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LITERARIEDADE

quarta-feira, 10 de março de 2010

A teoria da literatura tem como objeto do seu estudo, o que foi denominado por Roman Jakobson de literariedade. Esse conceito caracteriza o que torna diferente um texto literário de um texto de literatura (lato sensu).
Um texto para ser literário, parte de uma elaboração especial da linguagem, utilizando elementos da ficção e da imaginação do autor, a chamada literatura stricto sensu. Essa elaboração especial, constitui o chamado "desvio", que afasta a linguagem literária das ocorrências verbais ordinárias.
Note a transcrição abaixo:


"O sol poente desatava, longa, a sua sombra pelo chão, e protegido por ela - braços largamente abertos, face volvida para os céus, - um soldado descansava.
Descansava... havia três meses.
Morrera no assalto de 18 de julho."
(Euclides da Cunha, Os sertões)


O dito desvio ocorre em dois fatos: um léxico, no emprego do verbo descansar, e um sintático, o uso incomum das reticências. A palavra "morrera", dá significado a "descansava", e as reticências que seguem a ela , operam um corte na frase, responsável pela criação do suspense inicial. Esse arranjo verbal organizado, constitui a literariedade do trecho, tornando-o especificamente literário.
No passado, o apego intransitivo ao texto, vedava as questões de real interesse. Atualmente, a teoria da literatura é aberta a métodos de investigação que valorizam bases sociológicas, antropológicas e psicanalíticas, ou seja, não basta ler, achar bonito, é necessário entender o que se está lendo, inclusive as motivações implícitas ao texto.

Postado por Rúbida Rosa às 7.7.08

SIGNO

terça-feira, 9 de março de 2010

Narra a lenda que Constantino, o Grande, imperador romano, no poder de 306 a 337, teria visto em sonhos, às vésperas da batalha decisiva contra Magêncio para o controle do império de Roma, uma cruz no céu e ouvido alguém pronunciar esta frase: “In hoc signo vinces” (que traduzo: “Com este signo, vencerás”). Ao despertar, o Pontifex maximus ordenou a seus soldados que gravassem, nos seus escudos, aquele signo. Naquele mesmo dia de 312, o imperador sonhador, que , apenas no leito de morte, se tornaria cristão, ganhou a batalha da Ponte Mílvia. Outra versão dá conta de que a visão ocorrera na Gália, quando Constantino estava a caminho de Roma, antes da batalha contra Magêncio. Já uma terceira versão da mesma lenda narra que a visão miraculosa aconteceu para todos os soldados de Constantino, quando os dois exércitos rivais se defrontaram na ponte Mílvia. Nas três versões do milagre, está sempre presente a palavra “signo”, ou o signo “signo”, declinada no ablativo singular latino do substantivo latino neutro signum/signi. Ainda no repertório do signo gravado, recordo que Mensagem, de 1934, único livro de Fernando Pessoa (1888-1935), publicado em vida do Poeta, a que foi atribuído, no concurso “Antero de Quental”, promovido pelo Secretariado de Propaganda Nacional, um decepcionante prêmio de “segunda categoria” (o prêmio de “primeira categoria”, recebeu-o o livro Romaria, de Vasco Reis: quem saberá algo do poemário galardoado?)), inaugura-se com uma epígrafe em latim: “Benedictus Dominus Deus noster qui dedit nobis signum”, que, em vernáculo, verto para : “Bendito seja o Senhor nosso Deus, que nos deu o signo”. Embora a insígnia inaugural, conjugando, no acusativo do singular, o substantivo latino, não tenha levado à vitória quem dela se apropriou, terá, todavia, inaugurado a trajetória literária inexaurível de alguém que se, em vida, não foi considerado o “Supra-Camões”, goza, per omnia saecula saeculorum, de uma fortuna crítica muitíssimo mais vasta do que o império romano, definitivamente mais significativa do que todo o império luso, pois, entre o céu e a terra, entre o sonho e o livro, entre a batalha e a poesia, entre os signos e as coisas, há muito mais signos do que possa imaginar nossa, nem tão vã, semiologia. Destarte, é o signo: surpreendente, ambíguo, plurívoco, imperial, poético. Em ambos os enunciados, tanto na frase esotérica de Mensagem quanto no enunciado cristão do imperador romano, fulgura o significante “signo”, chave, portanto de qualquer leitura das “coisas, que são a mesma da maneira como as entendem aqueles que delas usam, falando ou escrevendo”, como finaliza Fernando Pessoa seu texto de pórtico.

Tão complexa revela-se a noção de signo que o célebre semiólogo italiano Umberto Eco chega a afirmar, com doses de ironia, como é de seu feitio pós-moderno, que “um dos momentos de crise da semiótica contemporânea foi justamente a crise da noção de signo. Afirma-se: ‘o signo não existe’ “. No entanto, ainda segundo o autor de Lector in fabula (1979), não podemos viver fora do círculo dos signos, dado que “encontramo-nos na situação de dever evitar o que Jonathan Swift imaginou para os habitantes da ilha de Laputa, que andavam com um saco contendo os objetos que precisavam nomear. E assim, quando tinham de falar de uma maçã, de uma pena ou de uma caixa, tiravam o objeto do saco. À parte o fato de que estavam, portanto, impossibilitados de falar de elefantes ou de hipopótamos por motivos práticos, veremos mais adiante que também esses personagens estavam, no fundo, usando coisas presentes para indicar coisas ausentes, porque, evidentemente, a maçã que tiravam do saco não devia representar somente aquela maçã, mas todas as maçãs possíveis. E novamente, portanto, havia uma presença que remetia a algo que não estava presente”. Misturando lenda e reflexão semiológica, o professor da Universidade de Bolonha aponta a natureza dupla do signo, de qualquer signo, seja ele verbal, imagético, sonoro, táctil, gustativo...Com efeito, fica claro, em qualquer abordagem sobre o signo, que este é, por sua própria natureza cultural , duplo, visto que se estrutura como presença de algo ausente e como ausência daquilo a que remete. Segundo o semiólogo francês Roland Barthes (1915-1980), o “termo signo, presente em vocabulários bem diferentes (da Teologia à Medicina) e de história muito rica (do Evangelho à Cibernética), é por isto mesmo bastante ambíguo; além disto (...), é preciso uma palavrinha a respeito do campo nocional onde ele ocupa um lugar, aliás flutuante (...). Signo , na verdade, insere-se numa série de termos afins e dessemelhantes, ao sabor dos autores: sinal, índice, ícone, alegoria são os principais rivais do signo”. Concomitantemente e sem se conhecerem (confirmando o que Carl Jung designa, belamente, como “sincronicidade”), o norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914) e o suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913) conceberam, respectivamente, uma semiótica e uma semiologia, em que a categoria do signo funciona como básica. No entanto, o lógico estadunidense e o lingüista genebrino definem, diferentemente, o signo, até por se basearem, para a constituição da nova ciência, por ambos definida como “ciência dos signos”, em heurísticas diversas: Peirce parte da lógica, ao passo que Saussure fundamenta-se na lingüística. Outra marca da diferenciação de perspectiva, semiótica e semiológica, reside no fato de se considerarem como signos não apenas entidades lingüísticas como signos não-verbais. Ao fim e ao cabo, tudo é signo e como falar do signo a não ser por outro signo? Em todas as suas linguagens, o ser humano não escapará de uma instigante tautologia.

