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Canto de regresso à pátria

terça-feira, 31 de março de 2009

Oswald de Andrade


Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá

Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo


Oswald de Andrade
(1890-1954) é um dos mais significativos autores modernistas da literatura brasileira. Participou da Semana de Arte Moderna, editou o jornal "O Homem do Povo" e ajudou a fundar "O Pirralho" e a "Revista Antropofágica". É de sua autoria o Manifesto Antropófago de 1928.

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

De Primeiros cantos (1847)

Erro de Português

segunda-feira, 30 de março de 2009

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Oswald de Andrade

Super-García Márquez contra a morte em vida

sábado, 28 de março de 2009

O problema não é ser o autor mau escritor, não é disso que se trata; ele é bom escritor, esse é o problema
Joca Reiners Terron
A simpatia pelos vitoriosos nunca foi meu forte. Meus heróis literários sempre foram os fracassados, os mortos precoces e bonitos para sempre, com aquela languidez típica dos doentes nas fotos das capas dos livros. Afinal de contas, a desgraça da derrota só pode ser atrativa conquanto o defunto transpire beleza eterna. Derrotados feios também não são a cereja da cobertura de meu sundae, mas pude admitir alguns em meu estúpido clube: Tristan Corbière (conhecido pela alcunha nada entusiasmante de "sapo"), Georges Perec (com aquele cabelo de globetrotter onde ele devia guardar todos os seus puzzles) e François Villon (cuja cara ninguém conhece, mas linda não devia ser; talvez com uma cicatriz aqui e outra ali, em cima do lábio inchado de assassino). E isso apenas para ficar na ala francófona de minha necrofilia literária.

Super-Gabriel García Márquez é um escritor que atingiu a imortalidade em vida, e não há nada mais antipático do que isso. Afinal, escritores têm de padecer à míngua, comer a asinha magra do arroz com pollo colombiano (sem direito a repeteco), e não se fala mais nisso. É o que esperamos deles, não? Que sofram, pois não há literatura com magnitude sem penúria física, e o supra-sumo da lava vertida pelo cérebro, a imaginação, somente borbulha com a fervura atroz das más experiências. Não era Faulkner quem defendia que o escritor depende de três talentos, a experiência, a imaginação e a observação? Não há nada para se observar a partir do Olimpo, a não ser bisbilhotar o que há sob a saia de Vênus, porém em geral ela está de calças (a conheço bem). E não pode haver imaginação possível num sujeito de bolsos recheados com um milhão de dólares.
Não sei se a avassaladora onda de títulos com a palavra "coronel", na minha infância dos anos 70, pode ser suficiente para explicar uma discreta alergia por tudo o que cheire a realismo mágico. Essa rinite alérgica à poeira vinda dos Andes, mas também de outros recantos mais abaixo, como a trazida pelo paraguaio Augusto Roa Bastos ou mesmo por brasileiros como Márcio Souza e Ricardo Guilherme Dicke, acabou por confundir meu olfato, e culminei por misturar coalhos com frangalhos, estendendo meu preconceito a quase todos os autores latino-americanos provenientes do boom. Acho que até mesmo Cortázar saiu chamuscado desse incêndio particular.

A presença de coronéis, elementos mágicos e o povo submetido às humilhações e ignomínias de ontem, de hoje e de sempre, à luta pela terra e pela vida, à poeira das estradas arrastada pelo galope de cavalos, aos fantasmas com olhos de coruja sobrevoando currais e cemitérios escravos na noite dos profundos grotões da América etc., tudo isso não me atraía muito naquele período, justamente porque eu vivia no Mato Grosso, um "país castelhano" incrustado no centro do Brasil, cuja formação (que mistura a mitologia de diversos troncos indígenas, mas principalmente do grupo ishir-chamacoco) é riquíssima em cultura oral, resultando em uma copiosa nascente de histórias enfeitiçadas magnetizando as mentes das pessoas. Enfim, a literatura de García Márquez não podia competir com a realidade ao meu redor. Além disso, como todo jovem exilado (no caso um exílio insular às avessas, cercado de terra por todos os lados), minha exclusiva preocupação era dedicada ao que me era interdito, ao que estava fora de alcance. Nesse período, quando encontrava os primos da cidade nas férias de final de ano, invejava-lhes a borracha negra de asfalto dos tênis, ao passo que escondia as minhas, vergonhosamente encardidas de barro vermelho. E suspirava, intuindo que enfim o realismo mágico nada mais poderia ser do que uma sobrevida concedida ao romance regionalista e que, mesmo apesar de mágico, ele não poderia me resgatar do longínquo da província. É a mesma coisa que o folhetim global da novela das seis ainda faz hoje em dia (diluindo ainda mais a bula de magias, amores impossíveis e lutas agrárias), e só posso concluir que tal lambuja vital (a essa altura mais assemelhada a espasmos ou estertores) se deva à inescapável nostalgia rural do país que resultou do êxodo, onde mais de 70% da população habita os centros urbanos (é o caso do Brasil).

Mas o García Márquez de Cem anos de solidão parece ter ficado preso em algum porão de Macondo, lá no passado (Macondo inclusive não deve ter conseguido prescindir aos McDonalds), e outros Garcías Márquez surgiram e desapareceram, em longas temporadas entre Nova York, Estocolmo e Cidade do México. Porém, nunca os seus epígonos. Cópias mal xerocadas de García Márquez saltitam por todo o mundo em número impressionante e, me parece, interminável, ou pior, inexterminável, o que soa muito mais trágico. Aqui mesmo, lá e acolá, e até em lugares absolutamente improváveis como Bulgária, China ou Cazaquistão, devem existir numerosos garcias márquez locais, se reproduzindo feito rãs mágicas, saltitantes nas charnecas e chafurdando nas mazelas locais de seus respectivos países ou pântanos. Contudo, há uma cópia matriz e mais lamentável de García Márquez - ele próprio. E é essa cópia que passeia pelo mundo, bajulando poderosos, ajoelhando-se diante do Papa no Vaticano, cumprimentando sorridente na primeira página dos diários ora Fidel Castro, ora o presidente americano da vez, e cometendo atrocidades literárias equivocadas como Notícias de um seqüestro. Mas nada é comparável ao maior pecado de García Márquez, que leva o nome de Isabel Allende. A açucarada romancista chilena consegue ser mais triste que a cópia xerox com toner no fim que o escritor colombiano produziu de si mesmo (e vem automaticamente se copiando nos últimos trinta anos). Allende é a mecanização enfadonha do que o pior realismo mágico (do gênero "heróico") pode produzir e a mistificação do fantástico criado à imagem e semelhança de seu leitor ideal, no caso as leitoras da revista Elle. Nada errado com Elle ou suas leitoras, a não ser Isabel Allende.

E não é que Super-GM seja mau escritor, não é disso que trato. Ele é bom escritor, esse é o problema. E é adorado nas escolas de jornalismo, graças a alguns de seus livros, que são bibliografia básica de qualquer faculdade, e também por, apesar do Nobel, ter continuado a se dedicar às redações há até pouco tempo, como diretor editorial da revista colombiana Cambio (com uma filial mexicana, que García Márquez também dirigia, com o auxílio do escritor Mauricio Montiel), onde formou gerações de jornalistas. Ocorre que o galardão do Nobel (e nunca deixarei de pensar que o colombiano levou o prêmio que deveria ser de Jorge Luis Borges), ao mesmo tempo que glorifica em vida a figura de um escritor, submete ao esquecimento prévio toda uma literatura, num processo metonímico que leva a audiência a prestar a atenção apenas à ponta do iceberg em vez de preocupar-se com a totalidade da barreira de gelo submersa. Em entrevista ao Jornal do Brasil, o tradutor espanhol Basílio Losada (pioneiro na divulgação da literatura brasileira na Espanha) afirmou que "na Europa, há uma fixação por estabelecer um autor para cada literatura. A portuguesa, por exemplo, concentra-se em Pessoa e Saramago. Acaba acontecendo que um único nome pode ocultar toda uma literatura". É essa precisamente a maior dívida de García Márquez: por anos não houve atenção aos narradores latino-americanos posteriores a sua presença, fenômeno que só recentemente ameaça ruir com o surgimento dos autores reunidos na antologia McOndo, organizada pelo chileno Alberto Fuguet, e a atenção conquistada pelo também chileno Roberto Bolaño. E é o que deverá ocorrer com a literatura de língua portuguesa no mundo, depois da premiação de José Saramago, com a diferença, está claro, que nossa literatura antes nem ao menos existia e assim permanecerá seu fluir subterrâneo. Mas somente se deixarmos.


Joca Reiners Terron é escritor, publicou Hotel Hell (Livros do Mal) e Curva de rio sujo (Ed. Planeta), dentre outros livros

OS HOMENS DESEJAM AS MULHERES QUE NÃO EXISTEM

sexta-feira, 27 de março de 2009

Arnaldo Jabor

Está na moda - muitas mulheres ficam em acrobáticas posições ginecológicas para raspar os pêlos pubianos nos salões de beleza. Ficam penduradas em paus-de-arara e, depois, saem felizes com apenas um canteirinho de cabelos, como um jardinzinho estreito, a vereda indicativa de um desejo inofensivo e não mais as agressivas florestas que podem nos assustar. Parecem uns bigodinhos verticais que (oh, céus!...) me fazem pensar em... Hitler.

