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BOCAGE

sábado, 20 de dezembro de 2008

BOCAGE

Manuel Maria Barbosa Du Bocage


vida

A vida da maioria dos poetas é, até certo ponto, desvinculada da sua obra. No caso de Bocage, isso não ocorre porque obra e vida estão tão ligadas que pode-se entender a vida desse excepcional poeta por meio de sua obra e vice-versa. Um fato indiscutível sobre Bocage é a imagem de obsceno que o acompanha ao longo da história, mas essa fama trata-se de uma injustiça, pois Bocage foi um dos mais sérios e complexos poetas de toda a nossa história literária.Para entender melhor porque Bocage ficou conhecido como libertino e como foi a sua vida clique nos links ao lado e viaje na vida de um dos maiores sonetistas da história da Literatura Portuguesa.

origem

15 de outubro de 1765, nasce em Setúbal o poeta Manuel Maria Barbosa du Bocage. Ele é o quarto dos seis filhos do advogado José Luís Soares Barbosa e de Maria Joaquina Lestof du Bocage. Desde cedo Bocage entra em contato com as letras. Aos oito anos escreve e lê com certa desenvoltura e logo surgem as primeiras composições, que superam os dotes artísticos do pai, que também versejava.
"Das faixas infantis despido apenas,Sentia o socro fogo arder na mente;Meu terno coração inda inocenteIam ganhando as plácida Camenas."
Depois da morte da mãe, quando o poeta tinha apenas dez anos, Bocage é mandado estudar com D. João de Medina, com quem aprende Latim, língua essa que lhe seria muito útil nas posteriores atividades como tradutor. Bocage aprende ainda francês com o pai e italiano sendo, nessa língua, segundo alguns biógrafos, autodidata.Por volta de 1781 Bocage foge de casa e assenta praça, como soldado, no regimento de Setúbal. Dois anos depois ingressa no corpo da Marinha Real e vai para Lisboa onde entra em contato com a boemia e a vida intelectual desse lugar. O Bocage dessa época é um poeta atraído pelos clássicos gregos e também pelos clássicos da sua terra, como por exemplo: Camões, que era, como o próprio nos mostra no fragmento do soneto abaixo, o seu modelo.
"Camões, grande Camões, quão semelhanteAcho teu fado ao meu, quando os cotejo!Igual causa no fez perdendo o TejoArrostar co sacrílego gigante:
Modelo meu tu és... Mas, oh tristeza!... Se te imito nos transes da ventura, Não te imito nos dons da Natureza."
Os versos de Bocage, nessa fase, estão presos aos valores literários da época. Eles são corretíssimos, ou seja, perfeitos na rima e na métrica, porém, são pouco originais e nada espontâneos. O próprio Bocage criticou, anos mais tarde, a a sua falta de criatividade, como pode ser observado no fragmento do soneto abaixo:
"Incultas produções da mocidadeExponho a vossos olhos, ó leitores: Vede-as com mágoa, vede-as com piedade, Que elas buscam piedade, e não louvores:
(...)
E se entre versos mil de sentimentoEncontrqades alguns, cuja aparênciaIndique festival contentamento,
Crede, ó mortais, que foram com violênciaEscritos pela mão do Figimento,Cantados pela voz da Dependência."
Ainda nesse período, sua poesia está repleta de Marílias, Fílis, Nises e tantas outras ninfas que se transformam em pastoras e vivem sob o clima pastoril que caracterizou as produções Árcades. A ninfa de maior destaque é Gertrúria, devido a quantidade de versos a ela dedicados, acredita-se que ela tenha sido o maior dos amores do poeta.

amores

Amores, Bocage teve muitos. E isso contribuiu para que o poeta ficasse conhecido ao longo da história como namorador e libertino. Em seus poemas surgem os nomes de Marília, Ritália, Márcia, Gertrúria etc. Há quem diga que todas elas são mulheres por quem o poeta enamorou-se.As duas primeiras, correspondem a Maria Margarida Rita Constâncio Alves, que alguns estudiosos apontam como a maior paixão do poeta. Márcia é um anagrana de Maria Vicencia e Gertrúria é Gertrudes Homem de Noronha, filha do governador da Torre de Outão em Setúbal, por quem o poeta enamorou-se logo cedo. Devido a quantidade de versos dedicados a Gertrúria, tudo leva a crer que tenha sido ela o grande amor do poeta. Ao seguir para a Índia, Bocage faz um poema expressando os seus sentimentos amororos: "Ah! Que fazes, Elmano? Ah! Não te ausentesDos braços de Gertrúria carinhosa: Trocas do Tejo a margem deleitosa Por bárbaro país, bárbaras gentes?
Um tigre te gerou se dó não sentesVendo tão consternada e tão saudosaA tágide mais linda e mais mimosa;Ah! Que fazes, Elmano? Ah! Não te ausentes
(...)"
Cabe aqui uma pergunta: Se Bocage estava realmente apaixonado por Getrúria por que abandonou o seu amor e seguiu viagem para Goa? Por receio de seus atos boêmios!Para seguir o caminho traçado por Camões!Para tentar carreira militar!Para conseguir um nome ilustre e ser digno de Gertrudes!Todas essas são possíveis respostas para essa pergunta, mas nenhuma delas pode ser comprovada com argumentos lógicos.

