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GRAU ZERO

quinta-feira, 5 de março de 2009

Na teoria da escrita de Roland Barthes, apresentada em Le Degré zero de l’écriture (1953), existe um espaço nulo da escrita histórica a que chama escrita branca ou grau zero da escrita, conceito que se oporia ao conceito de literatura, no sentido em que esta recorre a mecanismos gramaticais e estilísticos, que se combinam com marcas ideológicas, ao passo que a escrita (écriture) vive nesse espaço neutro não submetido às leis da literariedade. Segundo a tese de Barthes, “a escrita no grau zero é no fundo uma escrita indicativa (...); é antes uma escrita inocente. Trata-se de ultrapassar aqui a Literatura, entregando-nos a uma espécie de língua básica, tão afastada das linguagens vivas como da linguagem literária propriamente dita. Esta fala transparente, inaugurada pelo Estrangeiro de Camus, realiza um estilo de ausência que é quase uma ausência total de estilo” (O Grau Zero da Escrita, Edições 70, Lisboa, 1997, p.64). O exemplo aduzido por Barthes para melhor se entender os limites do grau zero da escrita é o romance de Albert Camus O Estrangeiro, narrado na primeira pessoa e no parfait composé, escolhas que permitem ao texto literário encontrar mais facilmente um estilo neutro, ao contrário do uso do passé composé, típica construção das narrativas literárias, que “assinala sempre uma arte” (p. 31). Trata-se, como parece evidente, de conseguir chegar a uma espécie de supraideal linguístico, privilegiando todo o discurso que apenas se constrói com denotações, com uma gramaticalidade lógica, isentando-se de efeitos polissémicos, algo que mais facilmente vemos nos textos técnicos e científicos, cuja objectividade acaba por se confundir com o conceito de grau zero da escrita. Não se entende é como é que o modelo de escrita assocializante e anti-ideológica preconizado por Barthes, nesta sua fase estruturalista, pode ajudar a compreender a especificidade da escrita não literária da escrita literária, quando sabemos que, por exemplo, a linguagem da publicidade tanto pode ser “branca”, “amodal” e “inocente” como profundamente ideológica e socializante ao mesmo tempo. A transparência que Barthes quis para a escrita de grau zero pode também ser, porque não, uma qualidade do texto literário mais artificioso.

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