentos em que a linguagem é referencial.



"79-TERREMOTO

O Pantico estava na Bélgica em pleno perigo de ser fuzilado ou morrer de fome.
Mas depois de copos espumantes de leite eu acreditava de geografia aberta sobre a mesa que a situação dos alemães não era brilhante. Em vinte dias eles apenas tinham entrado em Bruxelas e tomado Liège, a cidade, conservando-se nas mãos dos heróis belgas a linha de fortes quase completa. E na fronteira intacta da França deviam reunir-se com certeza nessa hora dois milhões de soldados.
Molestados pelo flanco em Antuérpia, sem poder esquecer o exército francês vitorioso na Alsácia Lorena e a avalanche russa que ameaçava Thorn e Danzig, era de prever-se o esmagamento desses bárbaros em algumas semanas. E se a Itália entrasse contra a Áustria nos primeiros dias de Setembro, como era certo, a guerra podia terminar por nocaute científico nesse mesmo mês."



Conquanto Oswald empregue algumas metáforas (p.e."... de geografia aberta sobre a mesa" = mapa) a linguagem deste capítulo difere das demais. É predominantemente referencial. Há uma adequação entre a seriedade do tema tratado (a guerra) e a linguagem empregada pelo narrador, deixando transparecer que num momento (ou tema) como aquele a poesia cede ou deve ceder espaço à prosa.

A ironia é muito presente na obra. É empregada para demolir a sociedade burguesa, revelando seu verdadeiro valor moral, que para Oswald é monetário.

"...E Rolah trazia ao céu do cinema um destino de letra de câmbio." (Cap. 32)

A Letra de Câmbio é um título de crédito inventado na Idade Média para possibilitar as transações à longa distância. Empregando-as, os negociantes evitavam o transporte de somas elevadas em dinheiro, diminuindo o risco de serem aliviados por salteadores. A Letra de Câmbio desempenhou e ainda desempenha um papel importante nas relações econômicas capitalistas. Ao referir-se a ela, Oswald evidencia o caráter essencialmente econômico das relações sociais burguesas.

Em dois momentos, o casamento (principal instituição burguesa da época) é ferido mortalmente pela pena do autor:-

"...o casamento é um contrato indissolúvel." (Cap. 42)

"...separação precavida de bens." (Cap. 62)

Em alguns momentos o trabalho do narrador cede espaço para o registro fiel da oralidade na escrita tal como praticada por outras pessoas.



"130- RESERVA
" 21 de Abril
Seu Dr.
Peguei hoje na pena para vos Felicitar os nossos antes Passado sendo um dia de grande gala, para nós no nosso Grande Brasil sendo o dia do nobre Brasileiro Tiradentes que foi executado na forca, mais tudo passa vamos tratar do nosso futuro que é melhor os passado eram bobos, por aqui todos Bom grassas a Deus o mesmo a todos que aí estão..."



Existem passagens em que a linguagem empregada por Oswald é ambígua:-

"...conspurcada vindos em bonde dos tabeliães protestantes." (Cap. 145)

"...bestenamorada dum mineiro de minas." (Cap. 154)

No primeiro fragmento fica-se sem saber se os tabeliães professam a religião protestante ou se protestaram (cobraram através de Cartório) o narrador. No segundo, se mineiro é o natural de Minas Gerais, filho de cidadãos daquele Estado ou se é o operário que trabalho em mina.

Em todos os fragmentos citados é evidente que a sintaxe empregada na obra segue um padrão diferente do usual. Os elementos da frase são embaralhados, a classificação das palavras intencionalmente destruída. Com isto, Oswald coloca em xeque a própria capacidade do leitor ler a obra a partir da língua que domina. "Memórias Sentimentais de João Miramar" não é apenas uma obra escrita sob influência cubista é uma obra cubista em todos os sentidos .

Como atesta Antonio Cândido , "Memórias Sentimentais de João Miramar" é a primeira grande experiência de prosa modernista no Brasil, e só por isso sempre merecerá destaque na História da Literatura Brasileira.

Estas são as principais considerações sobre a linguagem. Vejamos agora os recursos expressivos.


5 - RECURSOS EXPRESSIVOS

Ao longo da obra Oswald abusa de recursos de linguagem, muitas vezes misturando-os com um poder de síntese invejável.

METONÍMIA - "... de geografia aberta sobre a mesa..." (Cap. 79) = mapa

ONOMATOPÉIA - "...No silêncio tique-taque..." (Cap. 8) (Antítese:- silêncio/barulho)

"Dez horas da noite, o relógio farto batia dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão! dão!

HIPÉRBATO - "... mapas do secreto Mundo." (Cap. 9) ao invés de "...mapas do Mundo secreto."