De acordo com Peirce, signo é algo que substitui algo, para alguém, em certa medida e para certos efeitos; define-se como “qualquer coisa que conduz alguma outra coisa (seu interpretante) a referir-se a um objeto ao qual ela mesma se refere (seu objeto), de modo idêntico, transformando-se o interpretante, por sua vez, em signo, e assim sucessivamente, ad infinitum”. É de se notar que o termo “interpretante” refere, na nomenclatura semiótica peirceana, o signo equivalente que se cria na mente da pessoa a quem o signo se dirige. A cadeia infinita de signos revela, então, o traço que permite caracterizar o ser humano como um incansável produtor de signos, presentes em todas as civilizações e culturas, até porque, ocorrendo no seio de um grupo social, o signo é um fato culturalizado. Não terá fim a capacidade semiótica do homo significans. Por conseguinte, o significado de um signo é um outro signo.

Recortando o signo como signo lingüístico, Saussure pondera que “le signe linguistique unit non une chose et un nom, mais un concept et une image acoustique. Cette dernière n’est pas le son matériel, chose purement physique, mais l’empreinte psychique de ce son, la représentation que nous en donne le témoignage de nos sens; elle est sensorielle, et s’il nous arrive de l’appeler ‘matérielle’, c’est seulement dans ce sens et par opposition à l’autre terme de l’association, le concept, généralement plus abstrait”. Nessa linha de pensamento, o autor do Cours de linguistique générale (1915) nomeia “significante” a “imagem acústica” do signo e “significado” o “conceito”. Com seu talento taxonômico, sempre articulando uma tríade, ao contrário da lingüística saussureana, que privilegia o duplo (langue/parole; forma/conteúdo, sincronicidade/diacronicidade...), o filósofo-semioticista de The collected papers (nome original da tradução brasileira Semiótica, efetuada por José Teixeira Coelho Neto ) distingue três classes de signos: “um signo é um ícone, um índice ou um símbolo. Um ícone é um signo que possuiria o caráter que o torna significante, mesmo que seu objeto não existisse, tal como um risco feito a lápis, representando uma linha geométrica. Um índice é um signo que de repente perderia seu caráter que o torna um signo se seu objeto fosse removido, mas que não perderia esse caráter se não houvesse interpretante. Tal é, por exemplo, o caso de um molde com um buraco de bala como signo de um tiro, pois sem o tiro não teria havido buraco; porém, nele existe um buraco, quer tenha alguém ou não a capacidade de atribuí-lo a um tiro. Um símbolo é um signo que perderia o caráter que o torna um signo se não houvesse um interpretante. Tal é o caso de qualquer elocução de discurso que significa aquilo que significa apenas por força de compreender-se que possui essa significação”. Ainda numa relação triádica, Peirce, considerando os signos como elementos de sistemas mais ou menos elaborados de significação e de comunicação, assim dimensiona os signos : numa perspectiva sintática, em que se analisam as relações formais que mantêm entre si; numa perspectiva semântica, privilegia-se a relação entre o signo e o seu designatum; já, numa perspectiva pragmática, equaciona-se a relação entre os signos e os seus utentes.

Como exemplo da aplicação da semiologia de cariz saussereano, podemos ler o poeta contemporâneo brasileiro Arnaldo Antunes, ex-integrante da banda de rock “Titãs”, que oferece, no poema “Nome não”, uma emblemática lição de coisas semiológicas, onde não se podem fundir palavras e coisas:

“os nomes dos bichos não são os bichos/ os bichos são:/ macaco gato peixe cavalo/ vaca elefante baleia galinha // os nomes das cores não são as cores/ as cores são: / preto azul amarelo verde vermelho marrom // os nomes dos sons não são os sons/ os sons são// só os bichos são bichos/ só as cores são cores/ só os sons são/ som são, som são/ nome não, nome não// nome não, nome não// os nomes dos bichos não são os bichos// os bichos são:// plástico pedra pelúcia ferro/ madeira cristal porcelana papel “

Por seu turno, o extraordinário poeta modernista brasileiro Jorge de Lima (1893-1953) trava, na clave da intertextualidade semiológica, no “Canto X”, de seu Inventário de Orfeu (1952), um diálogo poeticamente amoroso com o decadentista francês Stéphane Mallarmé (1842-1898), que buscava uma rosa que não estava em nenhum buquê, vale dizer, um referente a que signo algum reenvia : “Não a vaga palavra, corrutela/ vã, corrompida folha degradada, / de raiz deformada, abaixo dela,/ e de vermes, além, sobre a ramada; // mas, a que é a própria flor arrebatada/ pela fúria dos ventos; mas aquela/ cujo pólen procura a chama iriada/ - flor de fogo a queimar-se como vela:// mas aquela dos sopros afligida,/ mas ardente, mas lava, mas inferno,/ mas céu, mas sempre extremos. Esta sim,// está é que é a flor das flores mais ardida,/ esta veio do início para o eterno,/ para a árvore da vida que há em mim”. Nesse belo soneto, a cascata da adversativa “mas” produz a semiose do signo que não alcança a coisa; mas é preciso ler os significantes que levam a uma frondosa e fecunda árvore. Se, segundo o filósofo francês Merleau-Ponty (1908-1961), a gênese do sentido jamais se conclui, a semiologia ajuda a quebrar-se o espartilho da linguagem, que é, saussureanamente falando, um sistema de signos. Este poema do imenso poeta português Eugénio de Andrade celebra, lindamente, a força e a fraqueza das palavras, que são signos de nossa sina, quer sejamos ou não literatos, pois somos todos leitores e fazedores de signos, sobretudo de signos lingüísticos: “São, como um cristal, /as palavras./ Algumas, um punhal,/ um incêndio. / Outras,/ orvalho apenas”.