Silicone, pêlos dourados, bumbuns malhados, tudo para agradar aos consumidores do mercado sexual. Olho as revistas povoadas de mulheres lindas... e sinto uma leve depressão, me sinto mais só, diante de tanta oferta impossível. Vejo que no Brasil o feminismo se vulgarizou numa liberdade de "objetos", produziu mulheres livres como coisas, livres como produtos perfeitos para o prazer. A concorrência é grande para um mercado com poucos consumidores, pois há muito mais mulher que homens na praça (e-mails indignados virão...) Talvez este artigo seja moralista, talvez as uvas da inveja estejam verdes, mas eu olho as revistas de mulher nua e só vejo paisagens; não vejo pessoas com defeitos, medos. Só vejo meninas oferecendo a doçura total, todas competindo no mercado, em contorções eróticas desesperadas porque não têm mais o que mostrar. Nunca as mulheres foram tão nuas no Brasil; já expuseram o corpo todo, mucosas, vagina, ânus.

O que falta? Órgãos internos? Que querem essas mulheres? Querem acabar com nossos lares? Querem nos humilhar com sua beleza inconquistável? Muitas têm boquinhas tímidas, algumas sugerem um susto de virgens, outras fazem cara de zangadas, ferozes gatas, mas todas nos olham dentro dos olhos como se dissessem: "Venham... eu estou sempre pronta, sempre alegre, sempre excitada, eu independo de carícias, de romance!..."

Sugerem uma mistura de menina com vampira, de doçura com loucura e todas ostentam uma falsa tesão devoradora. Elas querem dinheiro, claro, marido, lugar social, respeito, mas posam como imaginam que os homens as querem.

Ostentam um desejo que não têm e posam como se fossem apenas corpos sem vida interior, de modo a não incomodar com chateações os homens que as consomem.

A pessoa delas não tem mais um corpo; o corpo é que tem uma pessoa, frágil, tênue, morando dentro dele.

Mas, que nos prometem essas mulheres virtuais? Um orgasmo infinito? Elas figuram ser odaliscas de um paraíso de mercado, último andar de uma torre que os homens atingiriam depois de suas Ferraris, seus Armanis, ouros e sucesso; elas são o coroamento de um narcisismo yuppie, são as 11 mil virgens de um paraíso para executivos. E o problema continua: como abordar mulheres que parecem paisagens?

Outro dia vi a modelo Daniela Cicarelli na TV. Vocês já viram essa moça? É a coisa mais linda do mundo, tem uma esfuziante simpatia, risonha, democrática, perfeita, a imensa boca rósea, os "olhos de esmeralda nadando em leite" (quem escreveu isso?), cabelos de ouro seco, seios bíblicos, como uma imensa flor de prazeres. Olho-a de minha solidão e me pergunto: "Onde está a Daniela no meio desses tesouros perfeitos? Onde está ela?" Ela deve ficar perplexa diante da própria beleza, aprisionada em seu destino de sedutora, talvez até com um vago ciúme de seu próprio corpo. Daniela é tão linda que tenho vontade de dizer: "Seja feia..."

Queremos percorrer as mulheres virtuais, visitá-las, mas, como conversar com elas? Com quem? Onde estão elas? Tanta oferta sexual me angustia, me dá a certeza de que nosso sexo é programado por outros, por indústrias masturbatórias, nos provocando desejo para me vender satisfação. É pela dificuldade de realizar esse sonho masculino que essas moças existem, realmente. Elas existem, para além do limbo gráfico das revistas. O contato com elas revela meninas inseguras, ou doces, espertas ou bobas mas, se elas pudessem expressar seus reais desejos, não estariam nas revistas sexy, pois não há mercado para mulheres amando maridos, cozinhando felizes, aspirando por namoros ternos. Nas revistas, são tão perfeitas que parecem dispensar parceiros, estão tão nuas que parecem namoradas de si mesmas. Mas, na verdade, elas querem amar e ser amadas, embora tenham de ralar nos haréns virtuais inventados pelos machos. Elas têm de fingir que não são reais, pois ninguém quer ser real hoje em dia - foi uma decepção quando a Tiazinha se revelou ótima dona de casa na Casa dos Artistas, limpando tudo numa faxina compulsiva.

Infelizmente, é impossível tê-las, porque, na tecnologia da gostosura, elas se artificializam cada vez mais, como carros de luxo se aperfeiçoando a cada ano. A cada mutação erótica, elas ficam mais inatingíveis no mundo real. Por isso, com a crise econômica, o grande sucesso são as meninas belas e saradas, enchendo os sites eróticos da internet ou nas saunas relax for men, essa réplica moderna dos haréns árabes. Essas lindas mulheres são pagas para não existir, pagas para serem um sonho impalpável, pagas para serem uma ilusão. Vi um anúncio de boneca inflável que sintetizava o desejo impossível do homem de mercado: ter mulheres que não existam... O anúncio tinha o slogan em baixo: "She needs no food nor stupid conversation." Essa é a utopia masculina: satisfação plena sem sofrimento ou realidade.

A democracia de massas, mesclada ao subdesenvolvimento cultural, parece "libertar" as mulheres. Ilusão à toa. A "libertação da mulher" numa sociedade ignorante como a nossa deu nisso: superobjetos se pensando livres, mas aprisionadas numa exterioridade corporal que apenas esconde pobres meninas famintas de amor e dinheiro. A liberdade de mercado produziu um estranho e falso "mercado da liberdade". É isso aí. E ao fechar este texto, me assalta a dúvida: estou sendo hipócrita e com inveja do erotismo do século 21? Será que fui apenas barrado do baile?

A forma da angústia

Há oitenta anos morria o escritor Lima Barreto, que em obras como Recordações do escrivão Isaías Caminha e Triste fim de Policarpo Quaresma fez da representação literária de sua experiência de exclusão racial e social uma forma de desmascaramento de teorias pseudocientíficas sobre o determinismo biológico e de denúncia da influência da escravidão na estrutura de classes do Brasil
Andrea Saad Hossne
No dia em que completava sete anos de idade, Lima Barreto foi levado por seu pai aos festejos que tomaram o Rio de Janeiro em decorrência da abolição da escravatura.
No ano seguinte, seria proclamada a República.
Há oitenta anos, em 1º de novembro de 1922, o escritor falecia, aos quarenta e um anos, de colapso cardíaco, causado pelo uso abusivo de álcool durante boa parte da vida. Meses antes, ocorrera a Semana de Arte Moderna, marco literário e cultural do país.

Entre a abolição e a deflagração do Modernismo de 22, um dos períodos históricos mais turbulentos do Brasil se desenrolou e a vida de Lima Barreto não só lhe foi contemporânea como ainda, de maneira singular, o autor deu-lhe acolhida e reflexão crítica na obra literária, em sátiras, crônicas, diários, correspondências e artigos de jornal.

Se a questão da formalização da experiência acompanha sempre o artista, no caso de Lima Barreto tanto essa formalização, an gustiada, dificultosa, quanto a experiência em si mesma, que se singulariza na individualidade, mas também no lugar que ela ocupa diante da história, se tornam um elemento crucial para seus leitores e para a crítica literária.

Para conhecer um pouco mais esse escritor, praticamente repelido a seu tempo, reconhecido com reservas até as décadas de 1940 e 1950 e revalorizado, quando não incensado, a partir de 1970, é preciso acompanhar-lhe esse duplo percurso: diante da história, diante da literatura.

Em 1903, o jovem mulato pobre de 22 anos, ex-universitário ingressando no funcionalismo público no Rio de Janeiro, registrava no diário o projeto de escrever a História da Escravidão Negra no Brasil e sua influência na nossa nacionalidade. Também escrevia um "decálogo", com apenas dois mandamentos: "1 - Não ser mais aluno da Escola Politécnica. 2 - Não beber excesso de cousa alguma."

Dois anos depois, o diário traz as preocupações com as dívidas do pai e uma espécie de acordo com a divina providência caso as saldasse: um amor, um belo livro e uma viagem por Europa e Ásia.

Lima Barreto pouco realizou dessas expectativas. Mal entrado no período dos grandes projetos da vida adulta, como que antevê as marcas do próprio destino. O decálogo reduzido, na verdade, a dois mandamentos, se cumpre apenas quanto ao primeiro, pois a Escola Politécnica já então estava varrida para o cesto das tentativas malogradas. A bebida em excesso, a constante preocupação com a sobrevivência econômica e o cuidado com um pai de lucidez jamais recuperada deram à figura do escritor os contornos do retrato com que a posteridade ainda hoje o contempla. De amores, tudo leva a crer que a vida lhe foi avara, bem como de viagens. Restou-lhe a literatura, aquela com a qual afirmaria mais tarde haver-se casado.

Alcoolismo e pobreza acabaram por conjugar-se na visão crítica de sua obra literária, havendo mesmo quem dissesse, como o crítico baiano Eugênio Gomes, em resposta ao matrimônio anunciado com a literatura, que se descuidava dele, passando noites seguidas fora de casa.

