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Os formalistas da literariedade

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

No início do século XX, um grupo de teóricos da literatura, mais tarde denominados formalistas russos (Cf. EIKHENBAUM, B. et alii. Teoria da Literatua. Porto Alegre: Globo, 1976) imaginou que seria possível constatar uma propriedade, presente nas obras literárias, que as caracterizaria como pertencentes à literatura. Para denominar esta propriedade, criaram o termo literaturnost, que foi traduzido para a língua portuguesa como literariedade. Mas será que esta propriedade existiria mesmo?

A resposta poderá ser decepcionante, para o leitor interessado apenas em opiniões definitivas e irrefutáveis, porque há argumentos tanto a favor de um sim quanto de um não.

A argumentação positiva sustentaria que existe a "literariedade", porque podemos verificar objetivamente a existência de propriedades ou características que, quando presentes em uma obra qualquer, permitem-nos não só classificá-la como literária, como também inscrevê-la em um estilo de época. A "literariedade" seria aquela propriedade, caracteristicamente "universal" do literário, que se manifestaria no "particular", em cada obra literária.

Contudo, é bom lembrar que, em vez de imaginar que a "literariedade" é um universal que se manifesta no particular, podemos também supor o contrário: a "literariedade" seria um particular que se pretende universal. Nesta perspectiva, "literariedade" seria um rótulo que receberiam os critérios socialmente estabelecidos para se considerar uma obra como pertencente à literatura. Assim, o pesquisador selecionaria, dentre todas as obras de natureza verbal, aquelas que possuíssem a tal "literariedade", para formar a lista das obras reconhecidas como literárias.

Por outro lado, a argumentação contra a existência de uma propriedade que possibilitasse a identificação de uma obra como literária afirma que o termo "literariedade" não teria um conteúdo permanente, mas variável. Em outras palavras, Roman Jakobson poderia ter-se equivocado, ao imaginar a "literariedade" como "aquilo que faz uma mensagem verbal uma obra de arte" (Ibidem, p. IX.), porque "aquilo" variaria de acordo com o momento. Poderia ser algo diferente, caso adotássemos o ponto de vista do Renascimento ou do Modernismo, por exemplo.

No entanto, se concebermos a "literariedade" como sujeita a mudanças, será que isto não significaria que não podemos mais determinar, com um certo grau de precisão, o que vem a ser literatura? Como então ficariam os estudos literários, se seu objeto não tem delimitação precisa?

Para começar, a própria mudança nos critérios e concepções sobre o que é literatura pode ser matéria de estudo para o estudioso da literatura. Quando se volta para o que o passado considerou literatura, ele confronta a sua perspectiva presente com as anteriores. Os modos de produção de sentido do presente interrogam os do passado, a formação social dele entra em contato com outra formação, às vezes profundamente diferente da sua. Mas, se podemos verificar, em diversos momentos, modificações nas concepções e critérios sobre o que é literatura, será que isto nos conduziria necessariamente a um ceticismo de tal ordem que passaríamos a duvidar da própria possibilidade de existência de um objeto de pesquisa, suficientemente delimitado? Não, pois a mudança não implica necessariamente caos ou anomia. Na verdade, em cada período histórico podemos observar uma certa ordem, a partir da qual se estabelecem, com maior ou menor rigidez, as fronteiras do literário.

LITERATURA

Bib.: Boris Eikhenbaum et alii. Teoria da Literatura (1976); José Luís Jobim: A poética do fundamento – ensaios de teoria e história da literatura (1996); Pavel Medvedev [M. Bakhtin]: The Formal Method in Literary Scholarship (1976); Frederic Jameson. The Prison-House of Language (1972)

José Luís Jobim

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