“A Literatura ensina-se?”, pergunta-nos, e a si mesmo, o Professor Carlos Ceia. Creio que a investigação do signo seja um horizonte seminal para se ensinar e aprender a Literatura, metáfora e metonímia de toda linguagem, a fortiori da linguagem da arte. Se, citando-se Saussure, todo signo é arbitrário, “todo o texto literário sujeito a uma leitura crítica é suposto ser anónimo. Este adjectivo denota também aquilo que é obscuro, o que serve também objecto da textualidade. Se partirmos do pressuposto de anonimato do texto, devemos começar por nos consciencializar de que o objecto que temos perante nós possui os seus segredos, o seu mistério próprio que nos cabe não menos desvelar como continuar”, responde o professor da Universidade Nova de Lisboa. Desde sua etimologia, signo é senha, sina, sino, sinal, desenho, desígnio. Intersemioticidade; SEMIOLOGIA; Semiose; Semiótica

BIB: Fernando Pessoa, Obra poética (1983), p. 3. Umberto Eco. Conceito de texto (1984), p. 4, p. 6-7. Roland Barthes, Elementos de semiologia (1964), p. 39. Charles S. Peirce, Semiótica (2000), p. 74. Ferdinand de Saussure, Cours de linguistique générale 19830, P. 98, 99. Carlos Ceia, A Literatura ensina-se? Estudos de Teoria Literária (1999), p. 76. Décio Pignatari, Informação. Linguagem. Comunicação (1977), p. 25.

Latuf Isaias Mucci

O QUE É POESIA: Considerações sobre o fazer poético

segunda-feira, 8 de março de 2010

Afinal, o que é poesia?
Disponho-me neste curto estudo, a tentar explicar o fenômeno poético - e consequentemente literário como um todo - buscando justamente elucidar essa dúvida tão comum a tantos estudantes e ao público em geral.
Há quase que um consenso geral de que poesia é a expressão de sentimentos por meio de versos e/ou rimas, todavia, cremos que essa é uma opinião equivocada. A simples disposição de palavras em versos (sejam eles livres ou não, rimados ou não), por si só, não garante a existência de um texto poético.
Caso essa opinião fosse verdadeira,
Escrever este texto em versos
Já garantiria a existência
De poesia.
Cremos que não foi isso o que aconteceu. Do mesmo modo, organizar um punhado de palavras que expressem algum sentimento, mesmo que ele seja verdadeiro, não é fazer poesia. E então, como fica nossa pergunta inicial após esse comentário? Cremos que o melhor modo de respondê-la é começar mostrando o que há de verdade no conceito de poesia apresentado pelo público em geral; ao definir a poesia como "expressão de sentimentos", um leigo não estaria de todo errado. O texto poético é a expressão de uma subjetividade, é a concretização física e artística da visão de mundo de seu autor.
É necessário, no entanto, colocar-se nesse momento a outra característica da poesia (que podemos dizer que é a mais importante para caracterizá-la); o trabalho com a palavra. A literatura, de um modo geral, é a arte da palavra, é a expressão do homem por meio de uma de suas ferramentas mais importantes; o sistema lingüístico. Assim, enquanto um escultor utiliza-se da de suas ferramentas para lapidar a matéria bruta e o músico precisa afinar o instrumento para poder produzir uma melodia agradável, o escritor precisa trabalhar também as palavras, para que esteja produzindo arte. A poesia, entretanto, requer um cuidado maior no momento de sua produção; a linguagem poética tende a ser mais metaforizada, mas ritmada, mais sujeita a peripécias estruturais que a linguagem em prosa (conto, crônica, romance, etc.). Se fossemos recorrer ao conceito de "literariedade" que o Formalismo Russo desenvolveu veríamos que há uma diferença entre os graus de literariedade da "prosa" e do "verso".
Entendendo a literariedade como as características formais que fazem com que um texto seja entendido como literário, em detrimento dos demais textos produzidos cotidianamente com outros fins, podemos perceber desde o início que, realmente, um texto literário produzido de forma correta, é bem distinto dos demais. Além disso, comparando um conto e uma poesia, ou até mesmo textos do mesmo gênero, porém de autores diferentes, poderemos ver que a literariedade (ou seja, aspectos formais próprios do texto literário - para reduzir bem a complexidade do termo) nos é útil também para diferenciar uma seqüência meramente narrativa, de uma seqüência poética (mesmo que esta narrativa esteja posta em versos). Não cabe aqui discutirmos se os postulados dos formalistas russos são pertinentes hoje em dia ou não, apenas nos valemos deste conceito para auxiliar no entendimento dos elementos diferenciadores da poesia/literatura e demais textos.
Ora, se a literariedade é o que define a literatura, como será que ela se expressa na poesia? Responderemos esta pergunta partindo da análise de textos. Vejamos

"As rodas rangem na curva dos trilhos
Inexoravelmente" (O Martelo, Manuel Bandeira)

Nestes versos iniciais do poema, Bandeira parece querer trazer o "ranger" das rodas do trem para junto do leitor. Fica nítido na repetição de fricativas e vibrantes, o desejo de levar sonoridade ao texto: "as Rodas RanGem na cuRVa dos TRilhos ineXoRaVelmente". Isso provoca um efeito sonoro espetacular, prendendo as atenções do leitor no texto, mas também o levando para o texto.

"Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente,
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer." (Soneto, Luís de Camões)

