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LITERARIEDADE

quarta-feira, 10 de março de 2010

A teoria da literatura tem como objeto do seu estudo, o que foi denominado por Roman Jakobson de literariedade. Esse conceito caracteriza o que torna diferente um texto literário de um texto de literatura (lato sensu).
Um texto para ser literário, parte de uma elaboração especial da linguagem, utilizando elementos da ficção e da imaginação do autor, a chamada literatura stricto sensu. Essa elaboração especial, constitui o chamado "desvio", que afasta a linguagem literária das ocorrências verbais ordinárias.
Note a transcrição abaixo:


"O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão, e protegido por ela - braços largamente abertos, face volvida para os céus, - um soldado descansava.
Descansava... havia três meses.
Morrera no assalto de 18 de julho."
(Euclides da Cunha, Os sertões)


O dito desvio ocorre em dois fatos: um léxico, no emprego do verbo descansar, e um sintático, o uso incomum das reticências. A palavra "morrera", dá significado a "descansava", e as reticências que seguem a ela , operam um corte na frase, responsável pela criação do suspense inicial. Esse arranjo verbal organizado, constitui a literariedade do trecho, tornando-o especificamente literário.
No passado, o apego intransitivo ao texto, vedava as questões de real interesse. Atualmente, a teoria da literatura é aberta a métodos de investigação que valorizam bases sociológicas, antropológicas e psicanalíticas, ou seja, não basta ler, achar bonito, é necessário entender o que se está lendo, inclusive as motivações implícitas ao texto.

Postado por Rúbida Rosa às 7.7.08

SIGNO

terça-feira, 9 de março de 2010

Narra a lenda que Constantino, o Grande, imperador romano, no poder de 306 a 337, teria visto em sonhos, às vésperas da batalha decisiva contra Magêncio para o controle do império de Roma, uma cruz no céu e ouvido alguém pronunciar esta frase: “In hoc signo vinces” (que traduzo: “Com este signo, vencerás”). Ao despertar, o Pontifex maximus ordenou a seus soldados que gravassem, nos seus escudos, aquele signo. Naquele mesmo dia de 312, o imperador sonhador, que , apenas no leito de morte, se tornaria cristão, ganhou a batalha da Ponte Mílvia. Outra versão dá conta de que a visão ocorrera na Gália, quando Constantino estava a caminho de Roma, antes da batalha contra Magêncio. Já uma terceira versão da mesma lenda narra que a visão miraculosa aconteceu para todos os soldados de Constantino, quando os dois exércitos rivais se defrontaram na ponte Mílvia. Nas três versões do milagre, está sempre presente a palavra “signo”, ou o signo “signo”, declinada no ablativo singular latino do substantivo latino neutro signum/signi. Ainda no repertório do signo gravado, recordo que Mensagem, de 1934, único livro de Fernando Pessoa (1888-1935), publicado em vida do Poeta, a que foi atribuído, no concurso “Antero de Quental”, promovido pelo Secretariado de Propaganda Nacional, um decepcionante prêmio de “segunda categoria” (o prêmio de “primeira categoria”, recebeu-o o livro Romaria, de Vasco Reis: quem saberá algo do poemário galardoado?)), inaugura-se com uma epígrafe em latim: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum”, que, em vernáculo, verto para : “Bendito seja o Senhor nosso Deus, que nos deu o signo”. Embora a insígnia inaugural, conjugando, no acusativo do singular, o substantivo latino, não tenha levado à vitória quem dela se apropriou, terá, todavia, inaugurado a trajetória literária inexaurível de alguém que se, em vida, não foi considerado o “Supra-Camões”, goza, per omnia saecula saeculorum, de uma fortuna crítica muitíssimo mais vasta do que o império romano, definitivamente mais significativa do que todo o império luso, pois, entre o céu e a terra, entre o sonho e o livro, entre a batalha e a poesia, entre os signos e as coisas, há muito mais signos do que possa imaginar nossa, nem tão vã, semiologia. Destarte, é o signo: surpreendente, ambíguo, plurívoco, imperial, poético. Em ambos os enunciados, tanto na frase esotérica de Mensagem quanto no enunciado cristão do imperador romano, fulgura o significante “signo”, chave, portanto de qualquer leitura das “coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo”, como finaliza Fernando Pessoa seu texto de pórtico.

