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Murilo Mendes: um poeta visionário.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Por Gilfrancisco

Ao amigo Haroldo de Campos (1929-2003),

que me introduziu no vidente mundo muriliano.





Murilo Mendes foi uma das mais interessantes e controvertidas figuras do mundo literário brasileiro, um poeta difícil e por isso mesmo, pouco divulgado. Tinha uma personalidade desconcertante, sua vida também constitui uma obra de arte, cheia de passagens curiosas de acontecimentos inusitados, que amava Mozart e ouvia suas músicas de joelhos na mais completa ascese mística, não permitindo que os mais íntimos se acercassem dele nessas ocasiões e certa vez telegrafou a Hitler, protestando em nome de Mozart contra o bombardeio de Salzburgo.



Na mais completa liberdade de ação, sempre mergulhando no âmago das coisas, sua magnífica obra, além de bastante extensa, compreendendo cerca de doze livros de poemas, três em prosa e vários inéditos, está exigindo um estudo aprofundado, onde se possa aquilatar com justiça seus altos méritos, já iniciados pelos ensaístas Haroldo de Campos e José Guilherme Merquior, ambos falecidos. Poeta excêntrico e inquieto, perquiridor, está completando 31 anos de morto, mas festejado em absoluto silêncio.



Pouco citado e omitido em antologias e estudos sobre o movimento de 1922, Murilo Mendes é hoje um poeta que tem uma obra definida, pessoal, livre de alguns chavões do próprio grupo modernista, poeta alheio a grupos, sempre trabalhando isoladamente, construiu uma obra bastante pessoal, enriquecendo-se de um universo lingüístico, quanto na experimentação formal, a cada novo livro publicado.



Inúmeras foram suas aventuras intelectuais inconformistas: "conciliador de contrários, incorporador de eterno ao contingente", como disse Manuel Bandeira, procurou restaurar em colaboração com Jorge de Lima, a poesia em Cristo, intentou disciplinar o caótico e o pânico, aspirou a inaugurar no mundo o estado de confusão transcendente, contendo a abundante inspiração e a contundente inventiva nos versos de intensas sintaxes e insuperável rigor.



Murilo Monteiro Mendes nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, em 13 de maio de 1901, onde iniciou seus estudos primários e secundários, continuados em Niterói, mas logo interrompidos. A partir de 1920, fixa residência no Rio de Janeiro e torna-se pouco depois amigo do pintor Ismael Nery, que teria grande influência em seu espírito. A década de 20 é a do desenvolvimento do movimento modernista, que eclode com a Semana de Arte Moderna, em São Paulo, no ano de 1922. Apesar de não ter participação ativa, o poeta declara: "Em 1922 eu estava no Rio, olhando de longe e com simpatia o movimento, mas sem aderir oficialmente, porque nunca tive instinto gregário, o que sempre me impediu de fazer parte de qualquer grupo".



Mário de Andrade assinala no seu famoso ensaio A poesia em 1930 diz que esse ano, o que marca a poesia brasileira é a publicação de quatro livros, Alguma Poesia, Carlos Drummond de Andrade; Libertinagem, Manuel Bandeira; Pássaro Cego, Augusto Frederico Schmidt e Poemas, de Murilo Mendes: "Todos são poetas feitos, e embora dois deles só apareçam agora com seus primeiros volumes, desde muito que podiam ser poetas de livro. Mas quiseram escapar dos desastres quase sempre fatais da juventude. Se fizeram e fazem versos não é mais porque sejam moços, mas porque são poetas"1.



Mário refere-se aos estreantes Drummond e Mendes. Sobre o livro, afirma ele: "...historicamente é o mais importante dos livros do ano. Murilo Mendes não é um surrealista no sentido de escola, porém me parece difícil da gente imaginar um aproveitamento mais sedutor e convincente da lição surrealista. Negação da inteligência superintendente, negação da inteligência seccionada em faculdades diversas, anulação de perspectivas psíquicas, intercâmbios de todos os planos, que não exemplifico porque são todo o livro. O abstrato e o concreto se misturam constantemente, formando imagens objetivas".



