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CRÍTICA TEXTUAL E EDIÇÃO DE TEXTOS

sexta-feira, 8 de maio de 2009

José Pereira da Silva (UERJ)



A crítica textual é, desde os tempos mais remotos dos estudos lingüísticos, a atividade básica dos trabalhos filológicos, tendo-se, muitas vezes, confundido a Filologia com a Crítica Textual.

O primeiro capítulo do livro de AUERBACH [1972]: 11, começa assim:

A FILOLOGIA E SUAS DIFERENTES FORMAS

A. A EDIÇÃO CRÍTICA DE TEXTOS

A Filologia é o conjunto das atividades que se ocupam metodicamente da linguagem do Homem e das obras de arte escritas nessa linguagem. Como se trata de uma ciência muito antiga, e como é possível ocupar-se da linguagem de muitas e diferentes maneiras, o termo Filologia tem um significado muito amplo e abrange atividades assaz diversas. Uma de suas formas mais antigas, a forma por assim dizer clássica e até hoje considerada por numerosos eruditos como a mais nobre e a mais autêntica, é a edição crítica de textos.[1]

Apesar de nem sempre os estudos de Crítica Textual resultarem na publicação de um texto, seu objetivo material e aplicado é a edição crítica. Esta, apesar de poder ser definida de mil formas, pode ser, perfeitamente, o que nos escreve Gladstone Chaves de Melo (MELO, 1957: 40):

“Edição crítica” é a que procura estabelecer o texto perfeito, – confrontando manuscritos ou edições antigas, de vida do autor, anotando variantes, – e, além disso, desfaz as abreviaturas, quando é o caso, moderniza a pontuação, corrige os erros tipográficos, interpreta os passos obscuros, podendo ainda substituir o sistema ortográfico por outro mais moderno, – mas tudo isso respeitando escrupulosamente a língua, as formas, a fonética do tempo e do autor.

Na verdade, a edição crítica pode ter mil formas, mais ou menos carregadaS de erudição, dependendo do público a que se destina. Por isto, é indispensável que, numa espécie de prefácio ou introdução metodológica, o filólogo editor defina os princípios e normas seguidas.

Para não nos dispersar muito, vamos utilizar, inicialmente, as palavras Lausberg [1981] para situar a importância da Crítica Textual dentro Filologia[2] e no quadro das ocupações de filólogo, hoje definidas na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho (Cf. SILVA, 2002b: 28-36 e www.mtecbo.gov.br).[3]

Inicia Lausberg ([1981]: 19) a introdução de seu trabalho, informando que “A Filologia tem como objeto todos os discursos que os homens pronunciam ou têm pronunciado”.

Como o discurso é uma manifestação lingüística destinada a modificar a situação e pode ter êxito ou fracasso na persuasão do seu destinatário, quando concluído, pode perder toda a sua motivação atual e passar a ser um mero fato detalhado da história. (Cf. LAUSBERG, [1981]: 19].

Apesar de também interessar à Filologia salvar esses textos da destruição material, é mais comum a atividade da crítica textual ser aplicada a textos literários stricto sensu, apesar de não ser tão rara a elaboração de edições críticas de ensaios das mais diversas especialidades, como mostraremos com as quatro edições do texto editado inicialmente como dissertação de mestrado, as quatro edições resultantes da tese de doutorado e as edições em andamento, resultantes do projeto de edição crítica da obra de Alexandre Rodrigues Ferreira, pela Kappa Editorial e de outros editores críticos.[4]

Daqui em diante, transcrevo um longo fragmento do texto de LAUSBERG, a partir da página 20:

Ao lado do decurso da situação histórica que é linear e consome o discurso, existe outro decurso cíclico inerente ao ritmo de ano (e a outros ritmos de tempo). Decerto o decurso cíclico está determinado por natureza e não pode ser modificado pelas pessoas mediante ação ou discurso. Mas o homem, perante esta sua dependência do decurso cíclico, sente-se impelido a manifestar o seu interesse neste decurso por meio de discursos confirmativos (laudatórios) ou mediante discursos que evocam o fenômeno através de uma cooperação fictícia. Este discurso é um discurso litúrgico que se repete anualmente (ou conforme outros ritmos de tempo). Um tal discurso litúrgico permanecerá de ano em ano constante no seu teor, para assim exprimir o regresso da mesma realidade da situação, o que é importante focar. Deste modo, fenomenologicamente, aquilo que, liberto da sua ligação ao ritmo litúrgico do tempo, se chama poesia ou (bela) literatura. O uso repetido pressupõe a conservação do discurso na memória de, pelo menos, uma pessoa (geralmente de toda uma escola de cantores ou também do conjunto da comunidade celebrante) ou através da escrita. Assim nasce a tradição literária.