Tão complexa revela-se a noção de signo que o célebre semiólogo italiano Umberto Eco chega a afirmar, com doses de ironia, como é de seu feitio pós-moderno, que “um dos momentos de crise da semiótica contemporânea foi justamente a crise da noção de signo. Afirma-se: ‘o signo não existe’ “. No entanto, ainda segundo o autor de Lector in fabula (1979), não podemos viver fora do círculo dos signos, dado que “encontramo-nos na situação de dever evitar o que Jonathan Swift imaginou para os habitantes da ilha de Laputa, que andavam com um saco contendo os objetos que precisavam nomear. E assim, quando tinham de falar de uma maçã, de uma pena ou de uma caixa, tiravam o objeto do saco. À parte o fato de que estavam, portanto, impossibilitados de falar de elefantes ou de hipopótamos por motivos práticos, veremos mais adiante que também esses personagens estavam, no fundo, usando coisas presentes para indicar coisas ausentes, porque, evidentemente, a maçã que tiravam do saco não devia representar somente aquela maçã, mas todas as maçãs possíveis. E novamente, portanto, havia uma presença que remetia a algo que não estava presente”. Misturando lenda e reflexão semiológica, o professor da Universidade de Bolonha aponta a natureza dupla do signo, de qualquer signo, seja ele verbal, imagético, sonoro, táctil, gustativo...Com efeito, fica claro, em qualquer abordagem sobre o signo, que este é, por sua própria natureza cultural , duplo, visto que se estrutura como presença de algo ausente e como ausência daquilo a que remete. Segundo o semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980), o “termo signo, presente em vocabulários bem diferentes (da Teologia à Medicina) e de história muito rica (do Evangelho à Cibernética), é por isto mesmo bastante ambíguo; além disto (...), é preciso uma palavrinha a respeito do campo nocional onde ele ocupa um lugar, aliás flutuante (...). Signo , na verdade, insere-se numa série de termos afins e dessemelhantes, ao sabor dos autores: sinal, índice, ícone, alegoria são os principais rivais do signo”. Concomitantemente e sem se conhecerem (confirmando o que Carl Jung designa, belamente, como “sincronicidade”), o norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) e o suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) conceberam, respectivamente, uma semiótica e uma semiologia, em que a categoria do signo funciona como básica. No entanto, o lógico estadunidense e o lingüista genebrino definem, diferentemente, o signo, até por se basearem, para a constituição da nova ciência, por ambos definida como “ciência dos signos”, em heurísticas diversas: Peirce parte da lógica, ao passo que Saussure fundamenta-se na lingüística. Outra marca da diferenciação de perspectiva, semiótica e semiológica, reside no fato de se considerarem como signos não apenas entidades lingüísticas como signos não-verbais. Ao fim e ao cabo, tudo é signo e como falar do signo a não ser por outro signo? Em todas as suas linguagens, o ser humano não escapará de uma instigante tautologia.

De acordo com Peirce, signo é algo que substitui algo, para alguém, em certa medida e para certos efeitos; define-se como “qualquer coisa que conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere (seu objeto), de modo idêntico, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente, ad infinitum”. É de se notar que o termo “interpretante” refere, na nomenclatura semiótica peirceana, o signo equivalente que se cria na mente da pessoa a quem o signo se dirige. A cadeia infinita de signos revela, então, o traço que permite caracterizar o ser humano como um incansável produtor de signos, presentes em todas as civilizações e culturas, até porque, ocorrendo no seio de um grupo social, o signo é um fato culturalizado. Não terá fim a capacidade semiótica do homo significans. Por conseguinte, o significado de um signo é um outro signo.