Jamais escreveu a anunciada obra de historiografia sobre a escravidão negra e suas influências na nacionalidade. Embora não tenha recebido o epíteto de belo qualquer de seus livros, fez na literatura uma obra que com extrema percuciência outra não é que, em grande parte, a tentativa de contar, sob diversos aspectos, a influência da escravidão negra na sociabilidade brasileira e suas repercussões na estrutura de classes.

Passo a passo, procurou um universo de expressão em que os impasses e conflitos que percebia e vivenciava pudessem encontrar lugar. A história, geral e documental, da escravidão negra e suas repercussões na nacionalidade cederam vez ao projeto de escrita de um romance, um " Germinal negro", como afirma no diário. O campo histórico foi, portanto, abrindo-se para o literário, de início mais marcado pelo caráter documental e generalizante, pautado pela observação, tendo na obra de Émile Zola seu modelo.

Aos poucos, porém, o intuito generalizante transforma-se na opção pela narrativa ficcional de uma experiência singular. Singular, mas exemplar. É então que seus diários passam a trazer anotações referentes à história de Clara dos Anjos, obra insistentemente reescrita pelo autor: uma primeira versão como romance, depois um conto, e novamente romance, publicado postumamente - aquele que a maioria dos leitores conhece.

Este percurso de escrita de Clara dos Anjos permeia a vida do escritor de sua juventude até a morte precoce. A essa trajetória entremeiam-se as demais obras que produziu. Nem mesmo estas deixaram de noticiar o esforço contínuo de elaboração de Clara dos Anjos. O primeiro romance, publicado em 1909, Recordações do escrivão Isaías Caminha, traz uma passagem em que, em meio a tentativas de tornar-se escritor, Isaías Caminha menciona, a certa altura, já haver escrito cinco capítulos de um romance, coincidentemente intitulado "Clara".

Imagine-se o que é para um mulato, que assistiu à abolição da escravatura ainda menino, lidar, ao mesmo tempo, com o preconceito racial cotidiano -que se nem sempre lhe barrava o caminho, sem dúvida o tornava com freqüência mais árduo - e com o mundo das idéias, a serviço das quais a onisciente ciência, mitificada a partir da segunda metade do século XIX, se colocava para afirmar superioridades raciais, determinismos biológicos, condenação ao fracasso e à mediocridade.
O sujeito dessa experiência, dotado de sensibilidade e talento, faz da palavra, no jornal e na literatura, uma arma de desmascaramento. Até a década de 1970, a fortuna crítica de Lima Barreto, de modo geral, reforça a idéia de que o autor, um ressentido, teria sido dominado por um profundo "complexo de cor", como se dizia então, levando-o a destilar amarguras pessoais nas obras que, com isso, ainda que promissoras, ficavam sempre um pouco aquém da excelência. É comum, sobretudo nos textos críticos das décadas de 1940 e 1950, Lima Barreto ser classificado como um "quase" grande escritor, que maior seria sem tais complexos, ressentimentos e amarguras, e sem o álcool a turvar-lhe a visão.

Na década de 1970, será justamente esse suposto vazamento da vida do autor em suas obras, o teor ácido e crítico que essa voz excluída lhes confere o que será valorizado.

Esse imbricamento entre a instância pessoal e a histórica se faz, de fato, mas isso não invalida sua obra, ao contrário. É desse foco que emana a grande qualidade da ficção de Lima Barreto: transformar uma experiência que é ao mesmo tempo singular e histórica em literatura, o que fez em contos, crônicas e seis romances.

As Recordações do escrivão Isaías Caminha, o primeiro deles, trazem inovações literárias e essa marca do ponto de vista, uma posta em função da outra.

O livro teve alguns de seus primeiros capítulos publicados, em 1907, na revista Floreal, dirigida por Lima Barreto e que teve apenas três números. O folhetim foi saudado pelo crítico José Veríssimo.

Dois anos depois, saía em livro, numa edição lisboeta, acompanhado de dois prefácios. O primeiro, de autoria do "editor e amigo do autor" Lima Barreto, reportava-se à crítica de Veríssimo para desfazer um engano: as recordações seriam verdadeiras, Isaías Caminha não era apenas um personagem-narrador, mas um autor com existência empírica de quem Lima Barreto se tornara editor. O segundo prefácio era de punho do próprio Isaías Caminha, que explicava o motivo de escrever suas recordações. Esse segundo prefácio é completado por uma breve nota, assinada pelo "editor" Lima Barreto, na qual ele não apenas toma posição frente às palavras de Isaías, como dá ao leitor notícias sobre a vida deste decorridos dez anos da escrita do livro. O fim, portanto, da trajetória de Isaías não está na última página do romance, como termo de suas memórias, mas logo no início, na voz do editor.

Fará blague anos depois Mário de Andrade, ao chamar de "interessantíssimo" o prefácio de seu Paulicéia desvairada, tendo em vista o hábito nacional de ignorar prefácios. E não foram poucos os leitores desavisados que ignoraram o duplo prefácio das Recordações, começando a ler o livro quando esse, na verdade, já iniciara páginas antes.

À época, o romance foi relegado ao ostracismo crítico, lido como um roman à clef, no qual o jornal ficcional O Globo, seus jornalistas e os que os cercavam nada mais seriam do que o travestimento do poderoso jornal Correio da Manhã. Poder inquestionável, para depor e fazer ministros, o que leva, na ficção, Isaías a dar-se conta de ter travado conhecimento com o quarto poder, fora da Constituição.

Orgulhos feridos e aversão à representação em registro satírico de um importante elemento da realidade lançaram ao rosto do escritor o epíteto de mulato ressentido, que não mais se descolaria e que projetou uma vasta sombra sobre grandes qualidades do romance, suas inovações e sua crucial perspectiva.

O jogo autoral na obra de estréia, que não exime Lima Barreto de participação e res ponsabilidade no escrito, como se poderia esperar de quem apenas ataca num roman à clef, e a insistência na existência empírica de Isaías e suas motivações para expor-se publicamente num livro de memórias cumprem várias funções.

Isaías conta sua vida em resposta a um artigo científico publicado em uma revista nacional. A tese defendida no artigo atestava a inferioridade intelectual do negro devido ao fato de, quando jovens, muitos parecerem promissores, mas tais promessas não se cumprirem na maturidade. Isaías aceita a conclusão, mas não seu pressuposto. Não estaria nos indivíduos da raça negra a razão do fracasso ou da mediocridade na maturidade, mas sim na sociedade na qual estavam eles inseridos.

Essa colocação é uma espécie de turning point literário, social e político. Para compreendê-lo, observemos as estantes, a formação do escritor.

Lima Barreto declarava-se admirador da obra do escritor naturalista Aluísio Azevedo, rechaçando comparações que aqui e ali despontavam com a obra de Machado de Assis. Entretanto, a compor-lhe as estantes da biblioteca pessoal, não se encontra um único volume de Azevedo; porém, em contrapartida, há vários de Machado de Assis ou acerca dele.

As estantes trazem ainda Les Pléiades, do Conde de Gobineau, escritor, embaixador francês no Brasil ao tempo de Dom Pedro II (1869-1870) e racista convicto, autor do muito lido Tratado da desigualdade das raças (1853), que preconizava a um país de mestiços, como o Brasil, a extinção em cerca de 200 anos, por enfraquecimento progressivo da raça branca com a miscigenação. Há também Mi viaje alrededor del mundo e Origine des espèces, de Darwin, além de títulos de autores darwinistas, como Haeckel, Spencer, Ribot, que levam as idéias de Darwin para os campos da psicologia e da moral. Marcam presença ainda dois autores: o naturalista e anarquista Kropótkin, com Entr'aide (Mutual aid - A factor of evolution, no original; Ajuda mútua, 1902) e o psiquiatra Henry Maudsley, com Le crime et la folie ( O crime e a loucura, 1874).

O último lhe foi oferecido pelo médico que atendeu seu pai nas primeiras crises de loucura. Nada mais é que uma aplicação do determinismo biológico à psiquiatria, fazendo coro a Lombroso e outros tantos do mesmo período na tentativa de provar ser o crime uma degeneração da espécie, próprio aos seus indivíduos mais inferiores. O cientista francês Broca fazia medições do cérebro para atestar a inferioridade de negros e mulheres.

O próprio Lima Barreto, em uma de suas internações no hospício devidas sempre à dipsomania (alcoolismo intermitente), teve o diâmetro craniano medido. Conclu iu-se que era braquicéfalo, com o que se divertiu muito o escritor, dizendo em crônicas que agora os que o ofendiam por discordar de suas idéias dispunham de mais um argumento que, no entanto, não o calaria.
O livro de Maudsley assombrou-o a vida inteira e vem dele o segundo mandamento de seu decálogo, pois entre outros elementos, Maudsley trata da relação entre alcoolismo, loucura, degeneração hereditária e crime.

Eram então correntes duas das mais terríveis teorias ra cistas e sexistas, baseadas em preconceitos legitimados por uma suposta metodologia científica: a neotenia e a recapitulação. São praticamente o oposto uma da outra, mas atendem ao mesmo fim, isto é, estabelecer uma hierarquia de raça e gênero, nas quais o macho branco ocupa a posição superior e a fêmea mongol, a inferior, não muito longe dos negros em geral. O artigo a que responde Isaías Caminha é uma divulgação da teoria da recapitulação.