Um afastamento do ritmo fixo do tempo já se encontra originalmente nas festas que se repetem de uma maneira não rítmica mas sim ocasional (casamento, acabamento de uma construção de casa, etc.).

Também o discurso de uso repetido (literário) se pode integrar no debate dialógico (drama).

Na vida jurídica o debate apresenta uma mistura de discursos de uso único (interrogatório, discursos de defesa, etc.) e discursos de uso repetido (textos de lei, fórmulas fixas para pronunciar a sentença, etc.).

O discurso (seja de uso único, seja de uso repetido) pode-se também qualificar de: 1. ‘obra’, considerando-se o seu caráter de totalidade inerente à intenção de algo de concluso; – 2. ‘texto’ (‘tecido’), tomando-se em conta que é composto de partes. O termo ‘texto’ pode-se aplicar também ao conjunto maior chamado ‘debate’.

.....................................................................................

A Filologia tem como objeto de conhecimento as ‘obras’ ou ‘textos’, tanto os textos de uso único, pragmáticos,[5] como também os textos de uso repetido, literários. A Filologia que concentra a sua atenção nos textos literários de uso repetido chama-se ‘ciência da literatura’.

A tarefa social dos filólogos refere-se, de fato, aos textos de uso repetido; os filólogos são encarregados de vigiar a tradição litúrgica e também literária da comunidade. A tarefa de vigiar realiza-se em três campos concêntricos:

1) A tarefa básica dos filólogos consiste em salvar os textos da destruição material. Esta salvaguarda pode-se exercer de várias maneiras.

a) Numa sociedade sem escrita o filólogo ocupa o lugar do professor que deve transmitir os textos à memória da nova geração desta sociedade. Também depois de a sociedade ter adotado a escrita mantém-se este encargo do filólogo para intensificar de maneira aviventadora a tradição.[6]

b) Depois da introdução da escrita o filólogo conserva os textos numa biblioteca pública e cuida de que se multipliquem por cópias.[7] Daqui resulta a tarefa da crítica textual cuja função original consiste na vigilância sobre as cópias feitas na própria oficina da biblioteca. Mas o filólogo pode estender esta tarefa também às cópias produzidas nas oficinas de outras bibliotecas. Como a divulgação de um texto, conforme o cálculo das probabilidades, leva à variação flabeliforme do seu teor, a crítica textual esforçar-se-á em reconhecer este fenômeno para, assim, poder restabelecer o teor original do referido texto.[8]

c) Visto que também textos inteiros se podem perder, a tarefa conservatória do filólogo pode-se estender ao redescobrimento de textos perdidos mas conservados na memória de comunidades menos conhecidas (por exemplo no caso do descobrimento de romances espanhóis entre judeus no Norte da África) ou em bibliotecas e depósitos (covas no Mar Morto, montões de entulho no Egito).[9]

Além dessa tarefa básica, há duas outras das quais não trataremos aqui: a tarefa central, que “consiste na conservação do sentido que se deve dar ao teor do texto” (Cf. LAUSBERG, [1981]: 22] – a interpretação; e a integração desses textos, que resultará na publicação de coletâneas organizadas de maneiras diversas, que levará à “história da literatura, que é, por sua vez, parte da história da cultura e da história geral” (Idem, ibidem]. Também não trataremos da teoria geral da literatura, que resulta da realização da tarefa básica e da tarefa central dos filólogos numa grande variedade de obras.

Assim sendo, as atividades da crítica textual, da interpretação e da integração superior de textos das diversas línguas românicas constitui a tarefa magna da Filologia Românica, que jamais poderia ser realizada por um indivíduo ou por uma equipe, mas somente pelo conjunto dos filólogos atuantes em cada uma dessas diversas línguas.

Segismundo Spina, fazendo outra divisão, apresenta-a com brilho e segurança, indicando assim as funções da Filologia (SPINA, 1994: 82 e 83):

A explicação do texto, a sua restituição à forma original através dos princípios da crítica textual, constituem aquilo que podemos chamar de função substantiva da Filologia; a Edótica[10] compreende essa operação da crítica textual e a organização material e formal do texto com vistas à publicação.

Há uma ordem de problemas, com os quais a Filologia também se preocupa; são problemas que não estão no texto, mas deduzem-se dele: a sua autoria, a sua datação e a sua importância (valorização) perante os textos da mesma natureza. Esta seria a função adjetiva da Filologia.