Recortando o signo como signo lingüístico, Saussure pondera que “le signe linguistique unit non une chose et un nom, mais un concept et une image acoustique. Cette dernière n’est pas le son matériel, chose purement physique, mais l’empreinte psychique de ce son, la représentation que nous en donne le témoignage de nos sens; elle est sensorielle, et s’il nous arrive de l’appeler ‘matérielle’, c’est seulement dans ce sens et par opposition à l’autre terme de l’association, le concept, généralement plus abstrait”. Nessa linha de pensamento, o autor do Cours de linguistique générale (1915) nomeia “significante” a “imagem acústica” do signo e “significado” o “conceito”. Com seu talento taxonômico, sempre articulando uma tríade, ao contrário da lingüística saussureana, que privilegia o duplo (langue/parole; forma/conteúdo, sincronicidade/diacronicidade...), o filósofo-semioticista de The collected papers (nome original da tradução brasileira Semiótica, efetuada por José Teixeira Coelho Neto ) distingue três classes de signos: “um signo é um ícone, um índice ou um símbolo. Um ícone é um signo que possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu objeto não existisse, tal como um risco feito a lápis, representando uma linha geométrica. Um índice é um signo que de repente perderia seu caráter que o torna um signo se seu objeto fosse removido, mas que não perderia esse caráter se não houvesse interpretante. Tal é, por exemplo, o caso de um molde com um buraco de bala como signo de um tiro, pois sem o tiro não teria havido buraco; porém, nele existe um buraco, quer tenha alguém ou não a capacidade de atribuí-lo a um tiro. Um símbolo é um signo que perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse um interpretante. Tal é o caso de qualquer elocução de discurso que significa aquilo que significa apenas por força de compreender-se que possui essa significação”. Ainda numa relação triádica, Peirce, considerando os signos como elementos de sistemas mais ou menos elaborados de significação e de comunicação, assim dimensiona os signos : numa perspectiva sintática, em que se analisam as relações formais que mantêm entre si; numa perspectiva semântica, privilegia-se a relação entre o signo e o seu designatum; já, numa perspectiva pragmática, equaciona-se a relação entre os signos e os seus utentes.

Como exemplo da aplicação da semiologia de cariz saussereano, podemos ler o poeta contemporâneo brasileiro Arnaldo Antunes, ex-integrante da banda de rock “Titãs”, que oferece, no poema “Nome não”, uma emblemática lição de coisas semiológicas, onde não se podem fundir palavras e coisas:

“os nomes dos bichos não são os bichos/ os bichos são:/ macaco gato peixe cavalo/ vaca elefante baleia galinha // os nomes das cores não são as cores/ as cores são: / preto azul amarelo verde vermelho marrom // os nomes dos sons não são os sons/ os sons são// só os bichos são bichos/ só as cores são cores/ só os sons são/ som são, som são/ nome não, nome não// nome não, nome não// os nomes dos bichos não são os bichos// os bichos são:// plástico pedra pelúcia ferro/ madeira cristal porcelana papel “

Por seu turno, o extraordinário poeta modernista brasileiro Jorge de Lima (1893-1953) trava, na clave da intertextualidade semiológica, no “Canto X”, de seu Inventário de Orfeu (1952), um diálogo poeticamente amoroso com o decadentista francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), que buscava uma rosa que não estava em nenhum buquê, vale dizer, um referente a que signo algum reenvia : “Não a vaga palavra, corrutela/ vã, corrompida folha degradada, / de raiz deformada, abaixo dela,/ e de vermes, além, sobre a ramada; // mas, a que é a própria flor arrebatada/ pela fúria dos ventos; mas aquela/ cujo pólen procura a chama iriada/ - flor de fogo a queimar-se como vela:// mas aquela dos sopros afligida,/ mas ardente, mas lava, mas inferno,/ mas céu, mas sempre extremos. Esta sim,// está é que é a flor das flores mais ardida,/ esta veio do início para o eterno,/ para a árvore da vida que há em mim”. Nesse belo soneto, a cascata da adversativa “mas” produz a semiose do signo que não alcança a coisa; mas é preciso ler os significantes que levam a uma frondosa e fecunda árvore. Se, segundo o filósofo francês Merleau-Ponty (1908-1961), a gênese do sentido jamais se conclui, a semiologia ajuda a quebrar-se o espartilho da linguagem, que é, saussureanamente falando, um sistema de signos. Este poema do imenso poeta português Eugénio de Andrade celebra, lindamente, a força e a fraqueza das palavras, que são signos de nossa sina, quer sejamos ou não literatos, pois somos todos leitores e fazedores de signos, sobretudo de signos lingüísticos: “São, como um cristal, /as palavras./ Algumas, um punhal,/ um incêndio. / Outras,/ orvalho apenas”.

