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Semiótica na moda: uma imagem vale mais que mil palavras

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Maria Elisa Magalhães Barbosa



A SEMIÓTICA NA MODA

De acordo com Lúcia Santaella “o estudo da linguagem e dos signos é muito antigo. A preocupação com os problemas da linguagem começam na Grécia. A semiótica implícita compreende todas as investigações sobre a natureza dos signos, da significação e da comunicação, é uma semiótica explícita quando a ciência semiótica propriamente dita começou a se desenvolver” (SANTAELLA, 2002: XII).

Winfried Nöth relata que para Peirce “a semiótica não é uma ciência especial ou especializada, como são as ciências especiais, a física, a química, a biologia, a sociologia, a economia, etc., quer dizer, ciências que têm um objeto de estudo delimitado e de cujas teorias podem ser extraídas ferramentas empíricas para serem utilizadas em pesquisas aplicadas” (NÖTH, 1995: 5).

A noção de signo é básica na lingüística. Signo é a menor unidade de um código dado. As famílias de signos não cessam de se multiplicar pelo planeta.

O desenvolvimento a partir de raízes estruturalistas foi evidente nos trabalhos de Roland Barthes (1915-1980). Ele foi um estruturalista e propagou o programa semiológico de Saussure. No quadro do paradigma estruturalista atingiu o clímax com o seu sistema da Moda (1967).

Abordando a cultura de massa Barthes analisou e encontrou a chave para as primeiras análises semióticas. Definiu o signo como um sistema constituído de E, uma expressão R em relação e C um conteúdo (ERC).

Tal sistema sígnico primário pode se tornar um elemento de um sistema sígnico mais amplo. Se a extensão é de conteúdo, o signo primário se torna a expressão de um sistema sígnico secundário. Neste caso, o signo primário é de semiótica denotativa, enquanto o signo secundário é de semiótica conotativa.

Na crítica literária e cultural, Barthes empregou o conceito de semiótica conotativa para revelar as mais diversas significações ocultas em textos. No seu estudo Mitologias, ele definiu tais sistemas de significações secundárias como mitos. Os meios de comunicação de massa criam mitologias e ideologias como sistemas conotativos. No nível conotativo, ele esconde significações secundárias e ideológicas e no denotativo elas expressam significações primárias “naturais”.

Para Barthes, “o mito é sempre uma linguagem roubada” (BARTHES, 1993: 131). Para J. Lotman, “a arte e a cultura em geral são consideradas como sistemas de modelagem secundárias” (LOTMAN, 1979: 7). Para Pierce, é um significado, que aparece como resultado de um acordo interpretativo dos intérpretes do signo.

Barthes vê uma nova abordagem de semiologia ou a nova mitologia, já não será capaz de separar tão facilmente o significante do significado, o ideológico do fraseológico.



UMA IMAGEM VALE MAIS DO QUE MIL PALAVRAS

A teoria semiótica nos habilita a penetrar no movimento interno das mensagens, o que nos dá a possibilidade de empreender os procedimentos e recursos empregados nas palavras, imagens, diagramas, sons, nas relações entre elas, permitindo a análise das mensagens.

As mensagens podem ser analisadas em si mesmas, nas suas propriedades internas, quer dizer, nos seus aspectos qualitativos, sensórios, tais como, na linguagem visual, por exemplo as cores, linhas, formas, volumes, movimento, dinâmica, quando, em terminologia semiótica, analisa-se os quali-signos das mensagens.

Para Embacher, citado por Maria Luiza Feitosa de Souza “a moda (indumentária), uma anciã em meados da Idade Média, emerge poderosa neste fim de século, com toda a complexidade de objeto epistemológico dos mais instigantes.” (SOUZA, 2003)

O mesmo autor verbera que “o vestuário participa da constituição da identidade e é por ela constituído, e verifica também a possibilidade do indivíduo, ao construir seu próprio estilo, ser capaz de tornar-se representante de si mesmo, criando uma identidade, que articula as igualdades e as diferenças que constituem e são constituídas pela história desse mesmo indivíduo” (Idem. Ibidem). Isto porque, “a grande realização humana na conquista da identidade pessoal é conseguir adequar os papéis sociais que é obrigada a desempenhar, à capacidade de pautar essa identidade pelo seu desejo.” (Idem, Ibidem)

E sintetiza mostrando ser esta situação “uma autonomia que emancipa o sujeito proporcionando-lhe, entre outras coisas, um estilo próprio de vestir. Um estilo capaz de expressar o que ele está–sendo e o que ele é sem-estar-sendo, coerente com o movimento contínuo de concretização que lhe permite ser representante de si, com autonomia, na busca da mesmidade.” (Idem, Ibidem)

Ana Paula Celso de Miranda e Maria Carolina Garcia, afirmam que “atitudes levam as pessoas a gostarem ou não das coisas, aproximarem-se ou afastarem-se delas. Esses gostos e desgostos são chamados atitudes.” (MIRANDA, 2003)

Estas mesmas autoras, citando Eco, afirmam que “sendo a moda símbolo na essência, parece certo afirmar que à ela se aplica perfeitamente transferência de significados, visando a comunicação integrante de sociedades, onde tudo comunica, sendo assim, o vestuário é comunicação.” (MIRANDA, e GARCIA, 2003)

O indivíduo possui tendência psicológica a imitação e proporciona a satisfação de não estar sozinho. Imitar não só transfere a atividade criativa, mas responsabilidade sobre a ação dele para o outro. A necessidade de imitação vem da necessidade de similaridade. Daí a moda é a imitação de modelo estabelecido que satisfaça a demanda por adaptação social, diferenciação e mudança, que é adotada por um grupo social.