Resumindo, três são as funções da atividade filológica: a) função substantiva, em que ela se concentra no texto para explicá-lo, restituí-lo a sua forma genuína e prepará-lo tecnicamente para publicação; b) função adjetiva, em que ela deduz, do texto, aquilo que não está nele: a sua autoria, a biografia do autor, a datação do texto, a sua posição na produção literária do autor e da época, bem como a sua avaliação estética (valorização); c) função transcendente, em que o texto deixa de ser um fim em si mesmo da tarefa filológica para se transformar num instrumento que permite ao filólogo reconstituir a vida espiritual de um povo ou de uma comunidade em determinada época. A individualidade ou presença do texto praticamente desaparece, pois o leitor, abstraindo do texto, apenas se compraz no estudo que dele resultou. É importante observar, na função substantiva do labor filológico, o seu caráter erudito: a função adjetiva, etapas da investigação literária; e na função transcendente, a vocação ensaística do filólogo, em busca da história da cultura.

Finalmente, o filólogo agora não se concentra no texto, nem deduz aquilo que não está no texto, mas procura transpô-lo, fazendo dele aquilo que considera Antônio Tovar: ‘o mais fino instrumento histórico para penetrar na alma, no estilo dos séculos antigos’ (TOVAR, 1944: 22). É a função transcendente da Filologia.

Depois de tão longa citação de Heinrich Lausberg, outra, não menos importante deverá ser feita a seguir porque se trata de uma das melhores sínteses feitas sobre o assunto por um filólogo brasileiro, a quem, com isto, queremos homenagear.

Utilizaremos, outrossim, os trabalhos de alguns outros filólogos brasileiros importantes para acrescentar notas e comentários ao texto escolhido como roteiro dessa exposição, entre os quais não poderiam faltar as palavras de Leodegário A. de Azevedo Filho (AZEVEDO FILHO, 1987), Segismundo Spina (SPINA, 1994), Bruno Fregni Bassetto (BASSETTO, 2001), Gladstone Chaves de Melo (MELO, 1957) e Emanuel Araújo (ARAÚJO, 1986).

Trata-se de parte do tópico 3.2 dos Elementos de Bibliologia de nosso querido e saudoso Antônio Houaiss (1983), obra indispensável na biblioteca de um editor crítico:

CRÍTICA TEXTUAL OU ECDÓTICA[11]

A ecdótica[12], por conseguinte, cuida da edição-de-texto, em grau de complexidade decrescente que vai do passado ao presente, de autor morto a vivo. Sua problemática pode escalonar-se nas seguintes fases:

1.°) na primeira fase, cuida-se da estemática, isto é, do estabelecimento do seu estema ou classificação genealógica das versões do texto segundo as cópias, impressões ou edições que teve;[13]

2.°) na segunda fase, estabelecido o estema, quando não se caracteriza incontroversamente o manuscrito autógrafo original ou definitivo, obtém-se o protótipo ou, melhor, arquétipo (na tradição manuscrita), ou a edição de base (na tradição impressa), devendo-se notar que, neste caso, existindo a edição príncipe, única em vida do autor, esta é, via de regra necessária, a edição de base; se, porém, houver duas ou mais editiones principes, o problema se torna mais delicado, pois ou elas correspondem a duas ou mais gestações conceptuais de certo modo autônomas da obra, ou a duas ou mais fases distintas de sua apresentação, servindo de típicos exemplos os problemas relacionados com as obras de Torquato Tasso, Gerusalemme Liberata e Gerusalemme Conquistata.

3.°) numa terceira fase, fixado o protótipo ou arquétipo, ou a edição de base, pode-se, então, tratar do estabelecimento do texto, estabelecimento de que decorre, na grande maioria dos casos, a necessidade de um aparato crítico que justifique as soluções seguidas pelo editor-de-texto, ademais da enunciação dos princípios críticos gerais que o norteiam nessa tarefa, aparato crítico que não raro ultrapassa os problemas meramente lingüísticos e invadem os históricos lato sensu, institucionais, morais, culturais, e são por isso mesmo, explanados nesse aparato ou em seções anexas ao aparato.[14]