O passo adiante da literatura de Lima Barreto, já claro no seu primeiro romance, é o da superação do vértice determinista naturalista, tomando-o inclusive como o mote da obra para desmontá-lo, revelando mecanismos sociais, a estrutura do favor, de que Machado já tratara, mas que Lima observa na especificidade de sua vigência no período repu blicano, tendo que se haver, ainda, com a constituição do trabalhador livre naquele momento, com as prerrogativas de classe mantidas, entre outros elementos, à custa da substituição do título nobiliárquico pelo anel de bacharel, a república dos doutores.

Há vários modos de ajuizar a trajetória de Isaías, conforme a leitura seja linear ou atenta aos prefácios e às inversões de tempo. Tudo dependerá de uma escolha de perspectiva do leitor, escolha essa que tem muito de revelador sobre o próprio leitor.
O recurso da recusa da voz autoral, com a afirmação da existência empírica de Caminha, é engenhoso modo de opor à verdade científica, letrada, em periódico nacional, a legitimidade e a força do testemunho, do depoimento da realidade vivida.

Lima Barreto supera assim o modelo literário que elegera, o Naturalismo, bem como o arsenal de idéias e concepções ainda vigentes em seu tempo que faziam soar ao negro ou mulato pobre a fatídica sentença de condenação à miséria ou à mediocridade. Se, ainda, filho de um homem acometido de loucura, a condenação, passando por Maudsley, se tingia de cores mais tenebrosas.

A questão que o ocupa no romance seguinte, em data de composição, Vida e morte de M.J. Gonzaga de Sá, publicado apenas em 1919 pela Companhia Editora Nacional, de Monteiro Lobato, também construído com vozes diversas e jogos de ponto de vista, é a da ação e a da não-ação. O funcionário público Augusto Machado convive com um colega mais velho, de grande inteligência e talentos múltiplos, a que, afinal, assiste passivamente ao correr dos tempos, sem propor-se a qualquer ação. Morre, coerentemente, ao abaixar-se para colher uma flor.

Este talvez seja o livro menos conhecido de Lima Barreto e, no entanto, há nele recursos com os quais a contemporaneidade, posterior ao autor, já se habituou: crônicas, fragmentos, mesclas de registros, além das longas conversas em andanças pelo passeio público, de onde a cidade vai se revelando aos olhares passivos dos dois caminhantes - deambulação e característica urbana que são, aliás, as marcas mais reconhecidas e enfatizadas pela fortuna crítica do escritor. A crítica dos anos 40, em geral, via no livro boas qualidades pouco desenvolvidas pelo autor, que, porém, teria preferido mais causar incômodo com o cacófato do título do que aprofundar-se na composição do romance.

Escrito concomitantemente ao Gonzaga de Sá, como revela o diário, e publicado quatro anos antes deste, o romance seguinte e o mais conhecido de todos, Triste fim de Policarpo Quaresma (1911, em folhetim, no Jornal do Comércio; 1915, em volume), é como que seu complementar, na medida em que a opção pela ação é assumida e de tal forma, como sempre em todo texto de Lima Barreto, alicerçada na História que a revolução florianista aparece com todo seu caráter de ação vã e equivocada. Quaresma, ao contrário de Gonzaga e Augusto, age sempre: leis, educação, agricultura, luta armada, quase nada escapa ao furor utópico e ufanista de ação do personagem. Escrito em terceira pessoa, aqui o trabalho formal está não mais no jogo de vozes narrativas e autorais, mas na estrutura tripartite do romance, espécie de concerto em três movimentos do desconcerto do Brasil.

Parece encerrar-se nesse terceiro romance um primeiro ciclo de obras do autor, delimitado não pelo tempo, pela cronologia das publicações, mas pela temática e pela exploração de procedimentos e recursos formais. No mesmo ano de 1915, precisando desesperadamente de dinheiro, Lima Barreto escreve Numa e a ninfa, sob forma de folhetim, logo em seguida editado em volume, pelo jornal A Noite. Tendendo à caricatura e à sátira mais desbragada, como Os bruzundangas (edição póstuma em 1923; parte publicada antes, em 1917, pelo semanário A.B.C.) e Coisas do Reino do Jambom (publicada primeiramente no jornal O Careta, constante da edição completa das obras do autor feita para a editora Brasiliense, em 1954, sob os cuidados de Francisco de Assis Barbosa, maior biógrafo do escritor, e Antônio Houaiss), parece formar com outras colaborações do autor para revistas e jornais de caráter oposicionista, como O Debate, O Careta, A.B.C., Hoje, o conjunto de maior teor explícito de crítica política e social aos problemas do país e à República. Pode-se somar a ele o livro recentemente recuperado e editado por Beatriz Resende, O subterrâneo do Morro do Castelo (1997), composto por uma série de reportagens de Lima Barreto sobre o trabalho de demolição do Morro do Castelo entremeado por uma trama folhetinesca criada pelo escritor.

Um terceiro conjunto de obras do autor, novamente por afinidade de procedimento literário e proximidade temática, pode, a meu ver, englobar os contos, escritos ao longo de toda sua vida, o romance inacabado Cemitério dos vivos, que tem relação complementar com o Diário de hospício, e também, em certa medida, porque espécie de obsessão constante a entremear-lhe os demais projetos, as três versões de Clara dos Anjos.

É nesse conjunto que a nota biográfica dolorosa, tantas vezes presente no Diário íntimo, ocupa o centro da criação. A experiência com a internação hospitalar, uma delas à sua revelia, levado por camburão de polícia a pedido de familiares, rendeu-lhe reflexões profundas e o levou a enxergar naquele verdadeiro depósito de seres humanos, privados de sua cidadania, objetos e roupas, a má consciência da sociedade brasileira, como bem mostra Beatriz Resende. Perda da cidadania e da liberdade conjugada à fantasmagoria nutrida por darwinistas e por Maudsley, malgrado seu, levam-no às anotações no diário e ao início da composição daquele que teria sido, talvez, o melhor de seus romances. Vicente Mascarenhas, o narrador que pretendia ser escritor, também é internado no hospício, mostrando o que os olhos de Lima Barreto lá viram, mas contempla também com horror as fraquezas, as debilidades de um filho que gerou.

Se o resgate da história individual, assombrada pelas idéias de seu tempo, apenas em parte superadas, ocupa o que restou de Cemitério dos vivos - título provavelmente em contraponto às Recordações da casa dos mortos, de Dostoiévski, autor que muito admirava -, Clara dos Anjos expande a representatividade histórica na medida em que estreita a representação ao seu sujeito mais dolorosamente atingido: a mulher negra, enganada, desgraçada pelo ho mem branco de posses e poderes, a quem resta a humilhação, a expropriação máxima que é a probabilidade de tornar-se mercadoria, com a venda do único bem inalienável, outrora pertencente ao senhor de escravos, o corpo.

O ricto doloroso, ao lado do escárnio, da sátira, conflui no projeto literário e ético de Lima Barreto, expressado em diversos artigos, como "O destino da literatura" (1922): "... a Literatura reforça o nosso natural sentimento de solidariedade com os nossos semelhantes, explicando-lhes os defeitos, realçando-lhes as qualidades e zombando dos fúteis motivos que nos separam uns dos outros" ( Impressões de leitura).

Além de traços de cristianismo pequeno burguês, detectado pelo crítico Arnoni Prado, tais considerações têm ainda como fonte a leitura de Kropótkin, naturalista que propôs um modelo complementar ao de Darwin para a evolução das espécies, com base em suas observações de insetos, mamíferos, roedores etc., principalmente nas estepes geladas da Sibéria. Kropótkin percebeu que nem sempre se trata de competição e de sobrevivência do mais apto. Não raro, es pécies e indivíduos sobrevivem não por competirem entre si, no processo de seleção natural darwinista, mas por se auxiliarem mutuamente.

Essa linha de força da evolução natural é menos conhecida que a de cunho darwinista e, assim como essa última se refletiu em outros campos de conhecimento e da atividade hu-mana, Kropótkin foi, além de naturalista, anarquista.

Em consonância com sua interpretação desse pensamento, Lima Barreto, ao final da vida, fundou uma "Liga contra o Football", esporte que alimentava rivalidades terríveis dentro e fora do campo, com notícias freqüentes de embates físicos entre torcedores. Além disso, considerava que os clubes se faziam portadores de pretensões de classe e de raça, bem como estimulavam afirmações de superioridades de povos nas partidas entre diferentes nações.

Não sem arestas, Lima Barreto enfrentou as marcas de seu tempo e da sociedade brasileira em si mesmo, concebendo um projeto literário e ético, exposto claramente no prefácio ao volume de contos Histórias e sonhos (1920): "Parece-me que o nosso dever de escritores sinceros e honestos é deixar de lado todas as velhas regras, toda a disciplina exterior dos gêneros e aproveitar de cada um deles o que puder e procurar, conforme a inspiração própria, para tentar reformar certas usanças, sugerir dúvidas, levantar julgamentos adormecidos, difundir as nossas grandes e altas emoções em face do mundo e do sofrimento dos homens, para soldar, ligar a humanidade em uma maior, em que caibam todas, pela revelação das almas individuais e do que elas têm de comum e dependente entre si."