Com a publicação de Poemas, modesta edição impressa em Juiz de Fora, paga por seu pai e prêmio da Fundação Graça Aranha, inicia-se nessa época, um segundo momento do modernismo, menos voltado para as contestações e mais voltado ao desenvolvimento de suas idéias. A partir de então, temos um Murilo Mendes modernista, surrealista, místico, messiânico, anárquico, barroco, católico e vanguardista. Os poemas dessa primeira fase, parecem casos típicos de antropofagia, como por exemplo, o da "Família Russa no Brasil", vitimado pelo caráter antropófago da nossa civilização, que Oswald de Andrade, por uma das suas extraordinárias intuições, soube em evidência, num movimento cuja significação capital, somente anos depois poderiam reconhecer.



A publicação desse livro, considerado como "um dos poetas mais interessantes desse momento", atingindo à riqueza e obtendo todo o rendimento do seu lirismo, numa imersão definitiva e fatal. É uma obra em que o poeta é um homem para quem o mundo exterior existe. Murilo trouxe uma contribuição pessoal e nova, que bastaria para assinalar o desejo de uma forma essencial, isenta de qualquer intemperança efusiva. Ou seja: "Com o sr. Murilo a poesia brasileira parece ter perdido irremediavelmente o pé. Dir-se-ia que nenhum ponto de apoio, nada mais, a sustém, e que ela voga equilibrando-se como pode, ao sabor das ondas insubordinadas da imaginação"2.



Em seu segundo livro, História do Brasil, os fatos da história brasileira são demolidos anárquica e irreverentemente, numa atitude que se aproxima da desmoralização, mas cujo intento é rever a história de uma outra ótica, opondo-se aos manipuladores de interesses. Esse livro, que segundo Aníbal Machado é mais fiel que a de Rocha Pombo, mais sintética que a de João Ribeiro, e a única verdadeira. "É sem dúvida o primeiro livro de versos sobre os fatos do Brasil, onde o poeta colheu as passagens mais graves dos quatrocentos anos de nossa existência política para o registro sóbrio e pitoresco".



Apesar dos versos provocarem risos e o imprevisto da linguagem que nele parece uma vocação, no fundo do que se mostra como mera brincadeira, existe um tom de melancolia disfarçada. A vivacidade crítica salta da primeira à última página de História do Brasil, cuja leitura é um prazer, onde o autor se mete nos assuntos mais sérios para apreciá-los com leveza sintética e sutil. É um livro de humor, mas também de pensamento, extraindo conceitos impressionantes de fatos que em outros provocariam apenas a deformação da charge ou da paródia. Uma obra destinada a fazer sorrir, mas também não raro a meditar.



Em Tempo e Eternidade, o título é referente a uma passagem bíblica em que narra um episódio de solidariedade ao Cristo, lançado em 1935, juntamente com o poeta alagoano Jorge de Lima. O livro reúne dois autores de temperamento e expressão diversa, mas unidos na causa pelo mesmo desejo de servir liricamente ao credo religioso que os empolgou. Com esse livro, Murilo parece ter abandonado para sempre o culto do epigrama cortante, que todos retinham na memória e todos os amigos do humor repetiam. Agora, o que lhe interessa é cantar aquelas entrevisões da alma profunda em que se comprazem os iluminados da poesia católica. Vamos encontrar, ainda, uma poesia totalmente rumo a Deus; ao contato de Deus, tudo se diviniza. Todo o seu fervor, todo o seu grande deslumbramento vem de Deus e vai para Deus. É dali que vem o sentido universal, amplo, envolvente e grandioso da poética de Murilo Mendes, todas virtudes cristãs, principalmente a piedade. O co-autor da coletânea, é o poeta serenidade, da majestade e do amor a Deus, o poeta do deslumbramento divino.



Poesia em Pânico (1936-1937), publicada no ano seguinte, é uma obra onde o autor das Metamorfoses (1941), tenta conciliar a sua existência aprisionada com a criação poética libertadora. É a bipartição entre Deus e a Musa, pois a Igreja lhe disputa o amor da Musa, esta vence e recolhe o amor que deveria ser consagrado à igreja, e o poeta fica em pânico a identificar mulher e pecado, segundo a linha que vem da Tentação e da Queda. O tom é de denúncia, a temática central dessa obra é a procura da conciliação, e o próprio poeta nos diz o seguinte: "Preocupei-me com a aproximação de elementos contrários, a aliança dos extremos, pelo que dispus muitas vezes o poema como um agente capaz de manifestar dialeticamente essa conciliação, produzindo choques pelo contato da idéia e do objeto díspares, do raro e do cotidiano, etc. Palavras extraídas tanto da bíblia quanto dos jornais, procurando mostrar que o social não se opõe ao religioso".