goa
A Goa que Bocage encontra é muito diferente daquela que Afonso de Albuquerque conquistou e que se tornou o mais importante centro comercial do Oriente. Seus governantes se vangloriam do seu luxo e riqueza, mas tudo isso é apenas aparente porque Goa está em franca decadência, o império está falido e a corrupção toma conta dos seus habitantes. Tudo isso deixa o poeta indignado como se pode ver no fragmento do soneto abaixo.
"Das terras a pior tu és, ó Goa,Tu pareces mais ermo, que cidade;Mas alojas em ti maior vaidadeque Londres, que Paris, ou que Lisboa"
Bocage, nos 28 meses que ficou em Goa, entrega-se a novos amores e pratica uma intensa vida boêmia. Vida essa que o deixa acamado por algum tempo. Depois de recuperado, toma parte, em prol da causa portuguesa, na "Conspiração dos Pintos", manifestação dos goeses com a intenção de expulsar os europeus do seu solo.Devido a participação nessa luta, Bocage é promovido a tenente de Infantaria e, a 14 de março de 1789, é transferido para Damão. No entanto, o poeta permanece pouco tempo nesse lugar, porque ele deserta da Marinha Real, logo em seguida, e segue para Macau. Vale lembrar que nessa época a deserção não era considerada uma falta tão grave, como nos dias de hoje.Durante a viagem seu barco é atingido por um ciclone e ele acaba aportando em Cantão. Ali, apesar da vida ter-lhe sido muito dura, Bocage obtem meios para chegar a Macau, onde generosamente é acolhido por um comerciante local que o apresenta ao Governador e esse o auxilía no regresso a Portugal.
amargo regresso

Bocage que regressa a Lisboa em 1790 é o mesmo poeta que havia partido há quatro anos, ou seja, as viagens pelo Brasil, Goa, Cantão e Macau de nada serviram para o enriquecimento de sua poesia. Esse panorama só é alterado quando Bocage descobre que Gertrudes, o seu grande amor, havia se casado justamente com seu irmão Gil Bocage. Isso faz com que o poeta passe a levar uma vida totalmente desgarrada. Desnorteado, ele se entrega a bebida e ao fumo. Sua presença na boêmia de Lisboa é cada vez mais constante e Bocage começa a ganhar fama de obsceno. Essa reputação faz com que o nome Bocage, para as pessoas que não conhecem a sua obra, tenha o significado de pervertido, coisa ruim, de mal gosto etc. Nessa época, por ser um homem que freqüentava as ruas, Bocage entra em contato com os ideais da Revolução Francesa, lê os iluministas e conhece o liberalismo político e cultural. Tudo isso faz com que a poesia de Bocage sofra visíveis transformações, o poeta é um vulcão que derrama sonetos e mais sonetos que defendem essas novas idéias. Sanhudo, inexorável Despotismo,Mostro que em pranto, em sangue a fúria cevas,Que em mil quadros horríficos te enlevas, Obra da Iniquidade e do Ateísmo;
Assanhas o dando FanatismoPorque te escore o trono onde te enlevas;Porque o sol da Verdade envolva em trevas, E sepulta a Razão num denso abismo:
Da sagrada Virtude o colo pisas,E aos satélites vis prepotênciaDe crimes infernais o plano gizas:
Mas, apesar da bárbara insolência, Reinas só no ext'rior, não tiranizas Do livre coração a independência.