Andrea Saad Hossne é professora de teoria literária e literatura comparada na USP e integrante da comissão editorial da revista Rodapé (Nankin), é autora do livro Bovarismo e romance (Ateliê Editorial) e da tese de doutorado A angústia da forma.
Lima Barreto, romancista.

O poeta bissexto

quinta-feira, 26 de março de 2009



Antes de se dedicar ao gênero memorialístico, Pedro Nava manteve um convívio com os poetas modernistas que resultou numa produção esporádica porém vigorosa, cujo melhor momento é o poema "O defunto", que prenuncia as atitudes do autor em relação à morte
Rosana Tokimatsu
Às vésperas do centenário do nascimento de Pedro Nava, as suas Memórias vem despertando um interesse cada vez maior do público, especialmente daquele proveniente dos meios acadêmicos, que não pára de produzir dissertações e teses sobre o escritor mineiro. Como se sabe, Nava publicou seu primeiro livro de memórias, Baú de ossos, em 1972, quando já contava com quase 70 anos de idade. Depois disso, foi lançando quase que sucessivamente os cinco demais volumes, todos muito alentados, naquele mesmo estilo caudaloso que o definiu, mostrando que finalmente deixava correr solta uma verve resultante de vasta experiência represada ao longo do tempo. Somente com as Memórias, sucesso de crítica e de público, Nava foi alçado à categoria de escritor literário propriamente dito.
Entretanto, apesar da consagração tardia, essa não foi sua primeira incursão pela literatura. Antes de se dedicar ao gênero memorialístico, Pedro Nava era conhecido como "poeta bissexto", ou seja, aquele que faz poesia só de vez em quando. Manuel Bandeira acabou consolidando o epíteto quando lançou a famosa Antologia dos poetas brasileiros bissextos contemporâneos (Zélio Valverde, 1946) incluindo nela alguns textos de Nava. Seus primeiros poemas surgiram ainda na década de 20, quando fazia parte do grupo que introduziu o modernismo em Minas Gerais. Esse grupo era formado, em sua maioria, por rapazes que estudavam em Belo Horizonte e que se tornariam nomes fundamentais para a política e a cultura brasileiras: Drummond, Emílio Moura, João Alphonsus, Milton Campos, Abgar Renault, Cyro dos Anjos, dentre outros.

O ponto de encontro dos rapazes era na famosa Rua da Bahia, mais especificamente na Livraria Alves e no Café e Confeitaria Estrela, daí a roda ter ficado conhecida como Grupo do Estrela. De início, seus escritos oscilavam entre as escolas do final do século XIX e tendências modernizantes que já se manifestavam em Minas. Mas, sem dúvida, um momento fundamental para a definição dos rumos do grupo foi o seu encontro com a caravana de expoentes paulistas do modernismo, que visitava Belo Horizonte na emblemática viagem "de descobrimento do Brasil". Mário e Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e D. Olívia Guedes Penteado, acompanhados do poeta Blaise Cendrars, haviam começado seu itinerário pelo Rio e passariam também pelas cidades históricas mineiras. Esta viagem, como se sabe, contribuiu em muito para consolidar no movimento o interesse pelo nosso passado e pelas culturas que tomaram parte no processo de formação do Brasil, mas que estavam então praticamente ignorados.
O diálogo dos rapazes de Belo Horizonte com os paulistas os levaram a definir com mais clareza a postura em relação ao modernismo. No ano seguinte, lançaram A Revista, em cujo número de estréia Drummond declara de modo categórico a posição nacionalista de seus idealizadores, muito embora, no fundo, ele e outros integrantes do grupo alimentassem reservas quanto à proposta. (Veja-se, por exemplo, o artigo "O homem do pau-brasil" - publicado em A Noite, 14/12/1925, e reeditado pelo IEB em Brasil: 1º Tempo Modernista -, em que Drummond considera que o primitivismo de Oswald recai em mero exotismo).

Nesse contexto, Pedro Nava era um dos membros mais atuantes do grupo mineiro. Participava ativamente das discussões sobre literatura e política regadas a cerveja no Café Estrela, e mostrava pendor para as artes visuais, transformando-se no desenhista do grupo. Além disso, também escrevia alguns poemas. Entusiasmado com o clima eufórico despertado pelos últimos acontecimentos, estava imbuído do ideário nacionalista, fazendo basicamente poesia de programa. Mais tarde, renegaria essa pequena produção: "O que fiz é ruim porque passou por dentro de mim, ou melhor: o espírito baixou algumas vezes mas o cavalo do santo é que não prestava" (entrevista ao Diário Carioca, em 1953, citada em entrevista a José Márcio Mendonça para a revista Status, em janeiro de 1977). Em meio aos modismos, o poeta moço experimentou as diferentes linhas nacionalistas. Procurou descrever a exuberância plástica da paisagem brasileira inspirando-se em Guilherme de Almeida e Ronald de Carvalho, passando por tendência que daria origem ao Verdeamarelismo. Entretanto, sua vocação dionisíaca o aproxima de Mário e Oswald, e acaba ousando mais na assimilação dos componentes populares, negros e mestiços da civilização brasileira. Abraça a idéia central do Pau-Brasil ao mostrar, com humor e irreverência, a devoração ritual dos valores europeus e acadêmicos por nossa cultura miscigenada, conforme se vê nessa parte do poema "Tijuco":
II - Música
Violão e sons oblongos no dia longo.
Os minuetos de Vercélhes
têm outro som dançados na corte do Tijuco.
O violão põe ritmos mestiços,
põe coleios longos,
requebros bruscos e
sinuosidades pérfidas
no minueto de Chica da Silva
O minueto é lundum,
é jongo, é cateretê,
na côrte mulata do Tijuco.
A Revista, n.º 1, 1925
Dentre os integrantes da caravana paulista, o Grupo do Estrela se ligaria particularmente a Mário de Andrade, que na época já exercia o papel de orientar jovens artistas através das cartas. Nava torna-se verdadeiro discípulo de Mário, de quem absorve idéias, posturas, e soluções poéticas. Esse foi um dos motivos de sua rejeição aos poemas de mocidade. De qualquer forma, inspirando-se no mentor, o poeta adere à expressão das manifestações telúricas de nosso inconsciente. Salvo algumas exceções, Mário se entusiasmava bastante com os poemas de Nava. Embora nunca tenha se referido de modo claro aos motivos que o levaram a admirar o poeta, isso provavelmente se devia à desenvoltura deste em incorporar as "coisas brasileiras" à criação, fato que correspondia aos ideais de Mário na época. (Conferir a apreciação dos poemas e dos desenhos de Nava por Mário, além da concepção modernista deste à época em Correspondente contumaz - Cartas de Mário de Andrade a Pedro Nava, Nova Fronteira. Ver também as cartas de Mário a Drummond: A lição do amigo, editora Record, p. 61.)
Nava escreveu poesia nacionalista de 1925 a 1928. Passada a fase combativa, a literatura tomava rumos mais exigentes, procurando abordar os problemas sociopolíticos do país. O primitivismo esgotou-se em si mesmo, o Grupo do Estrela se dispersou e Nava deu sinais de que abandonaria a poesia, pois passou a dedicar quase todo o tempo à profissão na qual acabara de se formar.
Após um período considerável, quando já era médico no Oeste paulista, em 1932, surge um primeiro registro de que o poeta não havia morrido em si: "Mestre Aurélio entre as rosas", uma homenagem a seu professor de Farmacologia da faculdade, Aurélio Pires. No entanto, Nava não se torna mais que um bissexto. A sua nova - e pequena - produção é escrita, basicamente, nas décadas 30 e 40.
Um fato que o estimulou a continuar fazendo poesia foi, sem dúvida, a amizade, já no Rio de Janeiro, com intelectuais e artistas como Manuel Bandeira, Vinícius de Moraes e Rodrigo Melo Franco de Andrade, com os quais passou a se reunir em encontros literários. Assim, seus textos se destinavam especialmente a tais ocasiões; até mesmo em alguns deles, o poeta se dirige de modo explícito aos companheiros. Aliás, o próprio Nava diria depois: "Toda poesia que fiz foi mais por influência do grupo em que eu andava, das amizades literárias, do que propriamente por necessidade poética" (entrevista a José Márcio Mendonça). Como depois renegou o que escreveu, uma parcela desses poemas permaneceria inédita enquanto o autor viveu. (Posteriormente, Monique Le Moing reuniu quase todos os poemas em sua biografia sobre Nava, A solidão povoada, da editora Nova Fronteira. No entanto, uma edição crítica desses textos ainda está por ser feita).
De fato, esses textos possuem valor irregular. Se por um lado Nava prenuncia, já nessa época, o estilo exuberante, "barroco", que apareceria muito tempo depois nas Memórias e seria aclamado pela crítica, por outro lado, tal estilo é prejudicado pelo exagero, pela retórica, ficando muito aquém do poder de evocação expresso na obra da maturidade. Além disso, o poeta se perde quando em meio a indagações cósmicas:
"Ai! meu apelo de agonia sobre as águas hiperbólicas...
Túmido do amor espantoso das águas vivas,
e da cólera, da poesia, do patético e da agonia
destes séculos de agonia...
[...]
Ai! vazios de vós, amigos meus!
Porque onde estais, que não me ouvis?"
"Canto do afogado", junho de 1940
Mas apesar das fraquezas, o poeta bissexto impressionou muita gente. Manuel Bandeira e Vinícius se entusiasmaram com o humor sinistro de "O defunto". (Conferir a apresentação de Manuel Bandeira à Antologia dos poetas bissextos. Ver também crônicas do mesmo autor em Poesia e prosa, Aguilar, 1958, vol. II, pp. 1285-1300).
Este, sem dúvida, é o seu melhor poema e vem interessando também à crítica especializada, que o considera verdadeiro prenúncio das atitudes do autor em relação à morte, um dos temas mais pungentes de toda a sua obra.
Pode-se dizer que essa nova fase assinala grandes diferenças em relação aos seus textos dos anos 20: Nava deixa de lado o programa combativo, o nacionalismo pitoresco, muito embora tenha permanecido modernista nos versos livres e coloquiais que são sua marca, na blague e na irreverência.