“A Literatura ensina-se?”, pergunta-nos, e a si mesmo, o Professor Carlos Ceia. Creio que a investigação do signo seja um horizonte seminal para se ensinar e aprender a Literatura, metáfora e metonímia de toda linguagem, a fortiori da linguagem da arte. Se, citando-se Saussure, todo signo é arbitrário, “todo o texto literário sujeito a uma leitura crítica é suposto ser anónimo. Este adjectivo denota também aquilo que é obscuro, o que serve também objecto da textualidade. Se partirmos do pressuposto de anonimato do texto, devemos começar por nos consciencializar de que o objecto que temos perante nós possui os seus segredos, o seu mistério próprio que nos cabe não menos desvelar como continuar”, responde o professor da Universidade Nova de Lisboa. Desde sua etimologia, signo é senha, sina, sino, sinal, desenho, desígnio. Intersemioticidade; SEMIOLOGIA; Semiose; Semiótica

BIB: Fernando Pessoa, Obra poética (1983), p. 3. Umberto Eco. Conceito de texto (1984), p. 4, p. 6-7. Roland Barthes, Elementos de semiologia (1964), p. 39. Charles S. Peirce, Semiótica (2000), p. 74. Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale 19830, P. 98, 99. Carlos Ceia, A Literatura ensina-se? Estudos de Teoria Literária (1999), p. 76. Décio Pignatari, Informação. Linguagem. Comunicação (1977), p. 25.

Latuf Isaias Mucci

O QUE É POESIA: Considerações sobre o fazer poético

segunda-feira, 8 de março de 2010

Afinal, o que é poesia?
Disponho-me neste curto estudo, a tentar explicar o fenômeno poético - e consequentemente literário como um todo - buscando justamente elucidar essa dúvida tão comum a tantos estudantes e ao público em geral.
Há quase que um consenso geral de que poesia é a expressão de sentimentos por meio de versos e/ou rimas, todavia, cremos que essa é uma opinião equivocada. A simples disposição de palavras em versos (sejam eles livres ou não, rimados ou não), por si só, não garante a existência de um texto poético.
Caso essa opinião fosse verdadeira,
Escrever este texto em versos
Já garantiria a existência
De poesia.
Cremos que não foi isso o que aconteceu. Do mesmo modo, organizar um punhado de palavras que expressem algum sentimento, mesmo que ele seja verdadeiro, não é fazer poesia. E então, como fica nossa pergunta inicial após esse comentário? Cremos que o melhor modo de respondê-la é começar mostrando o que há de verdade no conceito de poesia apresentado pelo público em geral; ao definir a poesia como "expressão de sentimentos", um leigo não estaria de todo errado. O texto poético é a expressão de uma subjetividade, é a concretização física e artística da visão de mundo de seu autor.
É necessário, no entanto, colocar-se nesse momento a outra característica da poesia (que podemos dizer que é a mais importante para caracterizá-la); o trabalho com a palavra. A literatura, de um modo geral, é a arte da palavra, é a expressão do homem por meio de uma de suas ferramentas mais importantes; o sistema lingüístico. Assim, enquanto um escultor utiliza-se da de suas ferramentas para lapidar a matéria bruta e o músico precisa afinar o instrumento para poder produzir uma melodia agradável, o escritor precisa trabalhar também as palavras, para que esteja produzindo arte. A poesia, entretanto, requer um cuidado maior no momento de sua produção; a linguagem poética tende a ser mais metaforizada, mas ritmada, mais sujeita a peripécias estruturais que a linguagem em prosa (conto, crônica, romance, etc.). Se fossemos recorrer ao conceito de "literariedade" que o Formalismo Russo desenvolveu veríamos que há uma diferença entre os graus de literariedade da "prosa" e do "verso".
Entendendo a literariedade como as características formais que fazem com que um texto seja entendido como literário, em detrimento dos demais textos produzidos cotidianamente com outros fins, podemos perceber desde o início que, realmente, um texto literário produzido de forma correta, é bem distinto dos demais. Além disso, comparando um conto e uma poesia, ou até mesmo textos do mesmo gênero, porém de autores diferentes, poderemos ver que a literariedade (ou seja, aspectos formais próprios do texto literário - para reduzir bem a complexidade do termo) nos é útil também para diferenciar uma seqüência meramente narrativa, de uma seqüência poética (mesmo que esta narrativa esteja posta em versos). Não cabe aqui discutirmos se os postulados dos formalistas russos são pertinentes hoje em dia ou não, apenas nos valemos deste conceito para auxiliar no entendimento dos elementos diferenciadores da poesia/literatura e demais textos.
Ora, se a literariedade é o que define a literatura, como será que ela se expressa na poesia? Responderemos esta pergunta partindo da análise de textos. Vejamos