Estabelecimento de texto

O estabelecimento do texto é, pois, a um tempo um problema de ecdótica[15], de hermenêutica[16] e de exegese[17]. É impossível, em princípio, estabelecer um texto que não seja totalmente compreendido pelo editor-de-texto, ainda que alguns aspirem a uma como objetividade mecânica na operação ou ainda que esse grau de compreensão possa ser aprofundado por outrem. Dessa forma, a inteligência de um texto se logra por um crivo:

a) de todas as particularidades do texto, para que eventualmente qualquer uma dessas particularidades sirva de lição para qualquer outra do mesmo texto;

b) de todas as particularidades e generalidades do contexto – no que, inclusive, a história, a erudição em geral, a geografia, a filologia, as idéias coetâneas, os ideais coetâneos, do autor, da sua geração, do país, da nação, do mundo, até o seu tempo, do passado, possam trazer suas luzes;

c) dos textos alheios anteriores e contemporâneos do autor, na dupla operação (a) e (b) acima configuradas;

d) destarte, na base do protótipo ou arquétipo, ou da edição de base, é factível volver o mais verossimilmente possível ao original ou à edição príncipe ideal.



A crítica textual no passado[18]

As mais antigas edições críticas, ao menos no âmbito da cultura européia, são as dos poetas gregos pré-helenísticos, feitas pelos críticos alexandrinos, Zenóddoto, Aristófanes de Bizâncio, Aristarco. Seus trabalhos incidiram preferentemente sobre os poemas homéricos, com textos não anotados, mas acompanhados de signos que exprimiam dúvida quanto à autenticidade da tradição ou que remetiam ao comentário, comentário que encerrava indicações sobre os manuscritos de que os críticos se haviam servido e sobre as lições que haviam adotado. A recensio se fazia segundo critérios internos, as emendas não eram acolhidas no texto, a tendência era puramente conservadora; entretanto, os versos reconhecidos como não autênticos eram transcritos no texto, embora com signos indicativos de não autenticidade. Um trabalho grandioso de crítica do texto foi empreendido, sobre a Bíblia, por outro alexandrino, no século III, Orígenes. Os métodos alexandrinos foram transportados para Roma, inicialmente por Varrão, o reatino, e depois, na época imperial, por Probo. Jerônimo aplica os métodos de Orígenes à Vulgata, representando, pelo amor do livro, um dos marcos básicos na evolução moderna deste, inclusive no seu ideal normalizador (Cf. ARNS, 1953). Signos críticos se encontram semelhantemente em manuscritos medievais. A época carolíngia, na Idade Média, conhece também a recensão de textos; mas os meios de que dispõe não lhe permitem verdadeiras edições críticas. Avizinha-se, entretanto, disso o exemplar da Regula sancti Benedicti. Os próprios humanistas pouco superam nesse respeito os doutos carolíngios (Cf. PASQUALI: 1934).



A crítica textual moderna

A edição crítica no sentido moderno progride a partir do século XVI, com estudos sobre a Bíblia grega e latina, de eruditos principalmente franceses. Mas o fundador do método que teve curso em toda a Idade Moderna foi Karl Lachmann (1793-1851), cuja obra-prima, no particular, é o conhecido prefácio à sua edição de Lucrécio, de 1850 (Cf. LUCRETIUS, 1882). As características do método de Lachmann são: (1) a elaboração dos conceitos de recensio e emendatio; (2) a elaboração do conceito de arquétipo; (3) o sistema de agrupar geneticamente os manuscritos por meio dos erros comuns; (4) o procedimento mecânico na reconstrução do arquétipo, sob o fundamento de determinadas concordâncias; (5) a eliminação dos manuscritos suspeitos de interpolação; (6) a tentativa de reconstruir, por considerações diplomáticas e por testemunhos externos, a história e a fortuna de um texto. O pressuposto do método de Lachmann era o da transmissão, da tradição restrita e prevalentemente mecânica, como seria a daqueles difíceis escritores e poetas latinos tratados preferentemente por Lachmann, como Propércio, Catulo, Tibulo, Genésio, Terenciano Mauro, Bábrio, Aviano, Gaio e especialmente Lucrécio. Mas o próprio Lachmann compreendeu que o seu método não seria aplicável a um texto não transmitido digamos mecanicamente, mas sim através de recensões antigas, como o do Novo testamento, e assim havia acenado com todo um outro método já a partir de 1824. Mas neste particular não teve Lachmann continuador durante muitos anos, pois ao contrário foi a lição do seu prefácio de Lucrécio que exerceu poderosa influência não só entre germanistas, mas também entre romanistas.