Entretanto, essa produção bissexta é essencialmente autobiográfica, confessional. Além da circunstância exterior que fazia Nava escrever de vez em quando - a leitura para os amigos -, pode-se dizer que o "caráter bissexto" dos seus poemas se devia, também, ao fato destes surgirem somente naquelas ocasiões em que precisava "expurgar" algo de si. Com efeito, se o autor se revela através da poesia, é possível encontrar nela as mesmas inquietudes que, muito tempo depois, estariam presentes nas Memórias, que são, basicamente, a ênfase à memória na recuperação do mundo perdido, e a perplexidade em relação à morte. Como não será possível neste momento deter-me nos poemas, vou me limitar a mostrar apenas esse segundo aspecto na poesia.

De modo geral, a narrativa naveana se ajusta às características comumente atribuídas ao gênero ao qual pertence, e seus objetivos podem ser assim resumidos: à medida que Nava ia envelhecendo e suas atividades produtivas cessavam, decidiu escrever uma narrativa na qual deseja ardentemente recuperar seu passado, buscando reconhecer a si próprio através de tudo o que viveu, reconstruindo a sua importância e acertando as contas consigo mesmo e com o outro. (Segundo Georges Gusdorf - em Mémoire et personne, PUF, p. 250 e 256 -, o papel da memória visa não apenas conservar os acontecimentos importantes de nossa existência, como também "compor uma imagem do que somos através do retrato do que fomos").
Por sua vez, o presente, para o narrador, é sempre tempo de sofrimento, hora de se defrontar com os próprios fantasmas, com o medo e a culpa, como se vê no capítulo de abertura de Galo-das-trevas, "Jardim da Glória à beira-mar plantado". A angústia e a inquietação que o levam a se afastar do presente se devem, sobretudo, à idéia de morte próxima, com a qual o narrador trava uma luta sem trégua. De modo geral, reconstituir o tempo pregresso lhe dá uma sensação de plenitude, apesar de momentânea, uma vez que é ilusória a volta ao passado e a morte se impõe a todo momento como o único destino certo. Dessa forma, as Memórias podem ser lidas, segundo Davi Arrigucci Jr. ("Móbile da memória", em Enigma e comentário, Companhia das Letras), como uma vasta elegia, na qual o narrador volta e meia reitera sua impotência diante do inevitável, e lamenta incessantemente a ausência dos entes queridos e o desaparecimento dos lugares onde viveu. Ademais, essas ausências vêm lembrá-lo sempre de sua própria morte, configurando, a propósito, o Memento mori, motivo popularizado por ocasião do declínio da Idade Média, que alerta sobre a finitude humana. Esse sentimento do vazio provocado pela perda está presente no poeta bissexto:
"O teu corpo fabuloso que destruíste
Destroçando com a tua
Minha vida que te pertencia,
já faz muitos anos
que descansa em paz,
no carneiro 11.514
da quadra nº 4
do cemitério de São João Batista
[...]
Mas todos os dias,
hora por hora,
no fundo da cova
de silêncio e treva
em que me lançaste,
clamo por ti"
"Nameless here for evermore", 1941.
Contudo, as atitudes naveanas diante da questão não se limitam a essa melancolia causada pela perda. Há também um certo comportamento mórbido, que ressalta os horrores da morte, o seu lado macabro, como a descrição detalhada da decomposição do cadáver, além da ênfase a uma estética do sinistro que acompanha o corpo no funeral. Pontuando as Memórias como um todo, tais atitudes visam, igualmente, alertar para o Memento mori, com a diferença que possuem a evidente intenção de chocar.
A ênfase ao macabro se encontra em "O defunto", sem dúvida o melhor poema do bissexto. Segundo Nava, foi expelido "de um só jato", tendo sido gestado a partir de várias experiências suas com relação à morte. No texto, o poeta dita instruções aos seus amigos sobre a preparação do próprio corpo para o velório. Em primeiro lugar, ordena que suas pompas fúnebres sejam de "roxo pano" para, em seguida, exigir que seu corpo seja despido parte por parte, da cara à genitália (versos 12-52). Com essas medidas, pretende despertar nos amigos "a incerteza, o pavor, o pasmo", levando a todos a idéia de que, um dia, eles também estarão dentro de um esquife.

Ao se demorar nas mãos, entretanto, o poeta passa a se referir a atos transgressores que praticou ou que não lograram realização: o sexo ilícito, furtos e assassinatos (versos 26-35). Por se reportar a tais infrações, é fácil perceber que o anseio em expor as partes do corpo de modo tão desbragado corresponde, figurativamente, à necessidade de se auto-revelar. Joaquim Aguiar observou - em Espaços da memória: Um estudo sobre Pedro Nava (Edusp) - que o defunto, na verdade, é uma figuração do poeta "vivo", um disfarce que usa como instrumento para poder se confessar. Após o poeta ordenar o seu desnudamento, as medidas seguintes deverão zelar por vesti-lo. Suas roupas deverão refletir luxo e ostentação (versos 62-74). Portanto, nesse poema a morte é encenação e espetáculo, constituindo um pretexto para a auto-revelação.

Enfim, somente uma análise mais detida dos poemas daria conta de deslindar aspectos cruciais da obra naveana. Em todo o caso, se o poeta Nava realmente não vingou, limitando-se a apenas alguns momentos notáveis, a sua poesia encerra questões-chave que iriam convergir mais tarde para estruturar a narrativa das Memórias. A poesia bissexta de Nava constitui, assim, via de acesso privilegiada para a devida compreensão de sua obra definitiva.


Rosana Tokimatsu é mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP.

ANGELA KLEIMAN - ABORDAGENS DA LEITURA

quarta-feira, 25 de março de 2009

Atenção pessoal de Letras, turma de Eugênio (Fundamentos para o ensino da leitura e escrita)

Cliquem no link abaixo ou no título da postagem para ter acesso a apostila de Angela B. Kleiman, "Abordagens da leitura".

http://www.ich.pucminas.br/cespuc/Revistas_Scripta/Scripta14/Conteudo/N14_Parte01_art01.pdf

Um forte abraço.


Marconi

O nascimento do Brasil

terça-feira, 24 de março de 2009


Oscar Pereira da Silva, Desembarque de Cabral em Porto Seguro.

Por volta do século XIV e XV a Europa passava por transformações econômicas e sociais: o crescimento do capitalismo, das cidades.
Após o declínio do feudalismo, a burguesia encontrava no Estado monárquico a garantia de unificação e centralização representada na figura do rei.

O comércio inicia sua expansão e as mercadorias passam a ser transportadas e, dessa forma, os grupos mercantis são formados ao longo do continente europeu. A expansão marítima é intensificada e as disputas pelo comércio marítimo também.

Novas rotas mercantis são criadas a fim de suprir as demandas do mercado consumidor, que só aumentava

A Península Ibérica, formada por Portugal e Espanha, estava em posição de poder: acabara de reconquistar seus territórios ocupados, até então, por muçulmanos, e estava em posição geográfica favorável para a navegação, o que favoreceu a conquista de novas terras.

As rotas comerciais para o Oriente favoreciam a descoberta e colonização de novas terras por parte de Portugal.

Após a bem sucedida expedição de Vasco da Gama às Índias, o rei de Portugal, D. Manuel I, resolve enviar uma esquadra às Índias, liderada por Pedro Álvares Cabral, com a intenção de estreitar vínculos comerciais. Contudo, a esquadra que inicialmente iria em direção à costa africana, se pendeu para o continente americano. Alguns estudos comprovam que o rei D. Manuel I já sabia da existência do Brasil, já que desde 1351 o território brasileiro era representado em mapas como uma ilha em meio ao Atlântico. Porém, não há confirmação exata a respeito desse assunto.

No dia 22 de abril a esquadra portuguesa avista um monte, o Monte Pascoal, intitulado assim por ser Páscoa.

O escrivão da esquadra, Pero Vaz de Caminha, registra a primeira missa na nova terra, chamada de Vera Cruz, feita pelo Frei Henrique de Coimbra, o qual pregou que o território descoberto deveria ser convertido ao cristianismo, em nome do rei.
A terra, então, passou a se chamar Terra de Santa Cruz e, posteriormente, Brasil, devido à quantidade de pau-brasil no litoral.