Ainda sobre o livro, Mário de Andrade dedicou um violento artigo3, onde procura mostrar os equívocos do seu percurso poético em relação à religião, e embora fosse também católico, Mário foi muito infeliz ao cometer imperdoáveis erros, ou seja: incompreensão do processo de sua obra, ao afirmar que: "...além de um não raro mau gosto, desmoraliza as imagens permanentes, veste de modas temporárias as verdades eternas, fixa-se anacronicamente numa região do tempo e do espaço o Catolicismo, que se quer universal por definição. Nesse sentido, o catolicismo de Murilo Mendes guarda a seiva de perigosas heresias".



Com Visionário (1930-1933), Murilo retoma alguns temas já apresentados no seu livro de estréia, ao questionar o mistério do tempo, "...que se manifesta simbolicamente na mulher, guardiã, em seu corpo, da semente que faz brotar a vida, pois seu ventre é o depositário do passado e do futuro, amadurecendo e se renovando a cada gestação". Sua primeira tentativa na prosa é O Discípulo de Emaús (1945), composto de algumas centenas de aforismos, em que ele diz: "Passaremos do mundo adjetivo para o mundo substantivo". Murilo passou por vários estágios, explodindo ou implodindo no seu próprio âmago conflitante. É nessa época, que o poeta colaborou com freqüência na imprensa brasileira, escrevendo muito sobre música, como por exemplo em Letras e Artes, suplemento do jornal A Manhã, publicando uma longa série de artigos, intitulada Formação de Discoteca, onde revelou seu atuante e profundo conhecimento de música, além de escrever também sobre artes plásticas.



O sensualismo permeado por uma visão mágica é outra área de conflito, que junto à religiosa e à surrealista, formam a base de sustentação da poesia de Murilo Mendes, como se essas transcendências ou exuberâncias verbais se conjugassem no infinito. Esse conflito jamais resolvido e sempre renovado, entre forma e transparência, faz com que seja necessário recorrer à noção de polivalência ou autonomia, para compreendê-la e avaliá-la devidamente. Sempre a experimentar novos caminhos formais e temáticos, delineando seu auto-retrato, nas suas obras seguintes, evidenciará a indefectível consciência literária, lutando até o fim por conciliar os opostos de sua formação, para ganhar concisão e colocar-se entre os maiores poetas do tempo.



Aparentemente hermético, Murilo Mendes é um dos nossos poetas, que viveu em comunhão mais estreita com o mundo, com as variações sociais, políticas e morais do tempo. Essa era uma das características de sua obra desde Poesia Liberdade (1943-1945), publicada em 1947. Nesse livro, Murilo Mendes apresenta duas séries de poemas enfeixados, que testemunham e refletem o que houve de mais terrível nesses dois anos: a guerra e as decepções provenientes dos efeitos da própria guerra e da paz ainda longínqua. Murilo sabe que a função do poeta é a de ser aquele "ouvido resistente", que "poderá perceber o choque do tempo contra o altar da eternidade". Poesia Liberdade é o grito do homem livre contra o absurdo da guerra, num mundo em que "o homem é a cobaia do homem", em que "a cruz gerou um universo de cruzes", o poeta vagueia "pelos campos semeados de metralhadoras". Resulta daí uma poesia de contraste, de conciliação dos contrários, do estímulo de liberdade interior.



Em 1949 o poeta mineiro apresenta-nos Janela do Caos, seleção de seus dois volumes anteriores, e cinco anos depois, Contemplação de Ouro Preto (1949-1950), onde a forte dosagem da poesia religiosa se faz presente, sendo o resultado de uma viagem de volta à sua Minas Gerais. Não obstante a atmosfera surrealista, o barroquismo domina amplamente e a escolha do tema deve-se à sua importância histórica e sua luminosa beleza. A linguagem profética lhe fornece suas figuras e metáforas, pois a visão tem sempre uma dupla carga: negativa, quando se refere ao presente e positiva, quando o que vê, toca a eternidade. Segundo Flora Sussekind, num brilhante estudo, diz ser o poeta "testemunha, olho do mundo, exilado, observador visionário, escravidão: epítetos geralmente atribuídos aos profetas são transferidos em Murilo, para o poeta-profeta"4.