A crítica textual atual[19]

Os métodos da edição crítica progrediram lentamente. É de data relativamente recente a superação do preconceito contra os códices interpolados, já que, como se pôde verificar, estes podiam conservar, e conservaram, tradições genuínas, que com o seu abandono poderiam ser perdidas. As publicações de catálogos, de fac-símiles, maiores facilidades de transporte, maior liberalidade das bibliotecas públicas e privadas na concessão de fotocópias e microfilmes, possibilitaram uma exploração mais ampla da tradição com menor consumo de tempo. E só recentemente também – graças àqueles recursos – se pôde ver que a própria tradição do início da Idade Média de textos gregos e latinos, que parecia una, mecânica, derivava de fato de contaminações, de recensões. Fundamental, a tal respeito, é a moderna edição da Historia ecclesiastica, de Eusébio (Cf. Eusebius Werke:1902-1926), assim como os trabalhos e estudos de Henri Quentin (Cf. Quentin. 1926).[20]

Numa evidência indisfarçável do entendimento de Filologia como Crítica Textual, transcreve-se a seguir outra excelente síntese, que vale a pena ser memorizada, da ampla tarefa do editor crítico, descrita em nota de pé de página da Introdução à Lingüística Românica de Maria Luísa Fernández Miazzi (MIAZZI, 1972: 16-17):

Ampla é a tarefa do filólogo. Cumpre-lhe, localizado o texto, classificar as cópias existentes com base nas variantes ou lacunas, para fazer o levantamento dos dados de ordem e interna, com vistas à sua exegese (crítica textual e histórico-literária, antigamente ditas “baixa” e “alta” crítica, ou ainda, na acepção mais lata de crítica textual, recensio e emendatio, nos termos de Lachmann).

Fará, assim, quanto ao aspecto formal, recorrendo muitas vezes à paleografia:

a) um exame do manuscrito, suas várias cópias e elementos,como: material (papiro, pergaminho, papel), formato (pergaminho em forma de livro ou toledana, gótica francesa, napolitana e outras oriundas da cursiva latina);

b) a classificação dos manuscritos e sua ordenação em famílias para chegar à escolha do básico (nem sempre o arquétipo ou princeps);

c) um levantamento das variantes dos testimonia e das variantes fundamentais que irão constituir o aparato crítico;

d) um levantamento das traduções, críticas e citações do texto e destino do manuscrito.

Do ponto de vista do conteúdo procederá:

a) ao exame da data e local de composição da obra e sua autoria;

b) ao estabelecimento de suas fontes e circunstâncias em que foi elaborada [cada uma];

c) à análise da linguagem e estilo do autor, e do conteúdo da obra (se íntegra ou fragmentária, se tem unidade ou diversidade de assuntos, etc.);

d) ao trabalho exegético, aclaramento de passagens obscuras e reconstituição de lacunas; e) ao julgamento dos valores da obra (filosófico, histórico, literário, científico etc.);

Tendo em vista conferir ao texto sua máxima autenticidade, eliminará o filólogo criteriosamente as falhas, servindo-se de toda sorte de ciências auxiliares da filologia, quais a história, geografia, arqueologia, mitologia, epigrafia, etc.

Terá assim elementos para organizar uma edição crítica do texto, que é a mais recomendada. Ainda poderá providenciar uma edição fotografada (fac-simile), que tem a conveniência de obstar falsas interpretações. Menos aconselhável é a edição diplomática, mera cópia de outra, sujeita a erros de interpretação do copista (Cf. SILVA NETO, 1956: 13-25).

Apesar da intenção inicial de se fazer uma demonstração sucinta do processo de edição crítica, mostrando com exemplos práticos da labuta filológica, verificou-se logo que o tempo destinado à apresentação das informações aqui contidas e aos breves comentários que o assunto requer, fica impraticável a execução dessa demonstração.

Lembrarei, para possíveis consultas posteriores dos interessados, alguns trabalhos de descrição da atividade prática de edição crítica elaborados por brilhantes companheiros dessa sacerdotal tarefa.

Com descrições minuciosas de cinco exemplos de edição crítica de sonetos de Camões, AZEVEDO FILHO (1987:62-150) é exemplar, assim como merece aplausos e imitadores pelo seu primeiro volume dos doze volumes da Lírica de Camões (AZEVEDO FILHO, 1985).

Em se tratando da recensio de uma obra de grande vulto, é da maior importância O mapa do labirinto, de Francisco Topa (TOPA: 2001), resultante de sua tese de doutorado (TOPA, 1999), o mais custoso e elaborado trabalho da especialidade de que já tive notícia.

Em se tratando de inovação tecnológica, a edição diplomática e escaneada do Códice da Coleção Prof. Celso Ferreira da Cunha, como uma primeira fase de uma edição crítica da Obra Poética de Gregório de Matos, preparada em CD-ROM, talvez seja um interessante exemplo para futuras edições economicamente inviáveis no formato tradicional de impressão gráfica. (cf. SILVA, 2002d). Deste modo, um trabalho que, impresso, não poderia ser vendido por menos de duzentos reais, pode ser disponibilizado em um CD-ROM por um décimo disso, com a vantagem ainda de poder ser transcrito para as necessárias citações ou reproduções com a maior facilidade que a informática oferece.



