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Maneirismo

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Movimento estético europeu, que marca, a par do renascimento, um afastamento consciente dos modelos clássicos, e que decorre entre a segunda metade do século XVI e a primeira metade do século XVII, nascido primeiro em Florença e Roma e depois estendido a outros países europeus. O maneirismo (do italiano maniera, a maneira ou estilo de um artista) traduzia a marca estética de um artista. A maniera de pintar de Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci e Rafael tornara-se um paradigma para toda a pintura europeia. O termo também servia para designar um estilo de época e não apenas uma estética individual, como na expressão maniera greca. "O Juízo Final", fresco executado por Miguel Ângelo para a parede da Capela Sistina (1534-41), representou uma das primeiras pinturas no espírito da Contra-Reforma e anunciava já uma espiritualidade que fugia ao cânone clássico renascentista. Exigia-se agora renovar essa forma de pintar, imitando a maniera dos mestres anteriores, o que será tentado por génios como os italianos Carracci, Caravaggio e Tintoretto e o espanhol el Greco. É num momento de crise cultural que a Europa que a arte procura novas formas de expressão para além das convenções clássicas que o renascimento havia consagrado. A sensibilidade artística maneirista exigia uma maior liberdade de movimentos para que as tensões do espírito, as convições religiosas mais profundas e os sentimentos mais arrebatados pudessem também ser objecto de inspiração, num momento em que a Europa se encontrava dividida pelos efeitos da reforma luterana e em que o homem não mais se apresenta como a única grandeza a glorificar. O caminho escolhido foi o da estilização exagerada, ou uma forma de levar a maniera ao extremo da sua representação, abandonando as linhas harmoniosas impostas pelo estilo vigente, criando labirintos, espirais e proporções inesperadas. O regresso aos ângulos e aos alogamentos das figuras que distinguiram o estilo gótico é outra das marcas do maneirismo, como observou Georg Weise, que recusa a tradicional acepção de uma única tendência para o exagero das formas e afectação dos temas. A arquitectura privilegia agora a construção de igrejas amplas, de plano longitudinal, e descobrindo novas formas de distribuição da luz e da decoração. Na escultura, o maneirismo parte da maniera de Miguel Ângelo, para lhe acrescentar um novo conceito intelectual da arte pela arte e para permitir o distanciamento da realidade observada. O exagero no detalhes das composições maneiristas já anuncia aquilo que será a estética barroca, que se afirmará por volta de 1600, e remetendo o maneirismo à condição de estética decadente, cuja notoriedade só o século XX vai redescobrir.

Os estudiosos do maneirismo dividem-se entre os que o consideram um movimento de transição entre o renascimento e o barroco e os que preferem defini-lo como um movimento autónomo, com regras próprias. Na literatura, é evidente que o Camões das Rimas trabalha um estilo diferente, marcado pela conceptualização, pela afectação das ideias e pelo fingimento poético. Sonetos bem conhecidos como Amor é fogo que arde sem se ver ilustram bem a estética maneirista, muito estigmatizada pelos desgostos de amor, pela desilusão da vida, pelos infortúnios pessoais e por constantes sofrimentos íntimos que parecem ser a única fonte de inspiração dos poetas. O poeta maneirista é um vencido da vida. Perdeu a esperança no futuro e no progresso e só se compraz na dor do amor nunca realizado. Esta nota pessimista que se lê em muitos poemas não é explicável fora do contexto político, religioso e social que se vivia na Europa após a Contra-Reforma.

Os estudos literários só vão prestar atenção ao maneirismo a partir do estudo fundamental de Ernst Robert Curtius (Literatura Europeia e Idade Média Latina, Bern, 1948; Rio de Janeiro, 1957), que o considera não um período estático da história literária mas antes uma espécie de paradigma documentável ao longo dos tempos: “O que é toda a obra de James Joyce senão uma gigantesca experiência maneirística? O trocadilho (pun) é um dos seus pilares de sustentação. Quanto maneirismo há em Mallarmé, e quão de perto o maneirismo toca o hermetismo da poesia contemporânea!” (Literatura Europeia e Idade Média Latina, trad. de Paulo Rónai e Teodoro Cabral, EDUSP, São Paulo, 1996, p. 374). A tese maneirista de Curtius é tão abrangente como a tese de Eugenio d’Ors para o barroco: não falamos de períodos literários definidos com exactidão na linha do tempo, mas falamos de paradigmas intemporais que se podem manifestar em qualquer artista de qualquer época. Estas teses valeram aos seus autores severas críticas, porque intepretam as estéticas literárias como a pura soma de estilos ou linguagens que se repetem como um padrão em autores de épocas distintas. Aguiar e Silva, no seu estudo doutoral sobre o maneirismo na lírica portuguesa, observa que “a caracterização do maneirismo estabelecida por Curtius apresenta outro grave erro metodológico no estudo de um estilo ou de um período literários: restringe-se a factos de estilo, considerados em abstracto, sem os relacionar com valores humanos de qualquer espécie (religiosos, éticos, existenciais).” (Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa, Centro de Estudos Românicos, Coimbra, 1971, p.11). O trabalho de Aguiar e Silva para recuperar o lugar devido do maneirismo, tanto dentro da teorização literária como na história literária portuguesa, foi já uma resposta positiva a um desafio antes tentado por Jorge de Sena no princípio da década de 1960, quando reclamou um lugar próprio para o maneirismo, cujos intérpretes, na literatura portuguesa seriam: “primacialmente Camões, o Soropita que foi o primeiro a editar-lhe as "rimas," Vasco Mousinho de Quevedo, Manuel da Veiga Tagarro, Balta­zar Estaco, Francisco de Andrade, Jerónimo Corte Real, Luís Pereira Brandão, Fernão Álvares do Oriente, Pêro da Costa Perestrelo, Eloi de Sá Soto Maior, Diogo Bemardes, André Falcão de Rezende, Fr. Bernardo de Brito, Rodrigues Lobo, Fr. Agostinho da Cruz. E D. Francisco Manuel de Melo, amigo de Quevedo, será, em pleno barroquismo de que é alto expoente, o último dos maneiristas também.” (“Maneirismo e barroquismo na poesia portuguesa dos séculos XVI e XVII”, Luso-Brazilian Review, vol. 2, nº 2, 1965, p.41).



RENASCIMENTO

Bib.: Arnold Hauser: Maneirismo: A Crise da Renascença e a Origem da Arte Moderna (São Paulo, 1976); Eugenio Battisti: Renascimento e Maneirismo (Lisboa, 1984); Helmut Anthony Hatzfeld: Estudos sobre o Barroco (São Paulo, 1988); Georg Weise: Il manierismo. Bilancio critico del problema stilistico e culturale (1971); José Eduardo Horta Correia: Renascimento, Maneirismo e Estilo Chão (1991); Jorge Henrique Pais da Silva: Estudos sobre o Maneirismo (3ª ed., 1996); Manierismo e letteratura: atti del Congresso Internazionale: Torino, 12-15 Ottobre 1983 / a cura di Daniela Dalla Valle (1986); Rita Marnoto: O Petrarquismo Português do Renascimento e do Maneirismo (1997); Vítor M. Aguiar e Silva: Maneirismo e Barroco na Poesia Lírica Portuguesa (1971); Vítor Serrão: O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses (1985); Id.: Estudos de Pintura Maneirista e Barroca (1989).

Carlos Ceia

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