Neste texto, vemos logo de cara, elementos únicos da poesia, como versos metrificados; versos decassílabos com acentuação na 6ª e na 10ª silabas (Versos heróicos), rima (abba), presença da antítese (contentamento X descontente), etc.
É lógico que qualquer pessoa conseguiria descrever um ranger de trilhos ou os paradoxos que afligem o coração de quem ama, porém, só quando essas idéias são expressas de um modo trabalhado, envolto em determinados princípios norteadores, sob um mínimo de planejamento, reflexão e conhecimento teórico que seja e, o mais importante, por um conhecedor do gênero que está produzindo, somente assim, teremos poesia.
Acerca disso, faz-se necessário apresentarmos um trecho de um poema de Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros, onde, depois de dizer sobre o que a poesia não deve falar (acontecimentos, mortes, aniversários, incidentes pessoais, sentimentos, cidades, ou seja, quase tudo), apresenta o que deve fazer o poeta: "Penetra surdamente no reino das palavras. / Lá estão os poemas que esperam ser escritos. / Estão paralisados, mas não há desespero, / Há calma e frescura na superfície intata. / Ei-los sós e mudos em estado de dicionário. / Convive com teus poemas antes de escrevê-los. (...)" (Procura da Poesia). Lógico que Drummond não pretende nestes versos, apresentar fórmulas nem receitas que inspirem um bom fazer poético, pois desse modo estaria se contradizendo, uma vez que a maioria desses assuntos está presente em seus textos. Ao contrário, o poeta apenas aconselha que não é no calor dos sentimentos que se deve produzir poesia, em súbito, pois desse modo têm-se apenas desabafo, catarse. Não se deve tentar poetizar acerca de um acontecimento somente porque nos chamou atenção ou nos mobilizou, emocionou; o fazer poético requer um trabalho com o texto, um tempo para amadurecer as idéias, pensar num modo correto de as exprimir. "Penetrar surdamente no reino das palavras", para o poeta, significa produzir um texto apenas quando já se conhece os caminhos a seguir, quando se está maduro o suficiente para livrar-se do imediatismo ou sentimentos exagerados que prejudiquem o texto. É não escolher um tema para fazer poesia, mas escolher o modo correto para exteriorizar os anseios do seu "eu".
Enfim, cremos ter ficado claro que o objetivo deste texto é mostrar que o simples desabafo por meio de versos muitas vezes é bonito e necessário, todavia, não deve ser, por isso, chamado de poesia. O texto literário de um modo geral e, mais especificamente a poesia, obedecem a "regras", ou melhor dizendo, satisfazem necessidades formais e conteudísticas necessárias à realização de seus objetivos.
Concordamos inteiramente com Aristóteles quando este afirma que mesmo que Empédocles (filósofo grego contemporâneo seu) escrevesse um tratado de medicina em versos, não estaria fazendo poesia. Ainda segundo Aristóteles, o que difere este filósofo do poeta Homero não é a forma com que escrevem seus textos, mas sim a união desta com outros elementos, tais como rima, metro, etc. Logo, escrever em versos não é poesia, poesia é trabalho, reflexão, organização, teorização, reescritura, ou seja, um longo processo artístico.

Leia também "O QUE É POESIA: do conteúdo", "O QUE É POESIA: um pouco de crítica", "O QUE É POESIA: desfazendo mitos" e "O QUE É CRITICA LITERÁRIA"

Weslley Barbosa
Publicado no Recanto das Letras em 14/03/2008
Código do texto: T901296

Ação

sábado, 6 de março de 2010

Uma das principais categorias do texto narrativo e do texto dramático, a acção indica um acontecimento dinâmico realizado por uma ou mais personagens. Inclui tudo que faz, o que diz e/ou o que verdadeiramente sucede a uma personagem, permitindo identificar este dinamismo numa sequência de acontecimentos, não necessariamente ordenados no tempo e no espaço. A acção narrativa tanto pode corresponder a um único acontecimento (por exemplo, o episódio de Santa Olávia, capítulo III de Os Maias, de Eça de Queirós, que nos apresenta a educação de Carlos da Maia por contraste com a educação de Eusebiozinho), como a um conjunto de acontecimentos (a história da decadência da família Maia, no mesmo romance). Porque os acontecimentos não têm todos a mesma dimensão e importância numa obra, costumamos distinguir acções secundárias (do tipo descrito em primeiro lugar), que se desenvolvem em torno da matéria central da obra de ficção e são, em regra, dispensáveis à consecusão do principal objectivo ficcional; e uma acção principal (a descrita em segundo lugar), que corresponde aos momentos fulcrais da história narrada, e cujos elementos constitutivos não são dispensáveis, sob pena de o fio narrativo perder a sua lógica interna.

O conceito de acção não se limita ao texto narrativo e ao texto dramático, onde está codificado desde o tratado de Aristóteles sobre a tragédia grega. De notar que qualquer texto que envolva uma matriz narrativa, como o texto épico, por exemplo, pode ser dividido em acções. O texto de ficção usa de maior liberdade na construção das acções do que o texto dramático. Se vários tratadistas clássicos consideram que um texto dramático pode ter até cinco acções secundárias dentro da matéria principal, Aristóteles, na sua Poética, apenas considera que as partes da acção (pragmata ou actus) devem ser apenas três: introdução ou pré-história que informa o espectador sobre os antecedentes da matéria representada; parte mediana ou história propriamente dita, onde se representa uma acção dinâmica complexa; fim ou conclusão da história representada, que implica a recuperação da harmonia inicial ou o refreamento da acção dramática. Entre as partes principias da acção dramática, podem ocorrer episódios, que apenas devem ser introduzidos segundo um criterio de necessidade. No texto da tragedia, podemos reconhecer várias estratégias para controlar o desenolvimento da acção, o que se testemunha através de peripécias (mudanda brusca dos acontecimentos) ou da anagnórise (ou reconhecimento de um facto decisivo que causa mudança brusca e radical no desenvolvimento da acção e no destino das personagens). Das três unidades constitutivas do texto dramático (acção, lugar e tempo), considera-se, desde esta visão classicista, que a unidade de acção é a mais importante.

No texto de ficção, estas regras são totalmente desrespeitadas. Não há tratados sobre a boa construção das acções de um texto narrativo e um escritor não está obrigado a obedecer ao mesmo padrão em todas as suas criações narrativas e ficcionais. A partir do romance modernista, no início do século XX, as técnicas têm variado tanto que podem ir da tendência para a sobreposição das acções até à anulação de qualquer movimento dinâmico no interior de um texto de ficção. Podemos encontrar um romance complexo como Ulysses, de James Joyce, onde fica evidente a dissimulação do fio da história narrada, os constantes recuos e avanços na acção e a inclusão de episódios estranhos a essa acção, rompendo com todos os cânones respeitados no século XIX por altura do domínio do romance realista; como podemos encontrar um anti-romance de Rayner Heppenstall, Connecting Door (1962), que é uma descrição passiva de edifícios, ruas e notações musicais, abolindo qualquer acção e negando ao próprio narrador uma identidade própria.



CONTO; EPOPEIA; EPISÓDIO; INTERACÇÃO; INTRIGA; NARRATIVA; novela; ROMANCE; TEATRO



Carlos Ceia

A Retórica

sexta-feira, 5 de março de 2010

Ethos – é o tipo de prova centrado no carácter/ética do orador que deve ser virtuoso e credível para conseguir a confiança do seu auditório.

Pathos – tipo de prova centrado no auditório emocionalmente pressionado e seduzido

Logos – tipo de prova centrado nos argumentos e discurso bem estruturado do ponto de vista lógico-argumentativo, para que a tese se imponha como verdadeira.

A retórica, a arte de convencer e persuadir, tem as suas origens na antiguidade clássica, devendo aos sofistas (professores itinerantes que se dedicavam ao ensino dos jovens cidadãos e dominavam a arte de persuadir pela palavra) a sua proliferação.

Eram dotados de habilidade linguística e de estilo eloquente e surpreendiam pela sua vasta sabedoria e pelos seus discursos expressivos. O seu ensino proporcionava aos cidadãos da Grécia antiga os meios e técnicas necessários à inserção e participação na vida política.

