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Behaviorismo

terça-feira, 21 de abril de 2009

Luiz Henrique de A. Dutra
Universidade Federal de Santa Catarina

Entre os filósofos e os psicólogos experimentais, o behaviorismo pode assumir duas posturas básicas, que vamos denominar behaviorismo crítico e behaviorismo programático. O behaviorismo crítico se opõe ao dualismo mentalista tradicional, a partir de Descartes, segundo o qual a mente humana é de outra natureza, diferente e independente do corpo. Neste aspecto, o behaviorismo é uma doutrina claramente antimetafísica. Embora essa postura possa ser encontrada nos autores que se dedicaram a uma discussão dos fundamentos da psicologia experimental, em especial, John Watson e B. F. Skinner, ela é mais tipicamente representada por alguns filósofos eminentes no séc. XX, como o segundo Wittgenstein e Gilbert Ryle, cuja obra The Concept of Mind se tornou um dos clássicos da filosofia da mente de todos os tempos. Por sua vez, o behaviorismo programático, estando ou não mais diretamente relacionado com o behaviorismo crítico, tem como preocupação central uma fundamentação da psicologia, seja em sentido amplo, como uma reconstrução racional das noções ligadas aos eventos mentais, seja em sentido mais restrito, como elaboração de estratégias e métodos para a investigação no domínio da psicologia experimental e aplicada. A este segundo respeito, são exemplares, mais uma vez, as obras de Watson e Skinner, enquanto que, com relação ao primeiro, tornaram-se célebres alguns autores ligados ao positivismo lógico, em especial Rudolf Carnap.

A abordagem de Ryle é algumas vezes denominada behaviorismo lógico, outras, behaviorismo analítico. Sua idéia fundamental é que o discurso que fala de eventos e entidades mentais é simplesmente uma narrativa feita em um dialeto alternativo àquele discurso que fala de eventos e objetos do comportamento manifesto dos indivíduos humanos, localizado no espaço e no tempo. Como duas formas alternativas de linguagem, como se fossem duas línguas naturais diferentes, os dialetos mentalista e comportamental não explicam um ao outro, como supõe o mentalismo tradicional, mas apenas se alternam. Para Ryle, o mentalismo de origem cartesiana comete erros categoriais e está fundamentado em um mito, aquele do fantasma dentro da máquina, concebendo o corpo humano como uma máquina biológica e a mente como um espírito que, de dentro, a move. O erro categorial está no fato de que, depois de descrever o comportamento manifesto dos indivíduos humanos, segundo Ryle, não há mais o que dizer dos eventos mentais. Fazer o contrário seria como, por exemplo, depois de conhecer todos os prédios, departamentos, laboratórios, bibliotecas, etc., de uma universidade, ainda querer conhecer a universidade.

A preocupação fundamental com a linguagem também marca o behaviorismo defendido por Carnap, em sua tentativa de providenciar para a psicologia um lugar no sistema da ciência unificada. Por comodidade, a psicologia pode continuar a empregar uma linguagem cujos termos se refiram a entidades, propriedades, eventos e processos mentais, mas tal linguagem deve poder ser reduzida (isto é, traduzida) a uma linguagem sobre eventos espaço-temporais. Ou seja, os enunciados que utilizam termos mentalistas devem poder ser traduzidos em enunciados que utilizem apenas termos que se referem a episódios do comportamento manifesto dos indivíduos. Desta forma, segundo Carnap, podemos conferir à psicologia um lugar em um sistema da ciência unificada, e superar a dualidade tradicional entre as ciências da natureza e as ciências do espírito.

Segundo Carnap, sua abordagem é compatível com aquela do behaviorismo de Watson, com a diferença de que este último está preocupado sobretudo com a formulação de uma metodologia para a investigação empírica e experimental, enquanto que Carnap estava exclusivamente preocupado com a definição dos termos psicológicos. O behaviorismo metodológico de Watson é a primeira das grandes doutrinas que nortearam as investigações em psicologia experimental de um ponto de vista behaviorista, e que foi seguida por diversas outras, similares, como as de E. R. Guthrie, C. L. Hull e E. C. Tolman, além de Skinner. Em sua primeira fase, o behaviorismo na psicologia experimental estava profundamente marcado pelas investigações em fisiologia animal, como aquelas de I. P. Pavlov. A noção central de que se ocupa o behaviorismo de Watson é aquela que diz respeito ao que podemos denominar comportamento respondente, isto é, a relação entre um estímulo ambiental e uma resposta do organismo. Segundo essa abordagem, o organismo é condicionado por eventos ambientais, de tal sorte que os mesmos estímulos provocam nele as mesmas respostas. Por esta razão, esta abordagem ficou conhecida como psicologia do estímulo-resposta.