"As rodas rangem na curva dos trilhos
Inexoravelmente" (O Martelo, Manuel Bandeira)

Nestes versos iniciais do poema, Bandeira parece querer trazer o "ranger" das rodas do trem para junto do leitor. Fica nítido na repetição de fricativas e vibrantes, o desejo de levar sonoridade ao texto: "as Rodas RanGem na cuRVa dos TRilhos ineXoRaVelmente". Isso provoca um efeito sonoro espetacular, prendendo as atenções do leitor no texto, mas também o levando para o texto.

"Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente,
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer." (Soneto, Luís de Camões)

Neste texto, vemos logo de cara, elementos únicos da poesia, como versos metrificados; versos decassílabos com acentuação na 6ª e na 10ª silabas (Versos heróicos), rima (abba), presença da antítese (contentamento X descontente), etc.
É lógico que qualquer pessoa conseguiria descrever um ranger de trilhos ou os paradoxos que afligem o coração de quem ama, porém, só quando essas idéias são expressas de um modo trabalhado, envolto em determinados princípios norteadores, sob um mínimo de planejamento, reflexão e conhecimento teórico que seja e, o mais importante, por um conhecedor do gênero que está produzindo, somente assim, teremos poesia.
Acerca disso, faz-se necessário apresentarmos um trecho de um poema de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, onde, depois de dizer sobre o que a poesia não deve falar (acontecimentos, mortes, aniversários, incidentes pessoais, sentimentos, cidades, ou seja, quase tudo), apresenta o que deve fazer o poeta: "Penetra surdamente no reino das palavras. / Lá estão os poemas que esperam ser escritos. / Estão paralisados, mas não há desespero, / Há calma e frescura na superfície intata. / Ei-los sós e mudos em estado de dicionário. / Convive com teus poemas antes de escrevê-los. (...)" (Procura da Poesia). Lógico que Drummond não pretende nestes versos, apresentar fórmulas nem receitas que inspirem um bom fazer poético, pois desse modo estaria se contradizendo, uma vez que a maioria desses assuntos está presente em seus textos. Ao contrário, o poeta apenas aconselha que não é no calor dos sentimentos que se deve produzir poesia, em súbito, pois desse modo têm-se apenas desabafo, catarse. Não se deve tentar poetizar acerca de um acontecimento somente porque nos chamou atenção ou nos mobilizou, emocionou; o fazer poético requer um trabalho com o texto, um tempo para amadurecer as idéias, pensar num modo correto de as exprimir. "Penetrar surdamente no reino das palavras", para o poeta, significa produzir um texto apenas quando já se conhece os caminhos a seguir, quando se está maduro o suficiente para livrar-se do imediatismo ou sentimentos exagerados que prejudiquem o texto. É não escolher um tema para fazer poesia, mas escolher o modo correto para exteriorizar os anseios do seu "eu".
Enfim, cremos ter ficado claro que o objetivo deste texto é mostrar que o simples desabafo por meio de versos muitas vezes é bonito e necessário, todavia, não deve ser, por isso, chamado de poesia. O texto literário de um modo geral e, mais especificamente a poesia, obedecem a "regras", ou melhor dizendo, satisfazem necessidades formais e conteudísticas necessárias à realização de seus objetivos.
Concordamos inteiramente com Aristóteles quando este afirma que mesmo que Empédocles (filósofo grego contemporâneo seu) escrevesse um tratado de medicina em versos, não estaria fazendo poesia. Ainda segundo Aristóteles, o que difere este filósofo do poeta Homero não é a forma com que escrevem seus textos, mas sim a união desta com outros elementos, tais como rima, metro, etc. Logo, escrever em versos não é poesia, poesia é trabalho, reflexão, organização, teorização, reescritura, ou seja, um longo processo artístico.