CONCLUSÃO (?!...)

A Crítica Textual é uma atividade filológica de grande utilidade para os estudos lingüísticos, literários, históricos etc., mas não é indispensável para a atividade de editor-de-textos, que pode executá-la, inclusive, com imagem, som, movimento e interação com o leitor, através dos diversos recursos disponibilizados pela multimídia eletrônica.

A Crítica Textual é indispensável para uma edição científica de textos, que pode ser realizada por filólogos, mas também pelos inúmeros filologistas que tanto têm contribuído para a divulgação de bons textos, como se pode exemplificar com o trabalho de Claudio Cezar Henriques sobre as Atas da Academia Brasileira de Letras (HENRIQUES, 2001), resultante de sua tese de concurso para Titular de Língua Portuguesa na UERJ.

Os avanços tecnológicos e científicos não cessaram e, além de recursos editoriais mais eficientes, surgem novas especialidades nos estudos críticos, como é o caso da crítica genética, base dos trabalhos de Maria Antônia da Costa Lobo sobre a gênese textual de Chão de Ferro, de Pedro Nava (LOBO, 1997) e da edição crítica em perspectiva genética que Marlene Gomes Mendes fez d’As Três Marias, de Rachel de Queiroz (MENDES, 1998) ou da tese de doutoramento na USP, defendida há um ano por Ceila Maria Ferreira Batista Rodrigues Martins, sobre uma edição crítica de Aventuras de Diófanes ou Máximas de virtude e formosura de Teresa Margarida da Silva Orta (MARTINS, 2002).




BIBLIOGRAFIA

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–––––– (org.). Atas de reuniões do CiFEFiL de sua fundação até dezembro de 2001. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2002f.

–––––– (org.). Textos anexos às atas de 2000 e 2001. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Filologia, 2002g.

SILVA NETO, Serafim da. Textos medievais portugueses e seus problemas. São Paulo: MEC; Casa de Rui Barbosa, 1956.

SPINA, Segismundo. Introdução à edótica: Crítica textual. 2ª ed. revisada e atualizada. São Paulo: Ars Poética; Edusp, 1994.

TAVARES, Emannuel Macedo. Directório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão, enquanto sua Majestade não mandar o contrário (Edição de um texto brasileiro do século XVIII). Tese de Doutorado em Filologia Românica, apresentada à Coordenação de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, em 1998.

TOPA, Francisco. Edição crítica da obra poética de Gregório de Matos. Dissertação de Doutoramento em Literatura Brasileira apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto: Edição do Autor, 1999, 4 vol.

––––––. O mapa do labirinto: Inventário testemunhal da poesia atribuída a Gregório de Mattos. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo; Rio de Janeiro: Imago, 2001, 2 vol. (Coleção “Bahia: Prosa e Verso”).

TOVAR, Antônio. Lingüística y Filologia Clasica – Su situación actual. Madri: Revista de Occidente, 1944.



[1] Aliás, acho oportuno registrar a curiosa história da edição brasileira desse excelente manual.

Trata-se de um texto escrito em francês por um filólogo alemão para servir de roteiro para um curso de Filologia Românica na Turquia. A edição original do livro, que foi publicado na Alemanha, foi feita em francês: Introduction aux Études de Philologie Romane.

Tudo até aqui se explica facilmente, mas o desprestígio da Filologia na década de 70 e a exagerada preocupação financeira dos editores, enganando a muitos estudantes de Letras, ansiosos por uma simples introdução aos estudos literários, explicam tal distorção.

[2] Eis o que diz Segismundo Spina, na página 82 de sua Introdução à edótica:

”A Filologia concentra-se no texto, para explicá-lo, restituí-lo à sua genuinidade e prepará-lo para ser publicado. A explicação do texto, tornando-o inteligível em toda a sua extensão e em todos os seus pormenores, apela evidentemente para disciplinas auxiliares (a literatura, a métrica, a mitologia, a história, a gramática, a geografia, a arqueologia etc.), a fim de elucidar todos os pontos obscuros do próprio texto. Esse conjunto de conhecimentos complicados, dando a impressão de verdadeira cultura enciclopédica de quem os pratica, constitui o caráter erudito da Filologia. Aliás, como já vimos, nasceu assim a filologia alexandrina. A restauração do texto, numa tentativa de restituir-lhe a genuinidade, envolve um conjunto de operações muito complexas, mas hoje estabelecidas com relativa precisão: é a crítica textual, que também foi conhecida e praticada pelos filólogos alexandrinos; a preparação do texto, para editá-lo na sua forma canônica, definitiva, também apela para um conjunto de normas técnicas, hoje também sistematizadas e mais ou menos universalmente respeitadas.