Desde muito cedo os sofistas se dão conta de que o uso da palavra, tendo em vista convencer e seduzir os ouvintes, é mais eficaz do que o conteúdo do próprio discurso. Por outro lado, a sua vida itinerante e o contacto com diferentes culturas faziam-nos acredita e defender que a verdade dos discursos é a verdade que serve ao homem, uma verdade relativa. Ao afirmar o relativismo da verdade, é inaugurada uma longa batalha contra Sócrates e Platão, que achavam que a argumentação só podia servir a busca da verdade (única, absoluta e universal capaz de dizer uma realidade absoluta, perfeita e imutável), para praticar o bem (enalteceram o pathos). Pretendem inviabilizar a prática de uma retórica baseada em opiniões e meras aparências. Assim, sofista passa a estar associado ao falso saber, aquele que detém uma sabedoria aparente, que faz uso do raciocínio falacioso.

Mas ao distinguir os domínios da retórica, da moral e da verdade, Aristóteles, pode libertar a retórica da má reputação que a ligava à sofística. Com efeito, pode-se fazer um bom ou mau uso da retórica, não é ela que é imoral, mas quem a utiliza. (Aristoteles, apercebeu-se de todas, mas destacou o papel do logos)

Na concepção clássica:

- o ser identifica-se com tudo o que existe e é independente do modo como o dizemos/ conhecemos

- a verdade é unívoca e corresponde ao conhecimento absoluto do ser (ou realidade

Será apenas no séc.XX que assistiremos à completa reabilitação da retórica e da sua relação com a filosofia. A nova retórica, proposta por filósofos como Chaim Perelman, encontra na argumentação o fundamento de uma nova racionalidade, isto é, passa a considerar-se a sua importância no pensamento e para o conhecimento.

O filósofo Michel Meyer faz uma leitura da história da retórica que é particularmente interessante: é na relação dos conceitos ethos, pathos e logos que podemos encontrar a chave para a explicação dos diferentes momentos da retórica ao longo da sua história.

Na concepção contemporânea:

- o ser diz-se de diferentes maneiras (é plural) e só pode ser dito/conhecido por intermédio da linguagem

- a verdade não é unívoca nem absoluta, é plurívoca e renovável


FONTE: http://www.notapositiva.com/pt/trbestbs/filosofia/11retorica.htm

MODERNISMO

quinta-feira, 4 de março de 2010

O Modernismo teve início em meio à fortalecida economia do café e suas oligarquias rurais. A política do “café-com-leite” ditava o cenário econômico, ilustrado pelo eixo São Paulo - Minas Gerais. Contudo, a industrialização chegava ao Brasil em conseqüência da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e ocasionou o processo de urbanização e o surgimento da burguesia.



O número de imigrantes europeus crescia nas zonas rurais para o cultivo do café e nas zonas urbanas na mão-de-obra operária.
Nesta época, São Paulo passava por diversas greves feitas pelos movimentos operários de fundamentação anarquista.



Com a Revolução Russa, em 1917, o partido comunista foi fundado e as influências do anarquismo na sociedade ficavam cada vez menos visíveis. A sociedade paulistana estava bastante diversificada, formada por “barões do café”, comerciantes, anarquistas, comunistas, burgueses e nordestinos refugiados na capital.



O Modernismo tem seu marco inicial com a realização da Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. O grupo de artistas formado por pintores, músicos e escritores pretendia trazer as influências das vanguardas européias à cultura brasileira. Estas correntes européias expunham na literatura as reflexões dos artistas sobre a realidade social e política vivida. Por este motivo, o movimento artístico “Semana de Arte Moderna” quis trazer a reflexão sobre a realidade brasileira sócio-política do início do século XX.



Por Sabrina Vilarinho
Graduada em Letras
Equipe Brasil Escola

Cantigas de Amigo

quarta-feira, 3 de março de 2010

Fragmento de canções do rei D. Dinis, descoberto pelo Prof. Harvey L. Sharrer. IAN/Torre do Tombo.

Constituem a variedade mais importante e original da nossa produção lírica da Idade Média, estas composições que se enquadram na poesia trovadoresca, mas que incluem a particularidade de conferirem estatuto de enunciação à mulher, embora sejam sujeitos masculinos a compô-las.



Um tipo peculiar de cantigas de amigo é o das paralelísticas, que aliam uma simplicidade de motivos e recursos semânticos ao elaborado arranjo da sua expressão, através de um esquema de repetitividade que enriquece o sentido pelo tom de litania e sugestão encantatória, muitas vezes magoada, perplexa ou interrogativa, que cria. Típicas da poesia galaico-portuguesa, encontram-se também nas cantigas de amor e noutras variedades poéticas medievais, persistindo até muito tarde na literatura medieval. O rei D. Dinis é um dos seus mais famosos cultores:

Ai flores, ai flores do verde pinho
se sabedes novas do meu amigo,
ai deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado,
ai deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquele que mentiu do que pôs comigo,
ai deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquele que mentiu do que me há jurado
ai deus, e u é?

(...)

D. Dinis


João Zorro, poeta do mar como Martim Codax, é autor de uma barcarola célebre, em composição também paralelística:

Em Lixboa sobre lo mar
barcas novas mandei lavrar,
ay mia senhor velida!

Em Lisboa sobre lo lez
barcas novas mandei fazer,
ay mia senhor velida!

Barcas novas mandei lavrar
e no mar as mandei deitar,
ay mia senhor velida!

Barcas novas mandei fazer
e no mar as mandei meter,
ay mia senhor velida!

João Zorro

© Instituto Camões, 2001

O Fenômeno Literário e as Manifestações de Literariedade

terça-feira, 2 de março de 2010

“O enigma é falar coisas certas reunindo termos absurdos”
Aristóteles in A Poética.

1- A borboleta: uma analogia com o fenômeno literário

Em símile ao ciclo de vida de uma borboleta, situa-se o fenômeno literário. No inicio a palavra é automatizada, conduz ao senso comum - é uma lagarta-, contudo algo se interrompe, a metamorfose ocorre: ela fica por algum tempo dentro de um casulo- os procedimentos artísticos – para ganhar vôo e beleza de uma borboleta. Após isso, a palavra literária ganha a forma, movimento e condensa dentro de si inúmeros significados; faz vôos estranhos e singulares cuja compreensão prolonga-se a cada olhar. Como uma borboleta que não se deixa pegar facilmente; necessita-se de uma leitura atenta à palavra literária- à forma do vôo, a fim de apreendê-la.