Leia também "O QUE É POESIA: do conteúdo", "O QUE É POESIA: um pouco de crítica", "O QUE É POESIA: desfazendo mitos" e "O QUE É CRITICA LITERÁRIA"

Weslley Barbosa
Publicado no Recanto das Letras em 14/03/2008
Código do texto: T901296

Ação

sábado, 6 de março de 2010

Uma das principais categorias do texto narrativo e do texto dramático, a acção indica um acontecimento dinâmico realizado por uma ou mais personagens. Inclui tudo que faz, o que diz e/ou o que verdadeiramente sucede a uma personagem, permitindo identificar este dinamismo numa sequência de acontecimentos, não necessariamente ordenados no tempo e no espaço. A acção narrativa tanto pode corresponder a um único acontecimento (por exemplo, o episódio de Santa Olávia, capítulo III de Os Maias, de Eça de Queirós, que nos apresenta a educação de Carlos da Maia por contraste com a educação de Eusebiozinho), como a um conjunto de acontecimentos (a história da decadência da família Maia, no mesmo romance). Porque os acontecimentos não têm todos a mesma dimensão e importância numa obra, costumamos distinguir acções secundárias (do tipo descrito em primeiro lugar), que se desenvolvem em torno da matéria central da obra de ficção e são, em regra, dispensáveis à consecusão do principal objectivo ficcional; e uma acção principal (a descrita em segundo lugar), que corresponde aos momentos fulcrais da história narrada, e cujos elementos constitutivos não são dispensáveis, sob pena de o fio narrativo perder a sua lógica interna.

O conceito de acção não se limita ao texto narrativo e ao texto dramático, onde está codificado desde o tratado de Aristóteles sobre a tragédia grega. De notar que qualquer texto que envolva uma matriz narrativa, como o texto épico, por exemplo, pode ser dividido em acções. O texto de ficção usa de maior liberdade na construção das acções do que o texto dramático. Se vários tratadistas clássicos consideram que um texto dramático pode ter até cinco acções secundárias dentro da matéria principal, Aristóteles, na sua Poética, apenas considera que as partes da acção (pragmata ou actus) devem ser apenas três: introdução ou pré-história que informa o espectador sobre os antecedentes da matéria representada; parte mediana ou história propriamente dita, onde se representa uma acção dinâmica complexa; fim ou conclusão da história representada, que implica a recuperação da harmonia inicial ou o refreamento da acção dramática. Entre as partes principias da acção dramática, podem ocorrer episódios, que apenas devem ser introduzidos segundo um criterio de necessidade. No texto da tragedia, podemos reconhecer várias estratégias para controlar o desenolvimento da acção, o que se testemunha através de peripécias (mudanda brusca dos acontecimentos) ou da anagnórise (ou reconhecimento de um facto decisivo que causa mudança brusca e radical no desenvolvimento da acção e no destino das personagens). Das três unidades constitutivas do texto dramático (acção, lugar e tempo), considera-se, desde esta visão classicista, que a unidade de acção é a mais importante.