[3] Cf. também BASSETTO, 2001: 43-62, no capítulo sobre “O Trabalho Filológico”, em que se inclui o tópico “Crítica Textual”, da página 44 à 51. Seguramente, na aula-conferência que proferirá nesta VII SENEFIL, não deixará de utilizar esse importante capítulo de seu livro.

[4], Quatro edições críticas diferentes das Questões Apologéticas, considerados os destinatários esperados para cada uma delas (Cf. SILVA, 1987, 1987ª, 1994, 1995); e quatro outras foram feitas do Roteiro da Viagem (SILVA, 1986, 1989, 1992 e 1997), ambos utilizados inicialmente de corpus de trabalhos acadêmicos, a edição dos Autos da Devassa (SILVA, 1994 e 2002c), que nos deu a honra de preparar o primeiro livro da Eduerj, em 1994, comemorando o segundo centenário daquele fato histórico.

Outros excelentes trabalhos têm sido feitos dessa natureza, como são, por exemplo, a tese de doutorado de Emmanuel Macedo Tavares (TAVARES, 1998), editando o Diretório dos Índios, e a de Nilda Santos Cabral (CABRAL, 1998), tendo como corpus os Princípios de Lingüística Geral de Mattoso Câmara.

Outros exemplos importantes, resultantes da crítica textual, considerada a diferença de tratamento como escolha prévia do público destinatário, são o trabalho de Carlos Assunção sobre A Arte da Grammatica da Lingua Portugueza, de António José dos Reis Lobato (ASSUNÇÃO, 2000) e o de Mário Eduardo Viaro, editando a Gramática Histórica da Língua Portuguesa, de M. Said Ali (SAID ALI, 2001).

[5] Emanuel Araújo, n’A Construção do Livro, escreveu um excelente capítulo sobre a “Edição Crítica” (ARAÚJO, 1986: 193-295), em que divide sua exposição nos quatro seguintes tópicos, equilibradamente distribuídos: A) Estabelecimento do texto, B) Os textos da Antigüidade médio-oriental, C) Textos da História do Brasil e D) Textos literários, mostrando elementos diferenciadores importantes na elaboração de uma edição crítica destes em relação à daqueles outros, assim como daqueles dois outros tipos entre si.

[6] Grande parcela da sociedade deste século parece ter regredido àquele primeiro estágio, quando a cultura é transmitida e preservada através do rádio, da televisão e de outros meios audiovisuais e não através mais dos livros, como parece ter sido há menos de um século.

[7] Aliás, é importante lembrar que muito melhor e mais seguramente se preserva um texto, publicando-o, mesmo que precariamente, como temos feito com as atas e textos anexos da Academia Brasileira de Filologia e do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos, do que guardando-o num cofre (Cf. SILVA (org.), 2002e, 2002f e 2002g).

Um exemplo de que a guarda de uma biblioteca não preserva uma obra é o desaparecimento do quarto tomo do códice de Gregório de Matos guardado na Coleção Prof. Celso Ferreira da Cunha. Fato que deveria modificar a política da direção da Biblioteca do Itamaraty para liberar a consulta do outro códice de Gregório de Matos que ali se conserva trancado, depois de ter sido utilizado para uma edição feita pela Academia Brasileira de Letras.

[8] Daqui resulta a necessidade de se cotejarem todas as cópias e edições conhecidas (exceto aquelas que forem comprovadamente espúrias ou forem cópias de outras que estejam em bom estado de conservação), não devendo ser abandonadas sem consulta sequer as traduções, as adaptações, as resenhas ou as meras referências ou citações.

[9] Não é preciso ir tão longe no tempo nem no espaço. Muitas vezes uma edição raríssima e dada por absolutamente perdida é encontrada num sebo ou numa feira de livros usados.

[10] O autor, que foi o primeiro Sócio Honorário da Academia Brasileira de Filologia, faz um belo estudo para justificar sua opção pela grafia “Edótica” em contraposição aos que defendem a de “Ecdótica” (Cf. SPINA, 1994, 11-20), com o título de “Prefácio Resposta (Ecdótica ou Edótica? Edótica ou Crítica textual?).