A moda, dentre outras, possui, duas vertentes singulares: uma é a individualidade e a outra a necessidade de integração social. Salomon, a nós trazido por Ana Paula Celso de Miranda e Maria Carolina Garcia ensina que “moda é processo muito complexo que opera níveis. Em um extremo, está o macro, fenômeno que afeta muitas pessoas simultaneamente, ela exerce efeito muito pessoal no comportamento individual. As decisões de compra do consumidor freqüentemente motivadas pelo desejo de estar na moda.” (MIRANDA e GARCIA, 2003)

As mencionadas autoras, agora com substrato em Freyre registram que “a moda se impõe (...) é a pressão, sobre esse gosto de um consenso coletivo.” (MIRANDA e GARCIA, 2003)

Dos muitos símbolos e expressões, a roupa é uma das mais importantes linguagens não verbalizadas do eu que passa de controle social. Por ela as pessoas procuram comunicar para os outros, esta percepção de si, que demandam a integração social mediante o que é culturalmente aceito. A moda é um dispositivo social, portanto o comportamento orientado pela moda é fenômeno do comportamento humano generalizado e está presente na sua interação com o mundo. Nesse sentido afirma Baudrillard que “se modernidade define-se pela hegemonia do código, a moda, enquanto dimensão total dos signos, é sua instância emblemática. A moda constitui uma ruptura profunda no pensamento discursivo, mergulhando-o na irreverência absoluta, ela desarticula o esquema tradicional da representação”. (BAUDRILLARD, 1996)

Que nos impõe profundamente à moda é a ruptura com uma ordem imaginária: a da Razão sobre a todas as formas.

Umberto Eco assevera que a moda é um exercício contínuo de recuperação das formas repertoriadas, num processo de estilização ao qual é indiferente qualquer dimensão de profundidade.

Para Baudrillard na tolerância do passado está envolta na ambigüidade do simulacro. Ao ressuscitar o passado, a moda, o exclui. A moda é sempre retrô, mas com base na abolição do passado: morte e ressurreição espectral das formas. A moda é a preeminência do trabalho morto dos signos sobre a significação. A moda simula o dinamismo interno do ser, isto é, o próprio devir. Nesse sentido é que ela se situa numa relação de contemporaneidade e de complementaridade com o museu. Moda e museu são cúmplices e se opõem conjuntamente a todas as culturas anteriores feitas de signos inequivalentes e de estilos incompatíveis.

Os modelos regem o campo da moda. Existe, uma diferença fundamental entre a função totalizante da moda na modernidade e a função do ritual na ordem primitiva, à qual escapa o efeito estético da ostentação pelos signos que caracteriza o sistema da moda. A moda assume diante da funcionalidade econômica o aspecto de festa e de gratuidade. Exerce uma fascínio que advém dos aspectos de inutilidade e de arbitrariedade que lhes são próprios.

O sistema da moda é paradoxal e enquanto código absoluto ela está acima de qualquer valor. A imoralidade da moda torna-a impenetrável à racionalidade revolucionária.

A única alternativa para Baudrillard é a descontração sígnica, ou seja, a desestruturação do código, que se obtém jogando-o contra si mesmo.

O design na moda, nos possibilita entender a semiótica, que é como uma embalagem, um rótulo que é utilizado na moda para despertar sensações. São elementos comuns do design: o brilho, que são sinais visuais, que pontilham a rastro da roupa. Esse rastro marca com uma clareza a oposição entre brilho e não–brilho. Essa opção marcante entre duas qualidades, a de brilhar e a de não-brilhar dá essa alternativa uma predominância qualitativa e icônica.

Para Lúcia Santaella (2002: 24 e ss.),

O signo está apto a provocar em um intérprete sentimentos, isto é, um interpretante emocional. Ícones tendem a produzir esse tipo de interpretante com mais intensidade. Os interpretantes emocionais estão sempre presentes em quaisquer interpretações, mesmo quando não nos damos conta deles.

Um signo pode ser energético, que corresponde a uma ação física ou mental, quer dizer, o interpretante exige um dispêndio de energia de alguma espécie. A moda tende a produzir esse tipo de interpretante com mais intensidade, pois os índices chamam nossa atenção, dirigem nossa retina mental ou nos movimentam na direção do objeto que eles indicam conotação do brilho nas roupas surge por trás da linha do horizonte e a conotação de revelação na forma que está por trás do uso da roupa e que da a predominância metafórica.