É lícito dizer que a forma do vôo varia de um movimento rítmico circular, mais metafórico - a poesia- a um movimento mais voltado à seqüência, metonímico - a prosa. Esta em linhas contínuas, um novelo que vai se abrindo aos poucos; aquela em linhas descontínuas, um novelo que segue e volta para o mesmo ponto inicial.

No entanto, essa borboleta- a palavra literária- pode manifestar-se dessas duas formas em liame, de maneira a propiciar um desequilíbrio entre suas fronteiras; cita-se, a exemplo, a prosa poética de Guimarães Rosa em “o burrinho Pedrês”. Perceba a sonoridade bem à moda de poesia, as aliterações (b e v) e rimas produzem esse efeito.

“Um boi preto, um boi pintado,

cada um tem sua cor,

Cada coração um jeito

De mostrar o seu amor”.

Boi bem bravo, bate baixo, bota baba, boi berrando... Dança doido, dá de duro, da de dentro, dá direito... Vai, vem, volta, vem na vara, vai não volta, vai varando...

GUIMARÃES ROSA, João. Sagarana.15. ed. Rio de janeiro: J. Olympio, 1972.

E, da mesma forma a poesia com a prosa. Observe o poema a seguir de Manuel Bandeira cuja tessitura dá uma idéia de seqüência.

Poema tirado de uma Noticia de Jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro

[da Babilônia num barracão sem número.

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu

Cantou

Dançou

Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.



Manuel Bandeira in Libertinagem

1.1 A Manifestação de literariedade e sua visibilidade em o Áporo

“Penetra surdamente no reino das palavras

Lá estão os poemas que esperam ser escritos”.

Carlos Drummond de Andrade

O fenômeno literário engendra-se de maneira peculiar, possui características específicas às quais se dá o nome de literariedade: termo, provindo do formalismo, pelo qual se distingue a linguagem literária da linguagem referencial. Em concernência a essa idéia, Aristóteles, em a Poética, já notava algo impar na Poesia- o nome que denominava qualquer espécie de obra literária para os gregos-, dizia que clara e vulgar era a linguagem formada pelas palavras correntes e, nobre e elevada, a linguagem que empregava termos raros: os metafóricos e alongados e todos os que fogem aos de uso corrente.

Deduz-se, assim, que tanto a poesia como a prosa estruturam-se concernente a suas próprias leis, não precisam necessariamente estarem ligadas ao mundo referencial. E, indubitavelmente, elas não o imitam perfeitamente, mas sim o desconstrói para que emanem as dúvidas das ações dos homens; se assim o faz, é com fim de trazê-lo com suas nuanças elementares, através de um enigma formal; na poética de Aristóteles, isso aparece explícito quando ele fala: “O enigma é falar coisas certas reunindo termos absurdos”. Disso posto, pode vincular-se o conceito de mimese, a imitação não dos homens, mas sim de suas ações. Por isso, um isento como em A Metamorfose de Franz Kafka, por meio de aparência absurda, não representa um homem, contudo traços, ações humanas. O absurdo traz, recupera a realidade em sua profundidade.

Partindo desse pressuposto, considera-se um princípio errôneo querer que a linguagem literária se comporte como a linguagem comum; os procedimentos que a arquitetam são de natureza distinta, manifestam-se por outro ângulo: o da forma. O que importa não é o que dito, mas de que forma é dito; o conteúdo entrelaça-se à expressão. Por essa via, entende-se que um áporo não teria o mesmo valor como aparece no poema de Drummond; a forma o torna o Áporo , ou seja, a literariedade o singulariza. Nesse sentido, o poema tem um corpus autônomo, o qual se deve analisar, imanentemente, tendo em vista sempre os seus aspectos intrínsecos. Conforme os formalistas Jakobson e Eichembaum, o importante é o estudo do objeto literário, isto é, a obra e seus procedimentos artísticos . Entende-se, assim, que não interessa recorrer diretamente à biografia do autor e pontos da realidade para compreender o fenômeno literário. Análoga a essa afirmação encontra-se a idéia de Aristóteles em A poética , “a diferença é que na poesia tais efeitos devem decorrer unicamente da ação, sem expressar-se formalmente”. Note-se a importância dada a ação cujo significado é sinônimo de procedimento,



ÁPORO



Um inseto cava

Cava sem alarme

Perfurando a terra

Sem achar escape.



Que fazer, exausto,

Em país bloqueado,

Enlace de noite

Raiz e minério?



Eis que o labirinto

(oh razão, mistério)

presto se desata:



em verde, sozinha,

antieuclidiana,

uma orquídea forma-se.





Carlos Drummond de Andrade



Ao ler o poema, vem à baila o estranhamento- a percepção prolonga-se na linguagem, um efeito distinto o promove, corta os laços com a linguagem prosaica. A sensação apriori é de espanto, o código lingüístico de seqüência é quebrado, desaparece a lógica do senso comum: a imagem do Áporo estranha pelo fato de dizer o comum por uma outra forma. Por esse estranhamento se distancia a realidade; mas a recria sob outro prisma de tal modo a trazer à tona uma sensação de novidade. Como diz Pound, a literatura é novidade que permanece novidade, conclui-se que nunca é mesma percepção.

Destarte, esse processo em conluio com a ambigüidade- a qual contorna a tessitura do poema, pois se erige em torno de um significante (áporo) mais de um significado-, articulam uma desautomatização do olhar. À literatura significar-se mais, com o mínimo de palavras, é algo que lhe é típico; segundo Ezra Pound, é a linguagem carregada de significado até o máximo grau possível.

À luz da função poética de Jakobson, a qual torna proeminente a mensagem, tem-se de fato a metáfora sobre a metonímia. A escolha das palavras prevalece, o eixo de combinação segue em segundo plano; a relação se faz por analogia das imagens que sugerem a luta do inseto-homem para sair do labirinto, faz com que a adversidade, o obstáculo, se transformem em verde esperança e, como por mistério, o inseto se faz orquídea. Dessa forma, vale-se a imagem por sua capacidade de transmitir uma idéia: não aparece no texto literário apenas de forma pictórica, integra-se, fundamentalmente, ao sentido; contribui para uma nova percepção da realidade ao ponto que se distancia dela.

Quanto à manifestação da literariedade na forma, o áporo situa-se no âmbito da poesia, manifesta-se em versos, a sonoridade e o ritmo a diferenciam da prosa; não possui uma seqüência, volta-se para si mesmo, é um signo-de (termo de Décio Pignatari) que se encadeia pela similaridade.