ALITERAÇÃO - "...punha patetismos pretos..." (Cap. 22)

PARADOXO - "...Companhia Industrial e Segurista de Imóveis Móveis..." (Cap. 119)

PROSOPOPÉIA - "... Depois casas baixas desanimaram a planície cansada." (Cap. 113)

SINESTESIA - "...de janelas cerradas e acesos silêncios." (Cap. 153)

O emprego de TROCADILHOS é comum na obra:- "... sátiras à sociedade de sátiros..." (Cap. 72)

A exemplo de outros escritores, Oswald também realiza diálogos intertextuais, fazendo referência aos seguintes autores, personagens e obras:- O primo Basílio (Eça de Queiroz) Cap. 100

-Herodes (Bíblia) Cap. 98
-Lord Byron (poeta romântico) Cap. 155
-Virgílio (poeta latino) Cap. 163

Faz referência à vanguarda artística européia (Picasso, Satie e João Cocteau - Cap. 51, Isadora Duncan - Cap. 47).

Também é marcante o emprego de vocábulos e expressões em línguas estrangeiras:- Inglês Francês Espanhol Italiano: dancing habitué encuentro de ustedes si sinhore / It is very beautiful! Mademoiselle / board-house tour du monde / Albany Street goudron-citron / Latim / Res non verba!

A obra registra também uma variante do português resultante da influência da migração árabe:- "- Aqui nong teng acordo. Teng pagamento! (Cap. 148)

Há um momento que Oswald recorre as todas as línguas e língua nenhuma:- "...Os Estados Unidos é cotuba. All right. Knock Out! I and my sisters speak french. Moi et ma soer nos savons paletre bien le Français. Eu e a minha ermam sabemos falal o francês..." (Cap. 68)

Ao destruir e reconstruir diversas línguas em busca de novos significados e formas de expressão, Oswald deve ter escandalizado seus contemporâneos. Ainda hoje a leitura de passagens como estas causam um certo espanto, embora o recurso já tenha sido universalizado por Umberto Eco (em o Nome da Rosa o personagem Salvatore fala uma língua que mistura latim, italiano, francês, espanhol, etc..., ou seja, fala todas as línguas e nenhuma ).

Ao longo da obra Oswald cria diversos neologismos. Dentre eles destacamos um para dar uma idéia da riquesa da criatividade do autor:- ORINÓIS (Cap. 138) = OURO (metal precioso) + URINOL (recipiente empregado para colher urina).

Através deste neologismo, criado a partir de duas palavras de campos semânticos distintos mas que guardam uma interseção gráfica (UR), Oswald redefine o valor do urinol e do ouro, zombando da burguesia que emprega ambos. Além disso, "OURINÓL" é um neologismo difícil de classificar, pois traz em si a idéia de um substantivo e ao mesmo tempo de um adjetivo (dourado). Consideremo-lo, para efeito deste trabalho como um substantivo.

O maior recurso expressivo empregado pelo autor é a criação de vocábulos.

Verbos Substantivos Adjetivos: Vagamundear, cornamusas, calva, gramática note-americava, neopropriedades comerciaturos, tombadilhavam, reisreais, jantar, fazendeira, cosmoramava, automobilizados, fazendeiral, tardava, ourinóis, paisajal, mulatava, caradura, respeitabundos, sentinelando, bestenamorada, espinafrado, gondolamos, institutal, turcavam, pince-nez, arqueólogo, guardanapando, mulatal, boulevardearam, perdoadora, verticalavam, pianal, pullmavam, quilometrais, quilometraram, charutal, frigorificavam, bolsentas, eldoradava, genealogias, fascícolas, morenava, gramofônica, fox-trotar, alfandegueiros, transatlanticarem, apelidais, beiramarávamos, figueiradal, bandeiranacionalizavam, calomelânica, britanizávamos, criadais, fordei, fortunais, grandilocou, ramazevedos, esperançava, matadoural, taxizara, carbogramado, cilindravam, marideiro, parisiavam, lanteijoulante, seminudava.

6 - IDEOLOGIA

A obra apresenta uma crítica ao casamento como instituição burguesa (união por interesse).

"Separação precavida de bens" (Cap. 62)

O motivo da separação do casal João Miramar/Célia é falência financeira dele.

"A margem disso o caso financeiro negreja no horizonte. O Senhor adquiriu rapidamente uma reputação de dilapidador." (Cap. 142)

O interesse do pai pela filha só ocorre após a morte da mulher.

"Foi à ele que corri na aflita busca de minha Celiazinha, feita milionária e só pelo Deus das revisões do processo." (Cap. 157)

Através do livro, Oswald ressalta e satiriza o caráter patrimonial das relações sociais burguesas.

"E Rolah trazia ao céu do cinema um destino de letra de câmbio." (Cap. 32)

Em duas oportunidades Oswald registra a utilização de dinheiro público para viagens de artistas ao exterior.

"Dalbert de subsídio e trombone ia partir para a conquista da Europa." (Cap. 26)

"João Jordão que não era artista nem nada parecida magro e uma tarde arranjou subsídio governamental para estudar pintura em Paris." (Cap. 22)

A linguagem também reflete uma escolha ideológica. Oswad quebra a forma usual de narrar, rompendo definitivamente com as escolas literárias que o antecederam, e com uma determinada concepção da língua portuguesa (abusa de neologismo, cria verbos, adjetivos, etc.).



Memórias Sentimentais de João Miramar é uma narrativa que se recusa a construir-se como tal. Assim, através deste verdadeiro mosaico que é a obra, Oswald de Andrade não pretende somente explodir as bases da literatura da época, mas também e principalmente implodir a sociedade burguesa e seus valores morais.