nova arcádia

Em 1790 Bocage ingrassa na Nova Arcádia. Essa Instituição foi fundada nesse mesmo ano por Domingos Caldas Barbosa e pretendia dar continuidade às idéias da Arcádia Lusitana ou Ulissiponense. Entre os principais ideais da Nova Arcádia estão a Inutilia truncat, cortar o inútil; a retomada da concisão e clareza que foi desprezada pelo Barroco; valorização da paisagem campestre, considerada ideal para a realização do amor (locus amenus); a busca da harmonia entre a razão e o sentimento.)Os integrantes da Nova Arcádia se reuniam todas às quartas-feiras para a leitura e declamações de poemas. Por isso, essa reuniões ficaram conhecidas como "quarta-feiras de Lereno". Além disso, cada membro tinha que adotar um nome literário, espécie de pseudônimo. Domingos Caldas adotou o nome de Lereno, Bechior Semedo, o de Belmiro. O nome escolhido por Bocage foi Elmano Sadino. Elmano é uma inversão do nome Manoel (EL/MANO/EL) e Sadino vem de Sado, rio banha Setúbal, cidade em que o poeta nasceu. O tempo de permanência de Bocage nessa instituição foi curto, durou apenas quatro anos, e foi muito conturbado. Devido a vários conflitos ideólogicos e literários com os membros da Nova Arcádia, Bocage é expulso dessa agremiação por irreverência, boemia e insubmissão às normas acadêmicas.Nessa época o "Bocage Satírico" mostra toda a sua força ao ridicularizar seus adversários, o principal deles era Domingos Caldas, presidente/fundador da Nova Arcádia, a quem Bocage retrata, em seus versos, como demônio, cão pachorrento etc. No ano de 1794 a Nova Arcádia é extinta, sendo que o próprio Bocage colaborou muito para que isso ocorresse. Dessa forma, percebe-se que Bocage fez parte da fase decadente do Arcadismo e não do período áureo desse movimento. Reforçando essa idéia, temos ainda o fato de várias de suas poesias criticarem o formalismo da Nova Arcádia e o convencionalismo daquela época.
Aos sócios da Nova Arcádia
Vós, ó Franças, Semedos, Quintanilhas,Macedos e outras pestes condenadasVós, de cujas buzinas penduradasTremem de Jove as melindrosas filhas:
Vós, néscios, que mamais da vis quadrilhasDo baixo vulgo insossas gargalhadas,Por versos maus, por trovas aleijadas,De engenhais as vA pena Satírica de Bocage não atacou apenas os membros e as regras estilísticas da Nova Arcádia. Somam-se a essa lista os poderes da Inquisição, o despotismo da Monarquia portuguesa e o fanatismo religioso.O pensamento irreverente e liberal de Bocage, que se traduzia em versos aplaudidos e repetidos pelo povo, faz com que o poeta seja preso após a divulgação da "Epístola a Marília" ou "Pavorosa Ilusão da Eternidade" e de um soneto dedicado a Napoleão, obras essas, consideradas uma ameça a segurança do Estado e da Igreja. Bocage é conduzido, em 1797, à prisão do Limoeiro. Nesse mesmo ano é transferido para o Hospício de Nossa Senhora das Necessidades onde o Frei Joaquim de Fôios está incumbido de doutrinar o poeta.Assim foi o fim do primeiro Bocage. No entanto, após a prisão nos cárceres da Inquisição, surge um outro Bocage que agora está reconciliado com os princípios religiosos e com os companheiros da Nova Arcádia, a quem ironizou. Esse novo Bocage é considerado por muitos estudiosos como um poeta menor que o primeiro. Isso se dá porque o Bocage que ficou na memória do povo é o poeta boêmio, satírico e erótico que freqüentava, principalmente, o bar do Niocola, que fazia uma poesia que rompia com os padrões neoclássicos e que popularizou-se de tal modo que chegou ao Brasil e ainda permanece vivo em um imenso anedotário, de bom e mal gosto, que lhe é atribuído. Depois de libertado, Bocage, para sustentar sua irmã, Maria Francisca, que está desamparada, passa a exercer atividades de tradutor e tarefas similares."Já Bocage não sou!... À cova escuraMeu estro foi parar desfeito em vento...(...)Outro Aretino fui... A santidade Manche!...Oh! se me creste, gente ímpia,Rasga meus versos, crê na eternidade" Cabe aqui uma pergunta: Será que o poeta, após cumprir sua pena, realmente arrependeu-se?Alguns de seus sonetos nos mostram que sim. No entanto, seus hábitos boêmios, que ao longo dos anos delibitaram a saúde e que o levam a morte, vitíma de um aneurisma, em 21 de dezembro de 1805, não mudaram totalmente e isso nos dá a entender que não. Arrependido ou não, Bocage, devido à perspectiva de morte que se aproximava, torna-se emotivo, sensível, e mergulha sua poesia em um profundo subjetivismo. Dessa forma, Bocage despe-se totalmente do figimento Neoclássico e prepara o terreno para o advento do Romantismo. "Pavorosa ilusão da Eternidade,Terror dos vivos, cárcere dos mortos;D'almas vãs sonho vão, chamado Inferno,Sistema da política opressoraFreio que a mão dos déspotas, dos bonzos,Forjou para boçal credulidade;Dogma funesto, que o remorso arreigasNos ternos corações, e paz lhe arrancas;Dogma funesto, detestável crença,Que envenenas delícias inocentesTais como aquelas que no céu se fingem!Fúrias, Cerastes, Dragos CentimanosPerpétua escuridão, perpétua chamaIncompatíveis produções do engano,Do sempiterno horror terrível quadro,(Só terrível aos olhos da ignorância):Não, não me assombram tuas negras cores;Dos homens o pincel e a mão conheço.Trema de ouvir sacrílego ameaçoQuem dum Deus, quando quer, faz um tirano;Trema a superstição; lágrimas, preces,Votos, suspiros arquejando espalhe,Cosa as faces co'a terra, os peitos fira,Vergonhosa piedade, inútil vêniaEspere às plantas do impostor sagrado,Que ora os infernos abre, ora os ferrolha...."ossas maravilhas:
Deixe Elmano, que inicente e honradoNunca de vós se lembra, meditandoEm coisas sérias, de mais alto estado:
E se quereis, os olhos alongando,Ei-lo! Vede-o no Pindo recostado,De perna erguida sobre vós...!