Todavia, emana outra manifestação de literariedade do poema, a qual se concatena com o conteúdo e a forma de dizer: o lírico. Diz-se, assim, tratar-se de um poema lírico, e o é pela forma de orientar-se para um “eu”: para um visão particular do mundo. Os pontos que o evidenciam encontram-se nas interrogações(segunda estrofe) e nas exclamações (oh razão, mistério) das quais sobrevém uma emoção de um “eu”. Por tratar-se de uma poesia a função poética é a dominante no poema, mas outra função vem à baila na forma de dizer, a função emotiva: ela vale-se da subjetividade, das emoções do eu lírico.

2- Outras Manifestações de Literariedade: O lírico, o épico e o Dramático.

À perspectiva de Aristóteles, as manifestações literárias distinguem-se pelo método de imitar. Daí surgiram as nomenclaturas Épico, Lírico e Dramático. O Épico é modo pelo qual se imita os objetos narrando-os; o lírico é a imitação quando se assume a primeira pessoa e o Dramático é quando as personagens agem por elas mesmas

· O Lírico

O Lírico valoriza a subjetividade, “o eu”: configura-se com marcas lingüísticas e sinais envolvidos pela função emotiva. O conteúdo do lírico é, pois, a maneira pela qual a alma, com seus juízos subjetivos, alegrias e admirações, dores e sensações, toma consciência de si mesma no âmago deste conteúdo. Veja o exemplo o poema o Sentimento do mundo de Drummond no qual perpassa toda uma subjetividade; ”o eu” explicita-se pela primeira pessoa de modo que as marcas lingüísticas ( em negrito) sempre se referem ao interior do eu lírico.

Tenho apenas duas mãos

E o sentimento do mundo,

Mas estou cheio de escravos,

Minhas lembranças escorrem

E o corpo transige

Na confluência do amor.

Entretanto, percebe-se, atualmente, que as marcas lingüísticas não precisam aparecer explicitamente marcadas, como no poema acima, para ele ser lírico. Outros meios estão à mercê do lírico perceba-os no poema a seguir.

O mundo inimigo

O cavalo mecânico arrebata o manequim pensativo

Que invade a sombra das casas no espaço elástico.

Ao sinal do sonho a vida move direitinho as estátuas

Que retomam seu lugar na série do planeta.

Os homens largam ação na paisagem elementar

E invocam os pesadelos de mármore na beira do infinito.

Os fantasmas vibram mensagens de outra luz nos olhos,

Expulsam o sol do espaço e se instalam no mundo.

Observa-se a face do lírico não pelos pronomes como no poema anterior, mas pela presença do adjetivo “direitinho” e “elástico” que engendra toda uma subjetividade: a visão do particular do eu lírico diante do mundo inimigo fantástico; ele o descreve sob sua ótica; erige um tom pessoal no poema.

· O épico

Destoando do lírico no que tange à subjetividade, o épico volta-se ao “não eu”, quebra os laços da emoção e segue o plano exterior. Desse modo a poesia épica, segundo Jakobson, centra-se na terceira pessoa, põe intensamente em destaque a função referencial da linguagem, pelo fato de procurar narrar um não “eu”.

Nasceu na antiga Grécia com as epopéias Ilíada e Odisséia de Homero, perdurou no Império Romano com a epopéia Eneida de Virgilio, no final da Idade Média ganhou força com as novelas de Cavalaria, passou por Camões com os Os Lusíadas e no século XVIII derivou-se no romance, sua forma atual e de maior circulação.

A narrativa é o ponto primordial do épico, prioriza o objeto, mesmo que o objeto seja às vezes a vida do próprio narrador. No plano da narrativa tudo vira um “ele”, pense no romance Memórias Póstumas de Braz Cubas, no qual o autor defunto conta sua história; ao narrar se despe de toda subjetividade; sua vida torna-se um objeto ( um ele) no plano da narrativa.

· O Dramático

Em concernência a etimologia, drama significa “ação”. Nessa manifestação de literariedade, os personagens se apresentam por si, não há narrador e as ações vão se desenvolvendo pela própria apresentação, pois estes textos, em poesia ou prosa, são feitos para serem encenados.

As formas clássicas são a Tragédia- representação de um fato trágico, apto por trazer à tona compaixão e terror- e a Comédia, a representação de um fato inspirado na vida e no sentimento comum, de riso fácil, em geral criticando costumes.

Últimas palavras: a forma é o diferencial

De tudo exposto, fica evidente que o fenômeno literário se materializa de diversas formas. Contudo forma significa um dizer particular, por isso a literatura é o manifestar-se em uma forma singular, estranha e com procedimentos que lhe são particulares. Ler poesia é sentir o ritmo, a sonoridade e perceber a imagem de maneira a torná-las um pensamento integrado e analógico. Em símile na prosa, o leitor tem perceber a integração da forma: o enredo, os personagens e a perspectiva de narrar, para que, de fato, compreenda o fenômeno literário. A forma é o diferencial.

Bibliografia:

ARISTÓTELES(s/d) “Arte Poética” em Arte Retórica e Arte Poética, Rio de Janeiro: Ediouro.

JAKOBSON, Roman (1975) “Lingüística e Poética” em Lingüística e Comunicação. São Paulo: Cultrix.

VÁRIOS. (1976) Teoria da Literatura – Formalistas Russos. Porto Alegre: Globo.

História da Literatura

segunda-feira, 1 de março de 2010

Séculos VIII a.C. a II a.C.

As primeiras obras da História que se tem informação são os dois poemas atribuídos a Homero : Ilíada e Odisséia. Os dois poemas narram as aventuras do herói Ulisses e a Guerra de Tróia. Na Grécia Antiga os principais poetas foram: Píndaro, Safo e Anacreonte. Esopo fica conhecido por suas fábulas e Heródoto, o primeiro historiador, por ter escrito a história da Grécia em seu tempo e dos países que visitou, entre eles o Egito Antigo.

Séculos I a.C. a II d.C. : A literatura na História de Roma Antiga

Vários estilos que se praticam até hoje, como a sátira, são originários da civilização romana. Entre os escritores romanos do século I a.C. podemos destacar: Lucrécio (A Natureza das Coisas); Catulo e Cícero. Na época de 44 a.C. a 18 d.C., durante o império de Augusto, corresponde uma intensa produção tanto em poesia lírica, com Horácio e Ovídio, quanto em poesia épica, com Virgílio autor de Eneida. A partir do ano 18, tem início o declínio da História do Império Romano, com as invasões germânicas. Neste período destacam-se os poetas Sêneca, Petrônio e Apuleio.

Séculos III a X

Após a invasão dos bárbaros germânicos, a Europa se isola, forma-se o feudalismo e a Igreja Católica começa a controlar a produção cultural. A língua (latim) e a civilização latina são preservadas pelos monges nos mosteiros.A partir do século X começam a surgir poemas, principalmente narrando guerras e fatos de heroísmo.