[11] Será feita a atualização ortográfica, pois o original fac-similado é de 1967, assim como será omitida a numeração dos tópicos do original, fazendo-se a sua integração a este texto ora apresentado na VII SENEFIL. No texto de Lausberg, anteriormente apresentado, fizemos a adaptação da ortografia portuguesa à brasileira.

Para evitar remissões freqüentes a um vocabulário específico de crítica textual, vai indicado na bibliografia um trabalho sobre “A gíria do filólogo e editor de textos” (Cf. SILVA, 2002a), que vocês poderão consultar, inclusive na internet (www.filologia.org.br).

[12] Como se vê, Houaiss trata da crítica textual como sendo sinônimo de ecdótica, o que está melhor precisado em AZEVEDO FILHO, 1987: 15, que esclarece: “Como disciplina integrante da Ecdótica, entendida como técnica de editar um texto, a Crítica Textual (algumas vezes chamada de Crítica Verbal) seria desta ciência o seu núcleo básico ou especificamente filológico, como pensa Aurelio Roncaglia (RONCAGLIA, 1975: 26), voltada que está apenas para o estabelecimento crítico de um texto e não para a totalidade dos problemas que envolvem a técnica e a arte editorial. Portanto, entre Crítica Textual e Ecdótica, pode-se indicar uma relação de inclusão”, em que a Ecdótica ocuparia toda uma circunferência, cujo núcleo seria representado pela Crítica Textual.

[13] A recensio, que “consiste na pesquisa e coleta de todo o material existente de uma obra, manuscrito ou impresso” (SPINA, 1994: 95), que está no início dessas atividades, costuma ser uma tarefa jamais concluída, trazendo, às vezes, o maior desgosto ao editor pretensioso que, depois de publicado o texto, descobre ou recebe a notícia de um novo códice ou de uma edição importante.

[14] Segismundo Spina estabelece a seguinte ordem das atividades necessárias para uma edição crítica: 1. A fixação do texto, que consiste no seu prepara segundo as normas da crítica textual: a) A recensio, b) A estemática, c) A emendatio (que pode ser: I. Emendatio ope codicum, II. Emendatio ope ingenii, e III. Emendatio ope conjecturae) e 2. a apresentação do texto: a) A introdução, b) O texto (I. Elementos substantivos: Texto apurado e aparato crítico, II. Elementos adjetivos: Hermenêutica e exegese do texto e glossário), c) Índices e bibliografia (Cf. SPINA, 1994, 88-157)

[15] Ecdótica é a ciência e a técnica que busca restituir a forma mais próxima possível do que seria a redação de um texto idealizada por seu autor, executando a sua edição definitiva.

[16] Hermenêutica é a ciência ou técnica que tem por objeto a interpretação de textos.

[17] Exegese é o comentário ou dissertação que tem por objetivo esclarecer ou interpretar minuciosamente um texto ou uma palavra.

[18] A esses tópicos referentes à história da crítica textual, informamos apenas que tanto Segismundo Spina, em sua Introdução à Edótica (SPINA, 1994: 65-80), quanto Leodegário A. de Azevedo Filho, em sua Iniciação em Crítica Textual (Azevedo Filho, 1987: 20-22), faz também excelentes sínteses, que devem ser lidas por quem desejar conhecer mais de crítica textual.

[19] Entenda-se que da atualidade referida no texto já são decorridas quatro décadas.

[20] Considerando-se as facilidades de transporte e comunicação virtual, com a possibilidade de se fazer e enviar uma cópia perfeita de um manuscrito de uma biblioteca da Europa para um pesquisador do Rio de Janeiro em poucos minutos, ou de disponibilizar um documento único (digamos, a carta de Pero Vaz de Caminha) num banco virtual de textos com acesso livre em qualquer parte do mundo, o trabalho do editor-de-texto deixou de ser a aventura que deve ter sido a dos filólogos do início do século XX, por exemplo.

Um bom exemplo de textos na internet é a página de LITERATURA BRASILEIRA: Textos literários em meio eletrônico (http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/literat.html) que disponibiliza 91 obras de 24 dos mais importantes escritores brasileiros, como Euclides da Cunha, Gonçalves Dias, Gregório de Matos, José de Alencar, Machado de Assis etc. Outro excelente exemplo é o http://www.os-fazedores-de-letras.pt/navegar-em-letras/literatura.html que direciona os pesquisadores para cinqüenta e sete outros sites dedicados a esta atividade, inclusive para o do Círculo Fluminense de Estudos Filológicos e Lingüísticos, promotor desta VII SENEFIL.

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