No texto de ficção, estas regras são totalmente desrespeitadas. Não há tratados sobre a boa construção das acções de um texto narrativo e um escritor não está obrigado a obedecer ao mesmo padrão em todas as suas criações narrativas e ficcionais. A partir do romance modernista, no início do século XX, as técnicas têm variado tanto que podem ir da tendência para a sobreposição das acções até à anulação de qualquer movimento dinâmico no interior de um texto de ficção. Podemos encontrar um romance complexo como Ulysses, de James Joyce, onde fica evidente a dissimulação do fio da história narrada, os constantes recuos e avanços na acção e a inclusão de episódios estranhos a essa acção, rompendo com todos os cânones respeitados no século XIX por altura do domínio do romance realista; como podemos encontrar um anti-romance de Rayner Heppenstall, Connecting Door (1962), que é uma descrição passiva de edifícios, ruas e notações musicais, abolindo qualquer acção e negando ao próprio narrador uma identidade própria.



CONTO; EPOPEIA; EPISÓDIO; INTERACÇÃO; INTRIGA; NARRATIVA; novela; ROMANCE; TEATRO



Carlos Ceia

A Retórica

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ethos – é o tipo de prova centrado no carácter/ética do orador que deve ser virtuoso e credível para conseguir a confiança do seu auditório.

Pathos – tipo de prova centrado no auditório emocionalmente pressionado e seduzido

Logos – tipo de prova centrado nos argumentos e discurso bem estruturado do ponto de vista lógico-argumentativo, para que a tese se imponha como verdadeira.

A retórica, a arte de convencer e persuadir, tem as suas origens na antiguidade clássica, devendo aos sofistas (professores itinerantes que se dedicavam ao ensino dos jovens cidadãos e dominavam a arte de persuadir pela palavra) a sua proliferação.

Eram dotados de habilidade linguística e de estilo eloquente e surpreendiam pela sua vasta sabedoria e pelos seus discursos expressivos. O seu ensino proporcionava aos cidadãos da Grécia antiga os meios e técnicas necessários à inserção e participação na vida política.

Desde muito cedo os sofistas se dão conta de que o uso da palavra, tendo em vista convencer e seduzir os ouvintes, é mais eficaz do que o conteúdo do próprio discurso. Por outro lado, a sua vida itinerante e o contacto com diferentes culturas faziam-nos acredita e defender que a verdade dos discursos é a verdade que serve ao homem, uma verdade relativa. Ao afirmar o relativismo da verdade, é inaugurada uma longa batalha contra Sócrates e Platão, que achavam que a argumentação só podia servir a busca da verdade (única, absoluta e universal capaz de dizer uma realidade absoluta, perfeita e imutável), para praticar o bem (enalteceram o pathos). Pretendem inviabilizar a prática de uma retórica baseada em opiniões e meras aparências. Assim, sofista passa a estar associado ao falso saber, aquele que detém uma sabedoria aparente, que faz uso do raciocínio falacioso.

Mas ao distinguir os domínios da retórica, da moral e da verdade, Aristóteles, pode libertar a retórica da má reputação que a ligava à sofística. Com efeito, pode-se fazer um bom ou mau uso da retórica, não é ela que é imoral, mas quem a utiliza. (Aristoteles, apercebeu-se de todas, mas destacou o papel do logos)

Na concepção clássica:

- o ser identifica-se com tudo o que existe e é independente do modo como o dizemos/ conhecemos

- a verdade é unívoca e corresponde ao conhecimento absoluto do ser (ou realidade

Será apenas no séc.XX que assistiremos à completa reabilitação da retórica e da sua relação com a filosofia. A nova retórica, proposta por filósofos como Chaim Perelman, encontra na argumentação o fundamento de uma nova racionalidade, isto é, passa a considerar-se a sua importância no pensamento e para o conhecimento.

O filósofo Michel Meyer faz uma leitura da história da retórica que é particularmente interessante: é na relação dos conceitos ethos, pathos e logos que podemos encontrar a chave para a explicação dos diferentes momentos da retórica ao longo da sua história.

Na concepção contemporânea:

- o ser diz-se de diferentes maneiras (é plural) e só pode ser dito/conhecido por intermédio da linguagem

- a verdade não é unívoca nem absoluta, é plurívoca e renovável


FONTE: http://www.notapositiva.com/pt/trbestbs/filosofia/11retorica.htm