As expedições marítimas tinham a proteção da Ordem de Cristo, sob chefia do papa. Os portugueses estavam em guerra religiosa com os árabes e as expedições tinham a intenção de propagar a fé cristã e disseminar os infiéis.

A Ordem de Cristo era, portanto, uma companhia religiosa e militar comandada pelas orientações do papa, o único com autorização para ocupar territórios como o Brasil, repleto de “infiéis”.

Podemos considerar como o início da literatura a carta de Pero Vaz de Caminha, os diários de navegação, os tratados firmados, além dos escritos pedagógicos e informativos da evangelização jesuíta. O mais enfático jesuíta é Padre José de Anchieta, que veio ao Brasil com a proposta de catequizar os índios, por volta de 1553. Dedicou-se à catequese e é conhecido por suas poesias de devoção, cartas e estudos da língua tupi ( autor da primeira gramática tupi-guarani).

Por Sabrina Vilarinho
Graduada em Letras
Equipe Brasil Escola

O herói sem nenhum caráter

segunda-feira, 23 de março de 2009

Macunaíma e a renovação da linguagem literária. Publicado em 1928, numa tiragem de apenas oitocentos exemplares (Mário de Andrade não conseguira editor), Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, é uma das obras pilares da cultura brasileira.
Numa narrativa fantástica e picaresca, ou, melhor dizendo, “malandra”, herdeira direta das Memórias de um Sargento de Milícias (1852) de Manuel Antônio de Almeida, Mário de Andrade reelabora literariamente temas de mitologia indígena e visões folclóricas da Amazônia e do resto do país, fundando uma nova linguagem literária, saborosamente brasileira.

Macunaíma - bem como Memórias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), de Oswald de Andrade - foram obras revolucionárias na medida em que desafiaram o sistema cultural vigente, propondo, através de uma nova organização da linguagem literária, o lançamento de outras informações culturais, diferentes em tudo das posições mantidas por uma sociedade dominada até então pelo reacionarismo e o atraso cultural generalizado.
Nacionalista crítico, sem xenofobia, Macunaíma é a obra que melhor concretiza as propostas do movimento da Antropofagia (1928), criado por Oswald de Andrade, que buscava uma relação de igualdade real da cultura brasileira com as demais. Não a rejeição pura e simples do que vem de fora, mas consumir aquilo que há de bom na arte estrangeira. Não evitá-la, mas, como um antropófago, comer o que mereça ser comido.
O tom bem humorado e a inventividade narrativa e lingüística fazem de Macunaíma uma das obras modernistas brasileiras mais afinadas com a literatura de vanguarda no mundo, na sua época. Nesse romance encontram-se dadaísmo, futurismo, expressionismo e surrealismo aplicados a um vasto conhecimento das raízes da cultura brasileira

BIOGRAFIA

Vida de Mário de Andrade
Universidade do Distrito Federal. Não se adapta à mudança, vive deprimido e, “numa noite de porre imenso” bate com o punho na mesa do
bar e fala para si mesmo: “Vou-me embora para São Paulo, morarna minha casa”.Volta para São Paulo em 1940, trabalha no Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que ajudara a criar em 36, e viaja por todo o Estado de São Paulo, fazendo pesquisas.
Em 1942, publica O Movimento Modernista, famosa conferência, em que faz o balanço e a crítica de sua geração, “assinalando os erros do Modernismo, principalmente o que considera como “abstencionismo” diante dos graves problemas sociais do seu tempo”.

Sua saúde, já frágil, piora a partir dessa época. Em 43, inicia a publicação das suas Obras Completas, planejada para sair em dezoito volumes.
Em 25 de fevereiro de 1945, aos 51 anos de idade, Mário de Andrade sofre um ataque cardíaco fulminante e morre, deixando inacabado o livro Contos Novos (1946) em que se destacam narrativas de inspiração freudiana, como “Vestida de Preto” e “Frederico Paciência”, e contos de preocupação social, como “O Poço” e “Primeiro de Maio”.
Como crítico literário seu legado é imenso. Em A escrava que não é Isaura (1925), por exemplo, reúne ensaios provocativos contra o passadismo. Já nos Aspectos da Literatura Brasileira (1943), aborda, de maneira bem menos passional, os mais importantes escritores da literatura brasileira.
Com sua morte precoce o Brasil ficou órfão de um dos seus mais fecundos, múltiplos e íntegros intelectuais que, certa feita, definiu-se como “trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”. Números muito modestos, levando-se em conta sua importância para a cultura brasileira do século XX.

ESTILO

Mário de Andrade e o Modernismo
Foram a Semana de 22 e seus desdobramentos que projetaram Mário de Andrade como figura decisiva do movimento modernista. No processo de implantação da nova mentalidade cultural, Mário destacou-se como teorizador e ativista cultural. Com a determinação própria dos líderes que pretendem injetar uma nova consciência, multiplicou-se em músico, pesquisador de etnografia e folclore, poeta, contista, romancista, crítico de todas as artes, correspondente cultural que troca cartas com artistas novos consagrados, além de ter ocupado vários cargos na burocracia estatal, relacionados com o desenvolvimento da cultura em suas várias
manifestações.
Era um sujeito muito sério, católico fervoroso, dotado de uma capacidade extraordinária de estudo e ação. Com carisma e afeto, conseguiu colocar a renovação modernista no trilho de um presente e de um futuro culturais marcados por um nacionalismo arejado e lúcido.

ESTILO LITERÁRIO
Mário de Andrade nos conta que escreveu Macunaíma em seis dias, deitado, bem à maneira de seu herói, em uma rede na “Chácara de Sapucaia”, em Araraquara, SP. Diz ainda: “Gastei muito pouca invenção neste poema fácil de escrever (…). Este livro afinal não passa duma antologia do folclore brasileiro.” A obra, composta em apenas seis dias, é fruto de anos de pesquisa das lendas e mitos indígenas e folclóricos que o autor reúne utilizando a linguagem popular e oral de várias regiões do Brasil. Trata-se, por isso mesmo, de uma rapsódia. Assim os gregos designavam obras como a Ilíada ou a Odisséia de Homero, que reúnem séculos de narrativas poéticas orais, resumindo as tradições folclóricas de todo um povo. Para o musicólogo Mário de Andrade, o termo certamente remete às fantasias instrumentais que utilizam temas e processos de composição improvisada, tirados de cantos tradicionais ou populares, como as rapsódias húngaras de Liszt.
É importante notar que, além de relatar inúmeros mitos recolhidos e diversas fontes populares, Mário de Andrade também inventa, de maneira irônica, vários mitos da modernidade. Apresenta, entre outros, os mitos da criação do futebol, do truco, do gesto da “banana” ou do termo “Vá tomar banho!” Há, em Macunaíma, portanto, além da imensa pesquisa, muita invenção.

CONTEXTO HISTÓRICO

O Brasil na década de 20
A sociedade brasileira, no tempo em que surgiu Macunaíma, parecia bastante mudada. Já não tinha aquele ar de fazenda que respiramos durante 4 séculos. Havia muitas fábricas (principalmente em São Paulo), grandes aglomerados urbanos, com populações de quase 1 milhão de habitantes. O
comércio e a indústria prosperavam rapidamente, graças ao mercado consumidor formado pelos moradores das cidades e pelos colonos de
origem estrangeira. As mulheres fumavam, iam sozinhas ao cinema,exibiam as pernas.
Algo impressionava bastante os brasileiros daquele tempo: a velocidade dos meios de comunicação e transporte! Eram carros, bondes, trens, telégrafos, rádios, telefone… Empresas, bancos, bolsas de valores…
Desde 1922, o país parecia estar em ebulição: além da Semana de Arte Moderna, foi criado o Partido Comunista e iniciado o movimento tenentista, que, durante toda a década de 20, desafiou o governo federal.

O clímax deste movimento foi a Coluna Prestes que percorreu 33 mil quilômetros do interior do Brasil, travando mais de 100 combates, em dois anos e meio (1924-1927). Arthur Bernardes e Washington Luís usaram todos os meios para combatê-la, lançando até o cangaceiro Lampião no seu encalço. A Coluna, porém, não teve força para derrubar o governo central, nem conseguiu rebelar o povo contra o regime. Esgotada, embora invicta, internou-se na Bolívia. No entanto, a imagem de Luís Carlos Prestes, com seus prodígios de técnica militar e de bravura pessoal, constituiu um mito que exerceu sobre os intelectuais de esquerda (entre os quais se incluíam Mário de Andrade, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade) uma grande fascinação. O tenentismo (com seus levantes ao longo da década) aliado à crise desencadeada pelo estouro da Bolsa de Nova Iorque em 1929, são fatos que se somam para derrubar a República Velha na triunfante Revolução de outubro de 1930.
(Cap. XI – A Velha Ceiuci).

