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Futebol: linguagem da paixão

segunda-feira, 2 de março de 2009



Pesquisador da UNESP mostra a influência do futebol
na linguagem do povo brasileiro e revela seu significado

Por Thiago Nassa

IlustraçãoBola murcha, bola fora, com a bola toda, bola pra frente, trocar as bolas, comer bola... Expressões tão comuns na gíria do povo brasileiro foram, no passado, de uso restrito de jogadores, técnicos, locutores e torcedores de futebol. Criadas espontaneamente para expressar significados que não constavam dos dicionários, o futebolês foi pouco a pouco se incorporando na nossa linguagem coloquial. "E nenhum outro grupo de linguagem conseguiu influenciar tanto nossa cultura quanto o futebol", atesta o professor Ermínio Rodrigues, do Departamento de Teoria Lingüística e Literatura do Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da UNESP, câmpus de São José do Rio Preto, um estudioso da língua portuguesa que dedicou sua carreira profissional à investigação da linguagem usada por grupos restritos.

"A presença do futebol na cultura brasileira pode ser notada na linguagem do cinema, da música, do teatro, da dança, da literatura clássica, da prosa e até da poesia", conta o Rodrigues. No entanto, o aspecto mais fascinante do estudo é a criatividade mostrada pela linguagem do futebol. Na sua pesquisa, o professor conseguiu identificar cerca de 2 mil neologismos conceituais, cujos significados podem ser compreendidos pela maioria das pessoas.

Paixão e guerra - "A paixão nacional conseguiu produzir uma linguagem única em sua forma de expressão, na qual predominam termos eróticos e militares", conta Rodrigues. Pela simbologia, se o gol é o orgasmo do futebol, a bola, com certeza, é a mulher desejada pelo jogador. Aliás, o jogador que apresenta bom desempenho em campo é aquele que tem intimidade com a bola, que sabe tocá-la até o gol. Não é à toa que a rede ganhou o apelido carinhoso de véu de noiva.

Futebol é paixão, mas também é guerra. E na competição pela bola, vale tudo para atingir o gol antes do adversário. Criar táticas de jogo, estratégias de defesa, marcar o adversário, fazer barreira e mandar um torpedo são algumas das palavras que revelam esta simbologia.

Sem limites - A criatividade da torcida, dos técnicos, dos jogadores e dos narradores de futebol extrapola os limites da imaginação. Nada melhor do que a palavra frangueiro para mostrar que o goleiro tem um mau desempenho. Assim como o termo olé serve para evidenciar lances de dribles com o intuito de provocar a torcida adversária.

A linguagem do futebol também recebeu um tempero da culinária. O termo cozinhar, por exemplo, cai como uma luva para mostrar que o time está retardando deliberadamente o jogo. Assim como aperitivo é um apelido carinhoso para uma partida preliminar e carne assada, para um jogo amistoso.

Às vezes, a palavra criada no meio futebolístico parece ter sido tirada da boca do povo. É o caso do termo deu zebra. Usado pelo técnico carioca Gentil Cardoso para qualificar um resultado imprevisto de um jogo, a expressão tornou-se de domínio público e passou a ser largamente empregada. "Provavelmente, o técnico foi buscar inspiração no jogo do bicho que utiliza quase todos os animais, menos a zebra", comenta Rodrigues.

Já em alguns casos a interpretação do neologismo é praticamente impossível de ser feita por um leigo. É o caso do verbo pipocar. Quando um jogador evita confrontos com o adversário para não se machucar, a torcida diz que ele está saltando fora das jogadas que nem pipoca.

Combate à gíria - O predomínio da gíria no futebol é tão forte que já houve quem tentasse criar um vocabulário específico para o esporte. O técnico Cláudio Coutinho, da seleção brasileira de 1968, pode ser considerado o precurssor desta tenmtativa de normatização. "Como ex-militar, Coutinho usava muitas expressões dessa área para criar novos conceitos de táticas de jogo", conta o professor. São criações dele, por exemplo, a expressão tanque, que qualifica um jogador forte, parrudo e atarracado.

Na tentativa de acabar com a gíria, o técnico também foi buscar inspiração em outros idiomas. O jogador que não tem posição fixa no jogo, por exemplo, ganhou o nome de libero, palavra de origem italiana que significa livre. É dele também a expressão jogo aéreo, criada com o intuito de substituir o popular chuveirinho, nome dado à bola levantada que entra pingando no campo. "Apesar desta tentativa, a linguagem do futebol não se submete a normas. Pode incorporar frases técnicas, mas é por essência livre", finaliza o pesquisador.

Onde encontrar:
Professor Ermínio Rodrigues
Tel. (017) 232-9021

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