Século XI : As Canções de Gesta e as Lendas Arturianas

É a época das Canções de Gesta, narrativas anônimas, de tradição oral, que contam aventuras de guerra vividas nos séculos VIII e IX , o período do Império Carolíngio. A mais conhecida é a Chanson de Roland ( Canção de Rolando ) surgida em 1100. Quanto à prosa desenvolvida na Idade Média, destacam-se as novelas de cavalaria, como as que contam as aventuras em busca do Santo Graal (Cálice Sagrado) e as lendas do rei Artur e dos Cavaleiros da Távola Redonda.

Séculos XII a XIV : O trovadorismo e as cantigas de escárnio e maldizer

É o período histórico do trovadorismo e das poesias líricas palacianas. O amor impossível e platônico transforma o trovador num vassalo da mulher amada, exemplo do amor cortês. Neste período, também foi comum o poema satírico, representado pelas cantigas de escárnio (crítica indireta) e de maldizer (crítica direta).

Séculos XIV a XV : Humanismo

O homem passa a ser mais valorizado com o início do humanismo renascentista. A literatura mantém características religiosas, mas nela já se podem ver características que serão desenvolvidas no Renascimento, como a retomada de ideais da cultura greco-romana. Na Itália, podemos destacar: Dante Alighieri autor da Divina Comédia, Giovanni Bocaccio e Francesco Petrarca. Em Portugal, destaca-se o teatro do poeta de Gil Vicente autor de A Farsa de Inês Pereira.

Século XVI : O classicismo na História

O classicismo tem como elemento principal o resgate de formas e valores da cultura clássica, ou seja greco-romana. O mais importante poeta deste período histórico foi Luís de Camões que escreveu Os Lusíadas, narrando as aventuras marítimas da época dos descobrimentos.

Destacam-se também os franceses François Rabelais e Michel de Montaigne. Na Inglaterra, o poeta de maior sucesso foi William Shakespeare se destaca na poesia lírica e no teatro. Na Espanha, Miguel de Cervantes faz uma sátira bem humorada das novelas de cavalaria e cria o personagem Dom Quixote e seu escudeiro, Sancho Pança, na famosa obra Dom Quixote de La Mancha.

Século XVII

As idéias da Contra-Reforma marcaram profundamente esta época, principalmente nos países de tradição católica mais forte como, por exemplo, Espanha, Itália e Portugal. Na França, a oratória sacra é representada por Jacques Bossuet que defendia a origem divina dos reis. Na Espanha, destacam-se os poetas Luís de Gôngora e Francisco de Quevedo. Na Inglaterra, marca significativamente a poesia de John Donne e John Milton autor de O Paraíso Perdido.

Século XVIII: O Neoclassismo

Época da valorização da razão e da ciência para se chegar ao conhecimento humano. Os filósofos iluministas fizeram duras críticas ao absolutismo. Na França, podemos citar os filósofos Montesquieu, Voltaire, Denis Diderot e D'Alembert, os organizadores da Enciclopédia, e Jean-Jacques Rousseau . Na Inglaterra, os poetas Alexander Pope, John Dryden, William Blake. Na prosa pode-se observar o pleno crescimento do romance.
Obras e autores deste período da História: Daniel Defoe autor de Robinson Crusoe; Jonathan Swift (As Viagens de Gulliver ); Samuel Richardson ( Pamela ); Henry Fielding ( Tom Jones ); Laurence Sterne ( Tristram Shandy ). Nessa época, os contos de As Mil e Uma Noites aparecem na Europa em suas primeiras traduções.

Século XIX (primeira metade): O Romantismo

No Romantismo há uma valorização da liberdade de criação. A fantasia e o sentimento são muito valorizados, o que permite o surgimento de obras de grande subjetivismo. Há também valorização dos aspectos ligados ao nacionalismo.
Poetas principais desta época: Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Giacomo Leopardi, James Fenimore Cooper, Edgard Allan Poe.

Século XIX (segunda metade): O Realismo

Movimento que mostra de forma crítica a realidade do mundo capitalista e suas contradições. O ser humano é retratado em suas qualidades e defeitos, muitas vezes vitimas de um sistema difícil de vencer.

Principais representantes: Gustave Flaubert autor de Madame Bovary, Charles Dickens (Oliver Twist ), Charlotte Brontë (Jane Eyre), Emily Brontë (O Morro dos Ventos Uivantes), Fiodor Dostoievski, Leon Tolstoi, Eça de Queiroz, Cesário Verde, Antero de Quental e Émile Zola, Eugênio de Castro, Camilo Pessanha, Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire.

Décadas de 1910 a 1930: fugindo do tradicional

Os escritores deste momento da História vão negar e evitar as tipos formais e tradicionais. É uma época de revolução e busca de novos caminhos e novos formatos literários.
Principais escritores deste período: Ernest Hemingway, Gertrude Stein, William Faulkner. S. Eliot, Virginia Woolf , James Joyce, Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Cesar Vallejo, Pablo Neruda, Franz Kafka, Marcel Proust, Vladimir Maiakovski.

Década 1940: a fase pessimista

O pessimismo e o medo gerados pela Segunda Guerra Mundial vai influenciar este período. O existencialismo de Jean-Paul Sartre , Simone de Beauvoir e Albert Camus vão influenciar os autores desta época. Na Inglaterra, George Orwell faz uma amarga e triste profecia do futuro na obra 1984.

Década de 1950: crítica ao consumismo

As obras desta época da História criticam os valores tradicionais e o consumismo exagerado imposto pelo capitalismo, principalmente norte-americano. O poeta Allen Ginsberg e o romancista Jack Kerouac são seus principais representantes. Henry Miller choca a crítica com sua apologia da liberdade sexual na obra Sexus, Plexus, Nexus. Na Rússia, Vladimir Nabokov faz sucesso com o romance Lolita.

Décadas de 1960 e 1970

Surge o realismo fantástico, como na ficção dos argentinos Jorge Luis Borges e Julio Cortázar . Na obra do colombiano Gabriel García Márquez , Cem Anos de Solidão, se misturam o realismo fantástico e o romance de caráter épico. São épicos também alguns dos livros da chilena Isabel Allende autora de A Casa do Espíritos. No Peru, Mario Vargas Llosa é o romancista que ganha prestígio internacional. No México destacam-se Juan Rulfo e Carlos Fuentes, no romance, e Octavio Paz, na poesia.

A literatura muda o foco do interesse pelas relações entre o homem e o mundo para uma crítica da natureza da própria ficção. Um dos mais importantes escritores a incorporar essa nova concepção é o italiano Ítalo Calvino.