O behaviorismo radical de Skinner se apresenta como crítico e ao mesmo tempo continuador dessa abordagem, e alcançou o estatuto de principal programa de pesquisa em psicologia experimental até hoje. A partir da noção fundamental contida da lei do reforço, formulada por E. L. Thorndike, segundo a qual, quando uma resposta do organismo é premiada, isso faz aumentar a probabilidade de respostas similares, uma das principais inovações conceituais de Skinner está na noção de operante (ou comportamento operante), que se distingue daquela de comportamento respondente. Para Skinner, o comportamento operante é emitido pelo organismo, e não produzido pelo ambiente, e o que modela o comportamento são suas conseqüências reforçadoras. Quando o organismo responde a um estímulo ambiental e as conseqüências de sua resposta são premiadoras, isso faz aumentar a probabilidade de respostas similares; quando as conseqüências são punitivas, diminui tal probabilidade. É deste modo que as variáveis ambientais modelam o comportamento dos indivíduos, num processo de condicionamento operante.

Um outro aspecto particularmente importante da oposição que o behaviorismo faz ao mentalismo tradicional e aos programas em psicologia experimental nele fundamentados diz respeito ao método da introspecção. A psicologia tradicional admite como legítimo o fato de um indivíduo relatar seus estados mentais, e confere valor objetivo e experimental a tais relatos. A partir de Watson, os behavioristas fazem uma oposição resoluta a esse método, restringindo o âmbito de estudos da psicologia apenas aos fatores ambientais. A este respeito, Skinner também apresenta uma inovação importante, ao formular a noção de comportamento encoberto. Para ele, a psicologia experimental também pode estudar aquilo que está dentro da pele, para utilizarmos sua própria expressão. Isso restaura para a psicologia a possibilidade de estudar os eventos privados, mas não no mesmo sentido do mentalismo tradicional. Os eventos privados de um indivíduo humano não são a causa de seu comportamento manifesto, diz Skinner, mas, ao contrário, são eventos regidos pelas mesmas variáveis ambientais que controlam o comportamento manifesto.

As limitações teóricas e experimentais impostas pelos behavioristas à psicologia, em um primeiro momento, restringiram fortemente sua possibilidade de conferir respostas convincentes para as grandes questões de que a filosofia da mente e a psicologia tradicional se ocupavam, e por isso foram severas as críticas que os programas behavioristas receberam, tanto dos mentalistas tradicionais, quanto de outras posturas mais recentes, como da psicologia cognitiva e dos defensores da abordagem intencional. Embora os sucessos de aplicação no controle do comportamento fossem às vezes expressivos, como aqueles que, com base no behaviorismo radical de Skinner, foram alcançados na recuperação de pacientes em hospitais psiquiátricos, que não respondiam bem a outras formas de terapia, na reeducação de detentos, e no controle do comportamento em outros ambientes fechados, como as linhas de produção das fábricas tradicionais e certas escolas, como internatos, os críticos do behaviorismo argumentam que suas técnicas não podem funcionar em contextos sociais ordinários, nem explicar o comportamento humano em tais contextos, nos quais não há mecanismos de controlo efetivo das variáveis ambientais mais relevantes.

Essas preocupações conduziram alguns neo-skinnerianos à elaboração de novos programas de pesquisa, com inovações importantes, desenvolvidas nas últimas décadas, e que deram novo vigor à abordagem behaviorista, desmentindo a alegação comum de que o behaviorismo está morto. Entre diversos programas de pesquisa dignos de menção, podemos citar aquele de R. J. Herrnstein e seus colaboradores, sobre a lei de igualação ou proporção (matching law), e outros que se desenvolveram posteriormente, como o behaviorismo teleológico de H. Rachlin e a teoria da estrutura relacional (relational frame theory), de S. C. Heyes e seus colaboradores.

Luiz Henrique de A. Dutra
Bibliografia

* Carnap, R. 1959. Psychology in Physical Language. In Ayer, A. J. (org.), Logical Positivism. Nova York: Free Press.
* Hayes, S. et al. (orgs.) 2001. Relational Frame Theory: A Post-Skinnerian Account of Human Language and Cognition. Nova York: Kluwer Academic/Plenum Publishers.
* Herrnstein, R. J. 1997. The Matching Law: Papers in Psychology and Economics. Rachlin, H., e Laibson, D. I. (orgs.). Cambridge, Mass., e Londres: Harvard University Press.
* Rachlin, H. 1994. Behavior and Mind. The Roots of Modern Psychology. Nova York e Oxford: Oxford University Press.
* Ryle, G. 1949. The Concept of Mind. Chicago: The University of Chicago Press, 1984.
* Schwartz, B. e Lacey, H. 1982. Behaviorism, Science, and Human Nature. Nova York e Londres: Norton.
* Skinner, B. F. 1974. About Behaviorism. Nova York: Vintage.
* Staddon, J. 2001. The New Behaviorism. Mind, Mechanism and Society. Philadelphia: Taylor & Francis.
* Watson, J. 1930. Behaviorism. Nova York e Londres: Norton, 1970.
* Wittgenstein, L. 1953. Philosophical Investigations. Trad. G. E. M. Anscombe. Oxford: Blackwell, 2001.

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