O certo é que desde seu primeiro livro, já estão presentes a dimensão erótica e a inquietação espiritual, visto que alguns críticos de tendências diversas concordam em apontar sua excentricidade em nossa literatura. O próprio poeta contribui de forma acentuada nesse sentido, com inúmeros poemas onde há caracterização de um "eu" rebelde, múltiplo e desorganizado. Portanto, o discurso muriliano entra em cena num momento em que a situação política se encontra em aberto, e exige uma decisão.



Era a Revolução de 30, o fim da hegemonia da burguesia do café e o aparecimento de uma nova forma de Estado, caracterizada por uma maior centralização, pelo intervencionismo e por um acordo que se dá entre as várias frações burguesas. Daí a grande importância de sua obra e de sua concepção de história, pois, o poeta não apenas se converte ao catolicismo, mas também a sua linguagem poética é convertida a ele. Portador de uma linguagem freqüentemente solene ou como afirma José Guilherme Merquior "o que Murilo tem de sacro, tem de plástico"5, ou seja, ele renova sua poesia pela incorporação aberta ao moderno, sobre a vitória dos novos poemas, graças à audácia de suas imagens e o feitio irredutível de seu ritmo. Esse visionário se apresenta com uma luminosidade total.



"Bumba-meu-poeta", composto à maneira folclórica do bumba-meu-boi, é uma dramatização crítica da ordem social, em que a realidade brasileira é apresentada de forma alegórica. Escrito em 1930 e publicado na Revista Nova, de Paulo Prado, dois anos depois, integra na demolição modernista, esse auto de Natal popular nordestino, que pode ser representado em praça pública ou em residência particular. Só surgiria em forma de livro, em 1959, no volume Poesias, reunião da obra completa até então. Com a exclusão de História do Brasil e inclusão de novos livros — Sonetos Brancos (1946-1948), Parábola (1946-1952) e Siciliana (1954-1955) —, resultante das viagens do poeta6. Sobre a obra muriliana diz o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto: "sua poesia me foi sempre mestra, pela plasticidade e novidade de imagem. Sobretudo foi ela quem me ensinou a dar precedência à imagem sobre a mensagem, ao plástico sobre o discursivo".



Em Murilo Mendes vida e poesia caminham juntos, sempre na mesma direção, cada livro da longa obra do poeta juiz-forense em prosa e em versos, "escreve em ritmo marítimo, convulsivamente, em voragem, em vertigem, em voracidade, em veracidade, em estado de febre permanentemente, em estado de bagunça transcendente, em alucinação da cachola, sabendo que tudo é ritmo de cérebro do poeta". Murilo é um poeta cósmico, cuja preocupação com o fazer poético levou-o a uma constante reflexão sobre a estética, a fome estética que o consumiu até o fim.



Tempo Espanhol (1950), somente publicado nove anos depois, em Lisboa, reúne cerca de setenta poemas inspirados na Espanha: em seus poetas, seus santos, seus artistas e suas cidades, o próprio convívio diário, a convivência do cotidiano espanhol. É, na realidade, sua solidariedade à Espanha problemática e antológica, onde o autor testemunha in loco, e vai mostrando em toda a extensão, um aspecto de sua história. Conforme observa Haroldo de Campos, é um livro "domado e severo, de maturada maturidade"7, enquanto Merquior, em 1960, já falava seguramente da "Concisão, Arquitetura nítida, maravilhosamente adequada ao retrato de uma terra onde a clareza da paisagem é um convite à lucidez"8.



A estrutura intelectual do poeta, na busca constante de uma forma, não o separa dos outros homens, isolando-o na sua cela de artesão, ou nas diversas frentes da atividade e da sensibilidade humana. Encontramos um Murilo Mendes voltado para a experiência modernista, participante em cada instante da vida. O certo é que quando aparecem os Poemas, o modernismo já tinha feito o seu tempo, uma nova e profunda insatisfação reina no espírito dos seus próprios criadores. O movimento ia perdendo cada vez mais os seus adeptos: Manuel Bandeira escreve "Vou-me embora pra Pasárgada" e Murilo converte-se com Jorge de Lima ao catolicismo. Poemas é a espinha dorsal de toda a poesia muriliana, nasce numa atmosfera rarefeita e suspensa na busca de um Cristo moderno e humaníssimo, ou do equilíbrio por via transcendental. Esse discurso, que depois seria válido para toda a obra posterior — visto que todos os fermentos e estímulos são encontrados nas obras seguintes —, já está aqui, em embrião.