A imagem é uma opção na moda que mantém a unidade de todo o conjunto. As imagens indicam todo o processo que é visto e a predominância referencial dessa imagem.

O brilho, a imagem e a conotação fazem parte de todo esse processo no mundo da moda. Há alguns traços comuns que são caracteres semióticos comuns no mundo da moda. O poder da imagem está nas cores. Algumas cores predominam outras apenas são pinceladas. O azul é uma cor fria. O amarelo, uma cor quente, o branco é inexistência de cor, o laranja o brilho do sol, o vermelho é uma cor carregada.

Elas encantam, emocionam. A síntese das cores é o branco. As linhas são eficazes, porque sugerem movimento, dando a sensação de uma certa leveza. As linhas diagonais, as simétricas, as circulares, todas as linhas imaginárias ou não, transmitem ao tecido um significado bem próprio. Significado esse que leva o interpretante a viajar nos padrões da moda.

As formas que são elementos distribuídos no tecido são reforçados pela cor que funciona como traço distintivo entre um padrão e outro.

Enquanto o primeiro é mais formal, o segundo é mais subjetivo e ainda mais significativo.

A distribuição de elementos, desenhos, símbolos e outros caracteres também faz com que o tecido fique ainda mais chamativo para o usuário. Nos padrões da moda, há um certo apelo sinestésico, isto é as imagens visam produzir sensações não só visuais, como também sensações táteis, olfativas com o apelo sinestésico do cheiro de roupa nova.

Nas relações entre a imagem e mensagem predomina a complementaridade. Quer dizer as mensagens são organizadas de modo visual seja capaz de transmitir tanta informação que já passaram visualmente e acrescentar informações específicas que o visual não é capaz de transmitir. Isso fica claro nas diferenças das cores que criam uma distinção que vem a ser especificada pelas palavras que dão nome às cores.

As palavras também se relacionam com as imagens, predominando também a complementaridade. Quer dizer, as mensagens são organizadas de modo que o visual seja capaz de transmitir a informação. Os padrões são especificados pelas diferentes cores, diferentes matizes, diferentes desenhos, que as roupas trazem formando assim uma distinção de padrões dentro da moda.

Padrões esses que dizem respeitos aos elementos culturais, as convenções de época que a moda incorpora. Os elementos culturais e convenções só funcionam simbolicamente para um interpretante. Dependendo do tipo de intérprete, dependendo especialmente do repertório cultural que o intérprete internalizou, alguns significados simbólicos se atualizarão, outros não.

Os interpretantes por estarem no mundo, por fazerem parte dos desígnios da vida, os efeitos que os signos poderão porventura produzir no seu dia-a-dia são tão enigmáticos quanto o próprio desenrolar da vida.

A moda atende cegamente aos ditames do consumo. Se uma imagem é um bom produto, se vende bem, essa imagem será perseguida sem tréguas e sem limites.

A conclusão a que se chega é no sentido de que emoções são signos e, como tais a moda nos causa emoções. Nesse ponto, o caminho parece estar aberto para a nossa análise semiótica da moda como uma emoção, em pecado emocional que é um signo.

Qualquer signo, todo signo, mesmo um signo mental, deve estar corporificado. Estando corporificado, o signo tem qualidades materiais que lhe são peculiares como uma entidade ou evento que ele é, independente de sua função representativa.

Em conclusão, cita-se Barthes, para quem “o signo é, pois, composto de um significante e um significado. O plano dos significantes constitui o plano de expressão e dos significados o plano de conteúdo”. (BARTHES, 1997: 43)



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979

BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, 1978

––––––. Elementos de semiologia. 17ª ed. São Paulo: Cultrix, 1997

––––––. O sistema da moda. São Paulo: Nacional, 1979

––––––. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993

BAUDRILLARD, Jean. A troca semiótica e morte. São Paulo: Loyola. 1996

––––––. Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo: Martins Fontes, 1972

LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1969

LOTMAN, I. M. et al. Semiótica de la cultura Madri: Cátedra, 1979

MIRANDA, Ana Paula Celso de. e GARCIA, Maria Carolina. Influenciadores e hábitos de mídia no comportamento do consumo de moda – parte 3. Disponível em www.recmoda.com.br/bazar/008.html. Acesso em 18 nov. 2003

NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995.

PEIRCE. Charles Sanders. Semiótica e filosofia. São Paulo: Cultrix

RAMOS, Maria Luiza. Os avessos da linguagem. Belo Horizonte: Imprensa Universitária, 1990

SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.

SOUZA, Maria Luiza Feitosa de. Resenha sobre o livro: Moda e identidade – a construção de um estilo próprio – Airton Embacher – Anhembi Morumbi, publicado no Jornal da Tarde – julho de 1999. Disponível em: www.pucsp.br/pos/cos/moda/resenhal.htm. Acesso em 18 nov. 2003.

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