TEXTO

A síntese do romance – rapsódia
Capítulo I - Macunaíma
Macunaíma, “herói de nossa gente” nasceu à margem do Uraricoera, em plena floresta amazônica. Descendia da tribo dos Tapanhumas e, desde a primeira infância, revelava-se como um sujeito “preguiçoso”. Ainda menino, busca prazeres amorosos com Sofará, mulher de seu irmão Jiguê, que só lhe havia dado pra comer as tripas de uma anta, caçada por Macunaíma numa armadilha esperta. Nas várias transas (“brincadeiras”) com Sofará, Macunaíma transforma-se num príncipe lindo, iniciando um processo constante de metamorfoses que irão ocorrer ao longo da narrativa: índio negro, vira branco, inseto, peixe e até mesmo um pato, dependendo das circunstâncias.
Capítulo II - Maioridade
De tanto aprontar, foi abandonado pela mãe no meio do mato. Tremelicando, com as perninhas em arco, Macunaíma botou o pé na estrada até que topou com o Curupira e perguntou-lhe como faria para voltar pra casa. Maliciosamente, o Curupira ensina-lhe um caminho errado que Macunaíma, por preguiça, não seguiu. Escapando do monstro, o herói topou com uma voz que cantava uma toada lenta: era a cotia, que depois de ouvir o piá contar como enganara o Curupira, jogou-lhe em cima calda envenenada de mandioca. Isto fez Macunaíma crescer, atingindo o “tamanho dum homem taludo”.

Capítulo III – Ci, Mãe do Mato
Encontra Ci, a Mãe do Mato e inventa com ela lindas e novas maneiras de gozos de amor. O resultado desse idílio é o nascimento de um curumi, que morreu prematuramente depois de mamar no único peito de Ci, envenenado pela Cobra Preta. Enterrado o filho, Ci também resolveu deixar este mundo. Deu ao herói sua muiraquitã famosa e subiu pro céu por um cipó, transformando-se numa estrela.

Capitulo IV – Boiúna Luna
Tomado de tristeza, Macunaíma despediu-se das Icamiabas e partiu rumo às matas misteriosas. No caminho, encontra Capei, monstro fantástico que abre a goela e solta uma nuvem de marimbondos. Nas lutas contra o monstro, Macunaíma perde seu talismã e fica sabendo, através de um uirapuru, que a tartaruga que engolira sua pedra tinha sido apanhada por um mariscador. Este vendera a muiraquitã a um rico fazendeiro chamado Venceslau Pietro Pietra, proprietário de uma mansão na rua Maranhão, em São Paulo. Macunaíma resolve, então, vir para a capital paulista recuperar sua muiraquitã.

Capítulo V - Piaimã
O herói junta seus irmãos e desce o Araguaia, com sua esquadra de igarités cheias de cacau. Em São Paulo, fica sabendo que Venceslau Pietro Pietra
era o gigante Piaimã, comedor de gente, companheiro de uma caapora velha chamada Ceiuci, também antropófaga e muito gulosa. Esse capítulo apresenta uma das passagens mais saborosas do romance: a chegada de Macunaíma e seus irmãos à cidade de São Paulo. Nesse momento, Mário de Andrade inverte os relatos quinhentistas da Literatura Informativa. Aqui é o índio que se depara com a dita “civilização” e procura assimilá-la, digerindo-a com suas próprias enzimas culturais

Capítulo VI – A francesa e o gigante
Depois de uma tentativa de aproximação frustrada, Macunaíma resolve se vestir de francesa para conquistar Venceslau Pietro Pietra e reconquistar sua muiraquitã. O regatão não emprestou a pedra nem quis vendê-la. Mas deixou claro que poderia dá-la se a francesa resolvesse “brincar” com ele… Muito inquieto, Macunaíma foge, percorrendo, em louca correria, grande parte do território brasileiro

Capítulo VII - Macumba
Como não tivesse força suficiente pra matar o gigante, Macunaíma vem para o Rio de Janeiro procurar o terreiro de macumba da tia Ciata. Pediu à macumbeira vários castigos pro gigante Piaimã que, além de receber a chifrada de um touro selvagem, é ferroado por quarenta mil formigas-de-fogo.

Capítulo VIII – Vei, a Sol
É também no Rio de Janeiro que Macunaíma reencontra a Vei, a deusa-sol que pretendia casar uma de suas três filhas com o herói. Embora tivesse prometido, Macunaíma não cumpriu a palavra empenhada: logo que anoiteceu, convidou uma portuguesa e brincou com ela na jangada. Depois foram descansar num banco da avenida Beira-mar, no Flamengo, quando surgiu Mianiquê-Teibê, monstro de garras enormes com olhos no lugar dos peitos e duas bocarras nos pés, de dentes aguçados. Macunaíma saiu correndo pela praia; o monstro comeu a portuga e desapareceu.

Capítulo IX – Carta pras Icamiabas
O herói retorna a São Paulo e, saudoso, resolve escrever uma “carta pras icamiabas”, relatando como era sua vida em São Paulo. Faz, num satírico estilo beletrista, uma descrição da agitada vida paulistana, com seus arranha-céus, ruas “habilmente estreitas” cheias de gente, cinemas, casas de moda, ônibus, estátuas e jardim. Nesta pernóstica missiva, o corrupto Imperador faz questão de detalhar para as amazonas a prática constante de amores pecaminosos, tanto que ele até pensa em tirar proveito da exploração do lenocínio. Critica o capitalismo selvagem dos paulistas locomotivas e dos italianos arrivistas, destacando, horrorizado, ao final, uma curiosidade original deste povo: “falam numa língua e escrevem noutra”. Depois de abençoar as suas súditas, termina a carta, com a maior desfaçatez, pedindo mais uma “gaita” pras suas fiéis icamiabas

Capítulo X – Pauí-pódole
A surra que Venceslau Pietro Pietra recebeu de Exu foi tão violenta que ele ficou meses numa rede, travado pelos suplícios a que foi submetido. Sem poder readquirir a muiraquitã, Macunaíma ocupou-se então do complicado estudo das duas línguas da terra, “o brasileiro falado e o português escrito”. Interrompe um mulato pedante que fazia um verborrágico discurso sobre o Cruzeiro do Sul, falando que aquelas quatro estrelas que brilham no vasto campo do céu são, na verdade, o Pai do Mutum, figura zoocosmológica que teve seu corpo de ave metamorfoseado numa constelação. Capítulo

XI – A velha Ceiuci
Depois de ter passado a noite brincando com a patroa da pensão, Macunaíma falou pros seus irmãos Maanape e Jiguê que tinha achado “rasto fresco de tapir”, em pleno asfalto paulistano, junto à Bolsa de Mercadorias. Induziu seus irmãos a caçarem o animal e estes quase acabam sendo linchados pela multidão que se aglomerou pra assistir à caçada. Um estudante subiu na capota de um automóvel e discursou contra Maanape e Jiguê. Foi interrompido por Macunaíma que, tomado por um efêmero acesso de fraternidade, resolveu defender os irmãos entrando no meio da multidão e distribuindo rasteiras e cabeçadas até ser preso por um “grilo”, soldado da antiga guarda-civil de São Paulo.

No meio da confusão, o herói conseguiu fugir e foi ver como passava o gigante Venceslau Pietro Pietra, ainda “convalescendo da sova apanhada na macumba”. Faz uma aposta com o curumi Chuvisco pra ver quem conseguia assustar o gigante e sua família. Perde a aposta e resolve fazer uma pescaria. Como não tivesse anzol, o herói se transforma numa “piranha feroz” pra cortar a linha de um inglês que pescava a seu lado. Acontece que a velha feiticeira Ceiuci, mulher do gigante, também costumava pescar no igarapé Tietê e prende o herói. Ao ser pescado pela tarrafa da feiticeira, Macunaíma vira um pato que devia ser logo comido. Além de brincar com a filha mais moça de Ceiuci, ludibria-a e foge, montado “num cavalo castanho-pedrez que pra carreira Deus o fez”. É uma fuga espetacularmente surrealista: num momento está em Manaus e noutro em Mendoza, na Argentina.

Ismália

sábado, 21 de março de 2009

Alphonsus de Guimaraens


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...



Alphonsus de Guimaraens (Afonso Henriques da Costa Guimaraens), nasceu em Ouro Preto (MG), em 1870 e faleceu em Mariana (MG), em 1921. Bacharelou-se em Direito, em 1894, em sua terra natal. Desde seus tempos de estudante colaborava nos jornais “Diário Mercantil”, “Comércio de São Paulo”, “Correio Paulistano”, “O Estado de S. Paulo” e “A Gazeta”. Em 1895 tornou-se promotor de Justiça em Conceição do Serro (MG) e, a partir de 1906, Juiz em Mariana (MG), de onde pouco sairia. Seu primeiro livro de poesia, Dona Mística, (1892/1894), foi publicado em 1899, ano em que também saiu o “Setenário das Dores de Nossa Senhora. Câmara Ardente”. Em 1902 publicou “Kiriale”, sob o pseudônimo de Alphonsus de Vimaraens. Sua “Obra Completa” foi publicada em 1960. Considerado um dos grandes nomes do Simbolismo, e por vezes o mais místico dos poetas brasileiros, Alphonsus de Guimaraens tratou em seus versos de amor, morte e religiosidade. A morte de sua noiva Constança, em 1888, marcou profundamente sua vida e sua obra, cujos versos, melancólicos e musicais, são repletos de anjos, serafins, cores roxas e virgens mortas.

(fonte: Itaú Cultural)


Publicado no livro "Pastoral aos crentes do amor e da morte" este poema, integrante da série "As Canções", foi incluído no livro “Os cem melhores poemas brasileiros do século”, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, pág. 45, uma seleção de Ítalo Moriconi.