Em Convergência (1970), o poeta desenha grafitos verbais e ainda pratica os exercícios vocabulares dos barrocos, com seus inúmeros neologismos, onde a radicalidade da invenção se faz presente e cujos poemas se mostram em afinidade aos experimentos semânticos e fônicos os mais variados, além dos recursos de sinais gráficos das vanguardas poéticas, como a poesia concreta, e o próprio poeta se fez presente nas páginas da revista concretista, Invenção. Enfim, Murilo Mendes explora exaustivamente todas as possibilidades, montando e desmontando os jogos semânticos, traduzindo em palavras os novos tempos e integra-se às novas tendências da arte literária. Ou seja: "É resultado de um projeto e não de uma aderência". Na realidade, o poeta não aderiu a novidades, mas consumou um longo projeto: a evolução consciente de toda uma experiência de vida e criação.



Na Europa, onde vivia desde 1959, especialmente em Roma, onde havia fixado sua residência, e exercia seu labor de professor de literatura brasileira, além de divulgar nossa cultura, Murilo estabelece também um vínculo concreto com a cultura européia, realiza inúmeras conferências em universidades e se tornava, aos poucos, cada vez mais presente. Conhece escritores e artistas como André Breton, Guiseppe Ungaretti, Alberto Magnelli, Albert Camus, René Char, Ezra Pound, etc., publica em jornais e revistas e tem várias de suas obras traduzidas para o francês, espanhol e italiano. É nesse universo plural que ele invade outras linguagens, ultrapassando a existência de um projeto poético estabelecido, e em 1971 recebe o Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina.



Poliedro (prosa), publicado em 1972, um ano antes dos Retratos-relâmpagos, seu último livro, é um descompromisso total com as formas até então vigentes de sua poesia. Rico, novo, mostrando que o mundo do poeta está ainda em constante efervescência. Deprimido, dominado pela angústia, mas entregue ainda à invenção de sua poesia, na casa de seu sogro Jaime Cortesão, no bairro da Estrela, em Lisboa, onde se encontrava de férias, morre Murilo Mendes, subitamente, de infarto, às 22 horas e 30 minutos, do dia 13 de agosto de 1975, aos setenta e quatro anos e três meses exatos.



Murilo deixou-nos uma obra ampla, indo da sátira aos temas religiosos (era profundamente católico), da irreverência lírica ao tom apocalíptico e do desassossego surrealista ao verso tenso e rigoroso. Além de vários livros inéditos: Carta Geográfica, Espaço Espanhol, Janelas-Verdes, Retratos-relâmpagos (2ª série), A Invenção do finito, Conversa Portátil, Papiers (texto original em francês) e Ipotesi (texto original em italiano). Murilo Mendes é um poeta fascinante e estranho à primeira vista, pela liberdade criadora. Sua poesia da fase inicial, fortemente acentuada pela influência surrealista, manifesta-se de um modo livre, apropriado à sua própria norma poética. É, sem dúvida, um dos nossos poetas mais difíceis e irregulares, construindo em sua poesia um mundo vizinho do onírico, interpenetrante aos planos real e metafísico, consubstanciando a visão agônica de um mundo decadente, amargurado e sofrido, desunido pela guerra. Sua poética, altamente simbólica, revela mais do que um modernista, o criador de uma poesia magistral, espiritualizada, que tenta transmitir a eternidade da existência pós-morte.










agosto, 2006




Gilfrancisco. Jornalista, pesquisador e professor universitário. Publicou Gregório de Mattos o boca de todos os santos; Crônicas e poemas recolhidos de Sosígenes Costa; Flor em Rochedo Rubro: o poeta Enoch Santiago Filho; Godofredo Filho & o Modernismo na Bahia; Poemas de Enoch Santiago Filho, dentre outros.

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