sofrimentos

A pena Satírica de Bocage não atacou apenas os membros e as regras estilísticas da Nova Arcádia. Somam-se a essa lista os poderes da Inquisição, o despotismo da Monarquia portuguesa e o fanatismo religioso.O pensamento irreverente e liberal de Bocage, que se traduzia em versos aplaudidos e repetidos pelo povo, faz com que o poeta seja preso após a divulgação da "Epístola a Marília" ou "Pavorosa Ilusão da Eternidade" e de um soneto dedicado a Napoleão, obras essas, consideradas uma ameça a segurança do Estado e da Igreja. Bocage é conduzido, em 1797, à prisão do Limoeiro. Nesse mesmo ano é transferido para o Hospício de Nossa Senhora das Necessidades onde o Frei Joaquim de Fôios está incumbido de doutrinar o poeta.Assim foi o fim do primeiro Bocage. No entanto, após a prisão nos cárceres da Inquisição, surge um outro Bocage que agora está reconciliado com os princípios religiosos e com os companheiros da Nova Arcádia, a quem ironizou. Esse novo Bocage é considerado por muitos estudiosos como um poeta menor que o primeiro. Isso se dá porque o Bocage que ficou na memória do povo é o poeta boêmio, satírico e erótico que freqüentava, principalmente, o bar do Niocola, que fazia uma poesia que rompia com os padrões neoclássicos e que popularizou-se de tal modo que chegou ao Brasil e ainda permanece vivo em um imenso anedotário, de bom e mal gosto, que lhe é atribuído. Depois de libertado, Bocage, para sustentar sua irmã, Maria Francisca, que está desamparada, passa a exercer atividades de tradutor e tarefas similares."Já Bocage não sou!... À cova escuraMeu estro foi parar desfeito em vento...(...)Outro Aretino fui... A santidade Manche!...Oh! se me creste, gente ímpia,Rasga meus versos, crê na eternidade" Cabe aqui uma pergunta: Será que o poeta, após cumprir sua pena, realmente arrependeu-se?Alguns de seus sonetos nos mostram que sim. No entanto, seus hábitos boêmios, que ao longo dos anos delibitaram a saúde e que o levam a morte, vitíma de um aneurisma, em 21 de dezembro de 1805, não mudaram totalmente e isso nos dá a entender que não. Arrependido ou não, Bocage, devido à perspectiva de morte que se aproximava, torna-se emotivo, sensível, e mergulha sua poesia em um profundo subjetivismo. Dessa forma, Bocage despe-se totalmente do figimento Neoclássico e prepara o terreno para o advento do Romantismo. "Pavorosa ilusão da Eternidade,Terror dos vivos, cárcere dos mortos;D'almas vãs sonho vão, chamado Inferno,Sistema da política opressoraFreio que a mão dos déspotas, dos bonzos,Forjou para boçal credulidade;Dogma funesto, que o remorso arreigasNos ternos corações, e paz lhe arrancas;Dogma funesto, detestável crença,Que envenenas delícias inocentesTais como aquelas que no céu se fingem!Fúrias, Cerastes, Dragos CentimanosPerpétua escuridão, perpétua chamaIncompatíveis produções do engano,Do sempiterno horror terrível quadro,(Só terrível aos olhos da ignorância):Não, não me assombram tuas negras cores;Dos homens o pincel e a mão conheço.Trema de ouvir sacrílego ameaçoQuem dum Deus, quando quer, faz um tirano;Trema a superstição; lágrimas, preces,Votos, suspiros arquejando espalhe,Cosa as faces co'a terra, os peitos fira,Vergonhosa piedade, inútil vêniaEspere às plantas do impostor sagrado,Que ora os infernos abre, ora os ferrolha...."

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